terça-feira, novembro 30, 2010

Mais um Pouco de Música

Um de meus documentários favoritos (se é que se pode chamar de documentário) é o Why Beauty Matters, do filósofo Roger Scruton. O programa se trata, na verdade, de um ensaio filosófico narrado pelo próprio Scruton sobre o tema da beleza e seu aparente sumiço na contemporaneidade. A despeito da conclusão final de que a religião e a beleza podem ser, de alguma forma, intercambiáveis - o que acredito ser bastante discutível, pois tenho a impressão de que a religião encampa e transcende a mera estética - o ensaio de Scruton é uma das mais acessíveis críticas aos rumos que a arte tomou nos últimos tempos (estou sendo bem liberal com o uso de últimos tempos aqui, pois o filósofo demonstra como a arte já vem perdendo a relação com a beleza há mais de sessenta anos).

O que ficou mais vivo na memória em meio a todo o discurso foi a seção final, em que Scruton apresenta um exemplo de música simples e excepcionalmente bela. Trata-se da obra de Pergolese, Stabat Mater. A obra produzida no fim da vida de Pergolese (o compositor morreu muito jovem) põe a audiência diante da beleza peculiar que brota do sofrimento. No caso, o sofrimento da Mãe de Jesus ao ver o filho crucificado. A letra é um poema do Séc. XIII, normalmente associado ao memorial de N. Senhora das Dores. Pergolese é apenas um entre vários pesos pesados da música clássica a usar o poema como tema para suas composições. Uma longa linha de compositores vai de Palestrina a Arvo Pärt (cuja obra baseada no poema é, por sinal, belíssima).

Experimentei algumas gravações da Stabat Mater de Pergolese e a que mais capturou minha atenção foi a de Christopher Hogwood. Infelizmente não foi muito fácil de achar um arquivo de qualidade. Os arquivos no PQP Bach são ótimos MP3, mas além do problema na tag da primeira faixa, o formato é lossy. Para os mais puristas, encontrei o CD no formato APE, com as tags corretas. Se alguém se interessar, que dê uma olhada nos comentários aqui. Vale lembrar sempre que isto é só para degustação temporária, apague depois de ouvir, e que sairá do ar diante da primeira reclamação enviada a este blog.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

A Trilogia de Francis Schaeffer

Acabo de completar a leitura da Trilogia de Francis Schaeffer: The God Who is There, Escape From Reason e He is There and He is not Silent. Cinco anos atrás eu já lera o primeiro volume, e a única coisa que me espantou então foi o fato de que havia um autor evangélico que lera e compreendera (bem ou mal eu não sabia dizer) os intelectuais em voga na sua época. Achei aquilo fantástico, empolgante; eu não precisaria mais lidar com os problemas decorrentes de uma personalidade cindida, a do evangélico que queria seguir a vida dentro dos limites permitidos pelo dogma intelectual e comportamental de minha igreja local (ênfase na santidade prática de cada ato e pensamento, no isolamento de influências mundanas presentes na cultura contemporânea e um preconceito – com toda razão – contra a intelectualidade humanística que abundava e abunda na academia), e a do proto-pseudo-intelectual de universidade (aprendendo por um lado a confiança somente na ciência proferida pelos próprios lentes da escola, uma vaga noção de que os evangélicos não eram lá muito inteligentes e um constante apelo do meio social – ao qual acabei atendendo depois de um ano de USP – à prática de umas tantas imoralidades que atendessem meus desejos mais baixos). Agora, com um pouco mais de atenção e experiência nas costas, achei por bem ler a coisa toda novamente e fui surpreendido por um material intelectual de primeira, muito embora a apresentação e os termos empregados pelo autor possam soar um pouco estranhos no começo, e seja necessário traduzir certas noções e um resquício de jargão evangélico em termo mais palatáveis ao leitor de filosofia. O que eu gostaria de fazer aqui é retraçar algumas etapas do pensamento de Schaeffer que me chamaram minha atenção, bem como registrar algumas impressões que a leitura me deixou.

O primeiro passo que Schaeffer tomou ao estabelecer as bases de seu pensamento, conforme creio ser possível entrever na Trilogia, foi tentar entender o que estava passando aquela geração claramente perdida para da qual ele percebeu ser necessário pregar o evangelho. As implicações desse ponto de partida podem ser desmembradas em elementos importantes que tentarei resumir.

O esforço de Schaeffer em compreender aquela geração implica uma abertura para a experiência em dois níveis: Primeiro, Schaeffer leu os livros, estudou a filosofia, contemplou os quadros, ouviu as músicas, assistiu os filmes, procurou absorver (não se deixar levar por, mas ABSORVER, tornando-se maior que) a cultura secular em torno – tanto a alta cultura quanto a cultura popular. Os teólogos liberais não tiveram a grandeza de absorver e superar os elementos da cultura, antes foram absorvidos por ela, os resultados da abertura destes teólogos para a cultura foram, como hoje se pode verificar, desastrosos; Schaeffer conseguiu se expor a todas estas influências, colocá-las para dentro e expelir tudo que elas tinham de ruim, restando nele apenas a compreensão profunda dos movimentos filosóficos e culturais contemporâneos. Segundo, Schaeffer reconstruiu no imaginário as experiências e estados internos daquelas pessoas com as quais constantemente conversava, e apesar de não participar das práticas daquela geração que tentava entender, sua poderosa imaginação o tornava capaz de reconstruir as experiências e estados emocionais e intelectuais daquelas pessoas e isso o levou a sofrer genuinamente a dor delas, e a sentir a necessidade de apresentar-lhes o evangelho.

O segundo passo tomado por Schaeffer decorre de sua absorção e análise da cultura. Uma conclusão da crítica cultural de Schaeffer é que a cultura contemporânea é uma mistura de correntes distintas com muito pouco em comum. O que parece constante nela é: (1) o efeito daninho que suas correntes provocam na alma humana e (2) uma fuga da racionalidade, da unidade da realidade e da unidade do conhecimento. Schaeffer viu, na cacofonia das culturas secular e, infelizmente, teológica modernas, aparentemente tão díspares e heterogêneas, freqüentemente antagônicas, os dois elementos de fundo encontrados em cada degrau da "escada do desespero", dos "dois andares" em que se dividiu cada um dos homens modernos. O problema espiritual do homem é que divide sua personalidade, e a cosmovisão decorrente da atividade mental de uma personalidade cindida é a imagem de uma realidade cindida Em cada aspecto da cultura secular, filosofia, literatura, música, etc., existe a marca de uma espiritualidade cega, estúpida, misticista e irracional oposta a um materialismo pseudo-científico que pontifica acerca daquilo que não é capaz de saber e reduz o homem a uma máquina. Schaeffer apresenta o cristianismo como a única saída autenticamente racional e ao mesmo tempo autenticamente espiritual para a doença espiritual moderna.

Embora os méritos filosóficos de Schaeffer sejam bastante discutíveis, alguns vêem nele um filósofo, outros não – particularmente creio que sua abertura para a realidade (e para a realidade em seu sentido mais amplo), sua busca pelo conhecimento por meio da experiência, sua compreensão da necessidade de uma antropologia filosófica adequada para a compreensão do papel do homem (ele chama de metafísica a situação do homem perante o todo da realidade) no plano geral de Deus, dão mostras de que Schaeffer poderia ter sido um filósofo notável – produzir uma filosofia nunca foi sua intenção. A preocupação principal de Schaeffer era apologética, o que é possível notar já na linguagem que ele adota, fugindo com freqüência do jargão filosófico e buscando termos que as pessoas possam relacionar com sua experiência comum. Sua crítica à filosofia era um instrumento para deixar pessoas reais sem qualquer alternativa intelectual ao cristianismo. No entanto, no campo teológico, Schaeffer procura reintroduzir a razão como elemento crucial para a fé devidamente fundamentada. Isso não é dizer que ele subordinasse a fé à razão, mas que ele compreendia a vida espiritual e a vida intelectual como partes indissociáveis do homem, justamente por que fomos criados por Deus dentro de um esquema de coisas único no qual não há um mundo material e outro espiritual e a noção de salto de fé é absolutamente desnecessária. Um exemplo interessante do uso que Schaeffer faz do instrumental filosófico é sua solução para confrontar o filósofo contemporâneo, seja marxista, positivista lógico ou existencialista, que consiste em retirar as noções filosóficas de seu confortável domínio das idéias e tentar aplicá-las ao próprio autor ou repetidor das idéias em questão. O que importa notar no exemplo é que Schaeffer não busca produzir um despertar intelectual, mas sim achar um ponto de tensão para colapsar a visão de mundo do sujeito e torná-lo aberto a ouvir o evangelho.

A despeito de suas despretensões filosóficas, fico espantado em ver como a aplicação constante da via filosófica de abertura para a realidade, balizada apenas pelo ensinamento contido na Escritura Sagrada, produziu em Schaeffer uma capacidade extraordinária de antever a direção na qual o mundo moderno se movia. A Trilogia, bem como os últimos episódios da série de vídeos "How Should We Then Live?" Mostram com clareza a compreensão precisa que Schaeffer tinha de vários movimentos em curso na modernidade. Posso citar de memória a influência nefasta dos marxistas entre membros modernistas da Igreja Católica, a compreensão de que o marxismo não necessita das idéias econômicas de Marx para se realizar, a explosão do mercado pornográfico prenunciada no aparecimento da pornografia na alta cultura (Henry Miller, por exemplo), o esvaziamento do conteúdo das palavras que veio a corroer o senso de orientação intelectual e espiritual até mesmo dentro das igrejas e que hoje é prática comum no jornalismo e contamina a linguagem popular (deixando as populações indefesas contra qualquer manipulação). No último livro da Trilogia ele chega inclusive a ver como provável conseqüência da incapacidade moderna para o conhecimento moral a emergência de uma elite que tome decisões morais e comportamentais por todos (nos vídeos creio que ele menciona algumas pesquisas científicas voltadas para a manipulação do comportamento humano – um problemão que deveria estar sendo centro de discussão geral e ainda hoje não se discute fora de alguns círculos restritos). Acho engraçado como estas antevisões devastadoras aparecem de forma quase incidental no discurso de Schaeffer, cujo propósito é apenas e tão somente nos levar a conhecer melhor o plano de Deus para resgatar o homem caído.


 

II

Schaeffer atacou alguns problemas filosóficos, por ter crido que era necessário oferecer uma resposta cristã a dúvidas que poderiam oferecer obstáculos intelectuais à aceitação do evangelho. Esboçou uma antropologia filosófica, na qual relatou o estado tensional do homem – caído em pecado, mas feito à imagem de Deus e capaz de relacionar-se com Ele por meio da graça divina. Tratou também de esclarecer como é possível a comunicação direta entre deus e o homem por meio da escritura, o que torna possível demonstrar em seguida o motivo pelo qual devemos ter a Bíblia como mais alta regra de fé – pois ela é uma comunicação direta de Deus ao homem.

A noção que creio ser fundamental para estabelecer a possibilidade de comunicação e relacionamento entre Deus e o homem é a ênfase dada por Schaeffer à noção de Deus enquanto pessoa. Um dos grandes problemas da teologia, e principalmente da filosofia, é o fato de Deus ser incompreensível enquanto objeto da inteligência humana. O problema se espalha para o campo da ontologia quando verificamos que a parte, o ser criado, não é capaz de compreender o todo, o criador sem antes se ter tornado igual a ele. Sendo Deus perfeito e infinito, não poderia e nem poderá haver dois d'Ele (problema já bem estabelecido pela filosofia medieval) e, portanto, o conhecimento de Deus é impossível. A sugestão de Schaeffer é a seguinte: Deus nos fez à sua imagem e semelhança, e essa verdade bíblica pode ser interpretada no sentido de que Ele nos dotou de personalidade. Deus é um Deus pessoal, e somos pessoas por participarmos (expressão minha) da personalidade divina. Enquanto pessoas, somos capazes de comunicação em dois níveis, com Deus e uns com os outros.

Algumas conseqüências podem ser extraídas do precedente. A comunicação pressupõe a racionalidade e exclui, portanto, a separação entre uma fé irracional e o cientificismo ou o materialismo racionais. A comunicação entre os homens e entre eles e Deus é precondição para que os homens possam amar uns aos outros e amar a Deus. A personalidade de Deus nos permite conhecê-lo, não como objeto, mas como se conhece uma pessoa, o que em geral se dá por meio de um diálogo, que no caso em tela se estende já por milhares de anos – o diálogo não fornece um conhecimento completo da pessoa divina, mas oferece um conhecimento suficiente e adequado às nossas limitações.

Fico com a impressão de que a relação pessoal com Deus e o conhecimento que disso resulta é essencialmente diferente da busca por um conhecimento difuso da realidade como um todo. A marca da personalidade é a afeição, e é radicalmente diferente conhecer uma realidade da qual somos parte e conhecer uma pessoa a quem venhamos a amar. Contudo, e diante do perigo de cair num sentimentalismo cristão dos mais ridículos, entendo que é uma experiência dos dois tipos é necessária para preenchermos corretamente as lacunas existenciais que ameaçam nos tragar. A maior lição que me foi legada por Francis Schaeffer foi justamente a necessidade de integração destes dois elementos na minha pessoa, se não de fato, ao menos enquanto projeto perpetuamente inacabado.

Cuidado com o que pedes...

Nos últimos meses, Deus ouviu mais uma vez minha oração. E eu nem tinha me dado conta. Recentemente perdi meu emprego na rede de supermercados Pequeno Polegar (que vem confirmar minha impressão de que os Estados Unidos sempre parecem uma nação meio ridícula depois que a gente a traduz para o Português), e estava me sentindo a mosca no cocô do cavalo do bandido. Digo isso porque acho que existe pouca coisa mais besta do que fazer o que eu fazia, era chato, deselegante, e cansativo, e mesmo de um trabalho desses eu fui demitido.

Hoje fui escarafunchar este blog que vos fala e encontrei um port recente, o Disperso, e então tudo fez sentido (e acredite, o ser humano é tão estúpido - e não sou exceção à regra - que só percebe as coisas depois que elas já se passaram), pois eu ali registrava meu pedido a Deus que me tirasse daquele lugar. Três dias depois de mudar de apartamento Ele atendeu. Simples assim. Eu é que não entendi.

Graças a Ele estou empregado novamente, num lugar em que estou mais contente, menos cansado apesar de trabalhar mais, e novamente empregado em um local próximo de casa.

Eu não deveria me surpreender, mas é sempre notável constatar que até hoje não houve uma única coisa que pedi com fé que Deus não tenha atendido amorosamente. Jamais por mérito meu, mas para maior glória d'Ele.