terça-feira, janeiro 17, 2006

Silêncio

Existe algo reconfortante no silêncio. A total ausência de choro, riso, vozes, barulhos incidentais. Tanta gente se preocupa em fazer trilhas sonoras sentimentais da vida, e esquece que em algum momento houve um princípio em silêncio. Antes do primevo vagido, havia uma existência privada de expressão, havia um universo de sensações veladas cuja experiência era exclusivamente pessoal, e por isso o que havia de mais autêntico antes de chegarem as hipocrisias do mundo.

Pense, mas não fale; fale, mas não escreva; escreva, mas não assine. Se fosse capaz de observar essas regras não teria sido mais feliz, mas teria sido menos triste.

Reconfortante eu dizia, porque o silêncio não traz notícias ruins, não traz ventos de mudança, não traz contradições, não faz confusão, não se perde pelas palavras, não gera desacordo. Um mundo de silêncio seria impossível para qualquer um de nós, mas justamente por isso o silêncio é tão precioso nesse mundo em que somos tão apegados ao barulho.

As coisas mais belas que sentimos talvez não possam ser ditas. Seria diminuí-las e humilhá-las. Seria submetê-las à compreensão e à interpretação de alguém que desconhece a maneira pela qual elas foram compostas, que não nos sabe por inteiro e jamais poderia apreciar, por meio de meras palavras, a maravilha do sentimento em si.

Algumas coisas simplesmente não merecem ser ditas. Sobre certas coisas a observação do silêncio é a única resposta inteligente. Guardar para si o que há de pior e também o que há de mais sincero pode não ser recomendado pelo terapêuta, mas nos permite controlar o que esperamos que se pense de nós, porque ninguém é realmente capaz de aceitar o outro tão completamente. Somos juízes impiedosos dos outros, e ao julgá-los aprendemos que há muito sobre nós mesmos que convém calar.

Alguém mais experiente do que eu já disse que jamais devia um homem dizer "eu te amo". Seria expor-se demais e ninguém, por mais que ame, deveria se colocar à mercê de outra pessoa tão facilmente. Afinal não se sabe ao certo qual a real capacidade da amada para a crueldade. E nem, quando ferido o orgulho, a sua própria capacidade para ser cruel.

Existem coisas que não convém dizer a nós mesmos. Quem saberia dizer que monstro abrigamos debaixo da casca da nossa pele? Quem saberia se não é, pelo contrário, um santo que, liberto, nos obrigaria a tomar sobre nós mesmos dores muito piores do que queremos suportar? Viver pela metade é o desejo que aflora nos depressivos, não viver é o que querem os suicidas. Não falar é o hábito dos tímidos, que são muito cuidadosos em preservar suas personalidades ao invés de aniquilá-la. Nesse sentido, os extrovertidos se assemelham muito mais aos suicidas. Qual é a diferença entre se diluir em meio à massa humana que nos cerca e deixar simplesmente de existir? Convém viver calado, pois assim se salva a distinção entre os próprios pecados e os pecados dos outros. Seria muito cruel ser vítima de ambos.

Viver é perigoso demais. Melhor é observar, diligentemente, o silêncio.

Nenhum comentário: