sábado, março 26, 2005

O filho pródigo à casa retorna

Eu posso dizer com toda a sinceridade (com uma explicação à moda de Schopenhauer) que não escrevi aqui por um bom tempo pura e simplesmente porque não quis. Sempre me pareceu um grande pecado que muitas pessoas, várias delas bem mais mais inteligentes do que eu, ficaram apaixonadas pelo som da própria voz ao longo do tempo. Isso leva alguém a executar monólogos intermináveis nos quais fazem desfilar sua erudição e sua argúcia dircursiva como quem brande uma espada com a qual corta as trevas da ignorância do pobre ouvinte ocasional ou do transeunte inocente (que não pediram para serem retirados de sua abençoada ignorância). Eu, que não me preocupo em iluminar a ignorância de ninguém e passo a maior parte do tempo refletindo filosoficamente sobre as implicações da interação entre o mundo que me cerca e o meu umbigo, não fiz questão de continuar a escrever quando a atividade não me parecia trazer proveito algum.

Parei de escrever recentemente porque não podia mais suportar as minhas próprias palavras. Estava enjoado do som de minha voz, da disposição das minhas palavras na folha de papel (sim, amigos da geração da internet, eu sou um orgulhoso portador e usuário de folhas de papel e uma caneta tinteiro à qual quero muito bem e, tenho certeza, ela a mim) e decidi que é melhor ficar quieto do que falar apenas por força do hábito (por mais que o hábito tenha surgido de uma necessidade profunda, como já tive oportunidade de observar anteriormente).

Agora que já disse porque parei de escrever, acho que devo explicar porque voltei. O fato é que eu estava um bocado entretido em lamentar minha existência vazia e solitária e agora fico a falar como quem viu passarinho verde. Ora, vi passarinho verde e deixemos o assunto por aí. Importa saber que me animei a vencer a preguiça e toda aquela energia negativa do pessimismo que parecia dar ainda mais força à gravidade que me mantinha cativo e confinado nos limites do sofá e, se não acho ainda que a vida vale tanto a pena, já não acho mais que vale a pena reclamar dela até a exaustão. É o que acontece quando se descobre formas mais agradáveis de ocupar o tempo.

Não é que fosse sem atrativos a boa e velha miséria mas não podia mais ficar incapacitado esperando a vida me dar um chute. Espero poder manter o sentido mais agudo de realidade que o pessimismo sempre me emprestou, por outro lado posso enxergar um pouco melhor o mundo quando não estou preocupado com a tristeza e as lamúrias que aterrorizam até mesmo os melhores de nós escritores diletantes. "E eu que era triste, descrente desse mundo..." Bem, o mundo pode esperar, agora vou dar o troco, a começar pelo próximo escrito. Desejem-me sorte.

P.S. Haverá dias em que minha disposição será mais romântica por força de alguma circunstância encantadora da vida (até mesmo o grande pessimista tem algum momento de alívio em sua caminhada), o que não deixa de ser assustador. Será que terei ainda em mim o necessário para voltar três anos no tempo? Não perca os próximos episódios...

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