terça-feira, novembro 30, 2010
Mais um Pouco de Música
O que ficou mais vivo na memória em meio a todo o discurso foi a seção final, em que Scruton apresenta um exemplo de música simples e excepcionalmente bela. Trata-se da obra de Pergolese, Stabat Mater. A obra produzida no fim da vida de Pergolese (o compositor morreu muito jovem) põe a audiência diante da beleza peculiar que brota do sofrimento. No caso, o sofrimento da Mãe de Jesus ao ver o filho crucificado. A letra é um poema do Séc. XIII, normalmente associado ao memorial de N. Senhora das Dores. Pergolese é apenas um entre vários pesos pesados da música clássica a usar o poema como tema para suas composições. Uma longa linha de compositores vai de Palestrina a Arvo Pärt (cuja obra baseada no poema é, por sinal, belíssima).
Experimentei algumas gravações da Stabat Mater de Pergolese e a que mais capturou minha atenção foi a de Christopher Hogwood. Infelizmente não foi muito fácil de achar um arquivo de qualidade. Os arquivos no PQP Bach são ótimos MP3, mas além do problema na tag da primeira faixa, o formato é lossy. Para os mais puristas, encontrei o CD no formato APE, com as tags corretas. Se alguém se interessar, que dê uma olhada nos comentários aqui. Vale lembrar sempre que isto é só para degustação temporária, apague depois de ouvir, e que sairá do ar diante da primeira reclamação enviada a este blog.
quarta-feira, janeiro 27, 2010
A Trilogia de Francis Schaeffer
Acabo de completar a leitura da Trilogia de Francis Schaeffer: The God Who is There, Escape From Reason e He is There and He is not Silent. Cinco anos atrás eu já lera o primeiro volume, e a única coisa que me espantou então foi o fato de que havia um autor evangélico que lera e compreendera (bem ou mal eu não sabia dizer) os intelectuais em voga na sua época. Achei aquilo fantástico, empolgante; eu não precisaria mais lidar com os problemas decorrentes de uma personalidade cindida, a do evangélico que queria seguir a vida dentro dos limites permitidos pelo dogma intelectual e comportamental de minha igreja local (ênfase na santidade prática de cada ato e pensamento, no isolamento de influências mundanas presentes na cultura contemporânea e um preconceito – com toda razão – contra a intelectualidade humanística que abundava e abunda na academia), e a do proto-pseudo-intelectual de universidade (aprendendo por um lado a confiança somente na ciência proferida pelos próprios lentes da escola, uma vaga noção de que os evangélicos não eram lá muito inteligentes e um constante apelo do meio social – ao qual acabei atendendo depois de um ano de USP – à prática de umas tantas imoralidades que atendessem meus desejos mais baixos). Agora, com um pouco mais de atenção e experiência nas costas, achei por bem ler a coisa toda novamente e fui surpreendido por um material intelectual de primeira, muito embora a apresentação e os termos empregados pelo autor possam soar um pouco estranhos no começo, e seja necessário traduzir certas noções e um resquício de jargão evangélico em termo mais palatáveis ao leitor de filosofia. O que eu gostaria de fazer aqui é retraçar algumas etapas do pensamento de Schaeffer que me chamaram minha atenção, bem como registrar algumas impressões que a leitura me deixou.
O primeiro passo que Schaeffer tomou ao estabelecer as bases de seu pensamento, conforme creio ser possível entrever na Trilogia, foi tentar entender o que estava passando aquela geração claramente perdida para da qual ele percebeu ser necessário pregar o evangelho. As implicações desse ponto de partida podem ser desmembradas em elementos importantes que tentarei resumir.
O esforço de Schaeffer em compreender aquela geração implica uma abertura para a experiência em dois níveis: Primeiro, Schaeffer leu os livros, estudou a filosofia, contemplou os quadros, ouviu as músicas, assistiu os filmes, procurou absorver (não se deixar levar por, mas ABSORVER, tornando-se maior que) a cultura secular em torno – tanto a alta cultura quanto a cultura popular. Os teólogos liberais não tiveram a grandeza de absorver e superar os elementos da cultura, antes foram absorvidos por ela, os resultados da abertura destes teólogos para a cultura foram, como hoje se pode verificar, desastrosos; Schaeffer conseguiu se expor a todas estas influências, colocá-las para dentro e expelir tudo que elas tinham de ruim, restando nele apenas a compreensão profunda dos movimentos filosóficos e culturais contemporâneos. Segundo, Schaeffer reconstruiu no imaginário as experiências e estados internos daquelas pessoas com as quais constantemente conversava, e apesar de não participar das práticas daquela geração que tentava entender, sua poderosa imaginação o tornava capaz de reconstruir as experiências e estados emocionais e intelectuais daquelas pessoas e isso o levou a sofrer genuinamente a dor delas, e a sentir a necessidade de apresentar-lhes o evangelho.
O segundo passo tomado por Schaeffer decorre de sua absorção e análise da cultura. Uma conclusão da crítica cultural de Schaeffer é que a cultura contemporânea é uma mistura de correntes distintas com muito pouco em comum. O que parece constante nela é: (1) o efeito daninho que suas correntes provocam na alma humana e (2) uma fuga da racionalidade, da unidade da realidade e da unidade do conhecimento. Schaeffer viu, na cacofonia das culturas secular e, infelizmente, teológica modernas, aparentemente tão díspares e heterogêneas, freqüentemente antagônicas, os dois elementos de fundo encontrados em cada degrau da "escada do desespero", dos "dois andares" em que se dividiu cada um dos homens modernos. O problema espiritual do homem é que divide sua personalidade, e a cosmovisão decorrente da atividade mental de uma personalidade cindida é a imagem de uma realidade cindida Em cada aspecto da cultura secular, filosofia, literatura, música, etc., existe a marca de uma espiritualidade cega, estúpida, misticista e irracional oposta a um materialismo pseudo-científico que pontifica acerca daquilo que não é capaz de saber e reduz o homem a uma máquina. Schaeffer apresenta o cristianismo como a única saída autenticamente racional e ao mesmo tempo autenticamente espiritual para a doença espiritual moderna.
Embora os méritos filosóficos de Schaeffer sejam bastante discutíveis, alguns vêem nele um filósofo, outros não – particularmente creio que sua abertura para a realidade (e para a realidade em seu sentido mais amplo), sua busca pelo conhecimento por meio da experiência, sua compreensão da necessidade de uma antropologia filosófica adequada para a compreensão do papel do homem (ele chama de metafísica a situação do homem perante o todo da realidade) no plano geral de Deus, dão mostras de que Schaeffer poderia ter sido um filósofo notável – produzir uma filosofia nunca foi sua intenção. A preocupação principal de Schaeffer era apologética, o que é possível notar já na linguagem que ele adota, fugindo com freqüência do jargão filosófico e buscando termos que as pessoas possam relacionar com sua experiência comum. Sua crítica à filosofia era um instrumento para deixar pessoas reais sem qualquer alternativa intelectual ao cristianismo. No entanto, no campo teológico, Schaeffer procura reintroduzir a razão como elemento crucial para a fé devidamente fundamentada. Isso não é dizer que ele subordinasse a fé à razão, mas que ele compreendia a vida espiritual e a vida intelectual como partes indissociáveis do homem, justamente por que fomos criados por Deus dentro de um esquema de coisas único no qual não há um mundo material e outro espiritual e a noção de salto de fé é absolutamente desnecessária. Um exemplo interessante do uso que Schaeffer faz do instrumental filosófico é sua solução para confrontar o filósofo contemporâneo, seja marxista, positivista lógico ou existencialista, que consiste em retirar as noções filosóficas de seu confortável domínio das idéias e tentar aplicá-las ao próprio autor ou repetidor das idéias em questão. O que importa notar no exemplo é que Schaeffer não busca produzir um despertar intelectual, mas sim achar um ponto de tensão para colapsar a visão de mundo do sujeito e torná-lo aberto a ouvir o evangelho.
A despeito de suas despretensões filosóficas, fico espantado em ver como a aplicação constante da via filosófica de abertura para a realidade, balizada apenas pelo ensinamento contido na Escritura Sagrada, produziu em Schaeffer uma capacidade extraordinária de antever a direção na qual o mundo moderno se movia. A Trilogia, bem como os últimos episódios da série de vídeos "How Should We Then Live?" Mostram com clareza a compreensão precisa que Schaeffer tinha de vários movimentos em curso na modernidade. Posso citar de memória a influência nefasta dos marxistas entre membros modernistas da Igreja Católica, a compreensão de que o marxismo não necessita das idéias econômicas de Marx para se realizar, a explosão do mercado pornográfico prenunciada no aparecimento da pornografia na alta cultura (Henry Miller, por exemplo), o esvaziamento do conteúdo das palavras que veio a corroer o senso de orientação intelectual e espiritual até mesmo dentro das igrejas e que hoje é prática comum no jornalismo e contamina a linguagem popular (deixando as populações indefesas contra qualquer manipulação). No último livro da Trilogia ele chega inclusive a ver como provável conseqüência da incapacidade moderna para o conhecimento moral a emergência de uma elite que tome decisões morais e comportamentais por todos (nos vídeos creio que ele menciona algumas pesquisas científicas voltadas para a manipulação do comportamento humano – um problemão que deveria estar sendo centro de discussão geral e ainda hoje não se discute fora de alguns círculos restritos). Acho engraçado como estas antevisões devastadoras aparecem de forma quase incidental no discurso de Schaeffer, cujo propósito é apenas e tão somente nos levar a conhecer melhor o plano de Deus para resgatar o homem caído.
II
Schaeffer atacou alguns problemas filosóficos, por ter crido que era necessário oferecer uma resposta cristã a dúvidas que poderiam oferecer obstáculos intelectuais à aceitação do evangelho. Esboçou uma antropologia filosófica, na qual relatou o estado tensional do homem – caído em pecado, mas feito à imagem de Deus e capaz de relacionar-se com Ele por meio da graça divina. Tratou também de esclarecer como é possível a comunicação direta entre deus e o homem por meio da escritura, o que torna possível demonstrar em seguida o motivo pelo qual devemos ter a Bíblia como mais alta regra de fé – pois ela é uma comunicação direta de Deus ao homem.
A noção que creio ser fundamental para estabelecer a possibilidade de comunicação e relacionamento entre Deus e o homem é a ênfase dada por Schaeffer à noção de Deus enquanto pessoa. Um dos grandes problemas da teologia, e principalmente da filosofia, é o fato de Deus ser incompreensível enquanto objeto da inteligência humana. O problema se espalha para o campo da ontologia quando verificamos que a parte, o ser criado, não é capaz de compreender o todo, o criador sem antes se ter tornado igual a ele. Sendo Deus perfeito e infinito, não poderia e nem poderá haver dois d'Ele (problema já bem estabelecido pela filosofia medieval) e, portanto, o conhecimento de Deus é impossível. A sugestão de Schaeffer é a seguinte: Deus nos fez à sua imagem e semelhança, e essa verdade bíblica pode ser interpretada no sentido de que Ele nos dotou de personalidade. Deus é um Deus pessoal, e somos pessoas por participarmos (expressão minha) da personalidade divina. Enquanto pessoas, somos capazes de comunicação em dois níveis, com Deus e uns com os outros.
Algumas conseqüências podem ser extraídas do precedente. A comunicação pressupõe a racionalidade e exclui, portanto, a separação entre uma fé irracional e o cientificismo ou o materialismo racionais. A comunicação entre os homens e entre eles e Deus é precondição para que os homens possam amar uns aos outros e amar a Deus. A personalidade de Deus nos permite conhecê-lo, não como objeto, mas como se conhece uma pessoa, o que em geral se dá por meio de um diálogo, que no caso em tela se estende já por milhares de anos – o diálogo não fornece um conhecimento completo da pessoa divina, mas oferece um conhecimento suficiente e adequado às nossas limitações.
Fico com a impressão de que a relação pessoal com Deus e o conhecimento que disso resulta é essencialmente diferente da busca por um conhecimento difuso da realidade como um todo. A marca da personalidade é a afeição, e é radicalmente diferente conhecer uma realidade da qual somos parte e conhecer uma pessoa a quem venhamos a amar. Contudo, e diante do perigo de cair num sentimentalismo cristão dos mais ridículos, entendo que é uma experiência dos dois tipos é necessária para preenchermos corretamente as lacunas existenciais que ameaçam nos tragar. A maior lição que me foi legada por Francis Schaeffer foi justamente a necessidade de integração destes dois elementos na minha pessoa, se não de fato, ao menos enquanto projeto perpetuamente inacabado.
Cuidado com o que pedes...
Hoje fui escarafunchar este blog que vos fala e encontrei um port recente, o Disperso, e então tudo fez sentido (e acredite, o ser humano é tão estúpido - e não sou exceção à regra - que só percebe as coisas depois que elas já se passaram), pois eu ali registrava meu pedido a Deus que me tirasse daquele lugar. Três dias depois de mudar de apartamento Ele atendeu. Simples assim. Eu é que não entendi.
Graças a Ele estou empregado novamente, num lugar em que estou mais contente, menos cansado apesar de trabalhar mais, e novamente empregado em um local próximo de casa.
Eu não deveria me surpreender, mas é sempre notável constatar que até hoje não houve uma única coisa que pedi com fé que Deus não tenha atendido amorosamente. Jamais por mérito meu, mas para maior glória d'Ele.