sexta-feira, janeiro 21, 2005

Amigos, non poss'eu negar

Depois desta bobagem toda me senti mal e resolvi recorrer a palavras alheias que caem como uma luva para meus momentos mais românticos. Eu posso me servir do testemunho de diversas pessoas próximas que dirão o quanto sou passível de uma sujeição semelhante a este eu lírico cujas palavras faço minhas, e pelas mesmas razões em boa parte das vezes. Vai entender...

Amigos, non poss'eu negar

Amigos, non poss' eu negar
a gran coita que d'amor ei,
ca me vejo sandeu andar,
e con sandeçe o direi:
os olhos verdes que eu vi
me fazen or' andar assi.

Pero quemquer s'entenderá
aquestes olhos quaes son,
e dest' alguen se queixaráhe
mais eu ja quer moira, quer no
os olhos verdes que eu vi
me fazen or' andar assi.

Megalomania

Quando eu crescer eu quero ser um gênio incompreendido. Imagine só poder alçar minha voz contra a sabedoria mundana e revelar a todos os imbecis aquilo que todos num futuro póstumo saberão ser, obviamente a verdade absoluta.

Quero provar que todas as teorias que contradigam os meus sábios aforismos são falsidades sacrílegas e disparatadas. Minhas palavras serão buscadas e há de se inventar ainda um método científico mas impreciso para a hermenêutica de minhas geniais idéias.

Milhares de crianças ao redor do mundo irão aprender a repetir minhas mais famosas pérolas de sabedoria, afinal serão minhas idéias a moldar as mentes do próximo século como jamais antes idéias foram capazes de influenciar jovens mentes.

Evidente que poucos me darão crédito. Pelo contrário, me chamarão de megalômano, de louco, de idiota, mas eu terei minha vingança, pois não se pode querer cobrir a luz da verdade com a peneira da inveja e da baixa mentira.

Aqueles que pensarem que se livrarão facilmente da abrangência de minha genialidade serão os primeiros a se dobrar ante a minha suprema capacidade intelectual e o poder transformador de minhas idéias. Estes se arrependerão de ter alçado suas rasteiras vozes contra mim um dia e vão perceber que foram libertados das amarras do obscurantismo pelas minhas palavras geniais.

Assim concluo esse prognóstico otimista do futuro próximo conclamando a todos que o lerem para que se curvem desde já à minha evidente superioridade em relação ao bolo amorfo da humanidade.

Sou humilde a ponto de reconhecer que alguns poderão até vir a compreender hoje o que digo, mas só os verdadeiros escolhidos serão capazes de tamanho feito.

P.S. Estou bêbado, então desculpem se a piada foi sem graça. Achei um exercício fascinante de cretinice. Obrigado e boa noite.

terça-feira, janeiro 11, 2005

O primeiro encontro

O primeiro encontro é aquele que tudo define. No primeiro encontro reside todo o futuro possível de um relacionamento que poderia ter um grande impacto no mundo, uma vez que você e a mulher a ser encontrada podem se dar bem, marcar mais encontros, iniciar um relacionamento, fazer apresentações aos pais, morar juntos, casar, ter um filho que crescerá para se tornar um grande gênio da medicina e descobrir a cura para o câncer. Ou você pode simplesmente meter os pés pelas mãos e teremos que conviver com este ou qualquer outro flagelo da humanidade por outros tantos anos. Tudo é uma questão de possibilidades, e estas são infinitas, mas na pior das hipóteses o futuro depende desse momento e você tem uma grande chance de acabar com ele.

Ao contrário do que normalmente acontece em algumas culturas, aqui nesta nação tupiniquim a partir da qual vos falo, o primeiro encontro é um momento completamente independente do que popularmente se convencionou chamar de a primeira “ficada”. Ficar com alguém, ou melhor dizendo, beijar e acariciar (mais ou menos livremente dependendo da pessoa e da situação) alguém sem compromisso algum, por mera obra das circunstâncias, é algo relativamente fácil. Você conhece a história: festa na quinta feira à noite, você vai de carona e por isso acha mais educado tomar um banho antes, coloca uma roupa que melhor esconda seus defeitos antes que todos estejam muito cegos ou muito bêbados para se importar, ouve a buzina na porta e vai para mais uma noite de álcool e rejeição por parte de alguém que, em condições normais, jamais mereceria sequer um olhar seu (e que no decorrer da noite ficou substancialmente mais bonita).De repente, sem ter se dado conta, você se encontra ao lado de uma total desconhecida que parece estar, segundo opinião dos expertos mais conceituados, conectada à sua boca de maneira indisfarçável, enquanto você, que também é filho de Deus, explora o quanto pode da anatomia da estranha em questão com a sua mão livre (existe um mão que invariavelmente fica presa nessas ocasiões). Ora, a primeira ficada tem grande probabilidade de ser, diante das circunstâncias, aquilo que chamo de, para fins de trazer a idéia à tona com toda a clareza que sua realidade merece, uma cagada monumental.

Muito bem, dispostas as peças desse modo, logo fica evidente que existe uma grande chance de que, dado que você tenha conseguido chegar incólume em sua casa apesar da bebedeira, tenha pegado o telefone da mulher com quem ficou e se recorde vagamente de quem ela era, acabe sofrendo uma grande decepção (à qual alguns intitulam também ressaca moral). Logo, a antecipação se acumula, como no princípio do terceiro movimento do primeiro Concerto para piano de Tchaikovsky (em mi bemol, se não me falha a memória), sem que no entanto se saiba se o finale será tão espetacular como no concerto. Pode ser que ao invés de aplausos, ao fim do encontro, venham as vaias.

Duas formas básicas de decepção podem ocorrer. Você pode ficar despontado com ela ou ela ficar despontada com você. Ou ambos podem ficar desapontado, não há terceiro excluído. Diante de tudo isso que pode dar errado, diante do horror de se ver num encontro com uma mulher esteticamente prejudicada, você pega o telefone e marca a data e o local. A atitude de desafiar o destino quando todas as probabilidades estão contra você lhe dá a estatura de um herói grego de tragédia. O ar grave que está por trás da conversa aparentemente leve e despreocupada denota a tensão que permanece pairando sobre as cabeças envolvidas durante toda a duração do encontro. Esse é um dado com o qual se deve contar no cálculo do risco envolvido na difícil atividade de procurar relacionamentos de que tipo forem, a tensão está sempre lá.

Chegado o momento de chegar ao encontro em si, cercado, provavelmente por todas as circunstâncias já descritas, fica difícil saber como cumprimentar. Selinho? Beijinho no rosto? Aperto de mão? Seria bobagem imaginar que os detalhes são irrelevantes. Numa situação com tanta pressão acumulada, qualquer rachadura, qualquer vazamento, qualquer falha de engenharia no encontro pode ser fatal. E quem sabe se detalhes para os quais você jamais atentaria não podem ocasionar as mais variadas más impressões: se seus sapatos combinam com as meias, se você passou em cima das tulipas do jardim ao estacionar o carro, se você tem um chaveirinho de coelhinho, brinde de aniversário da revista Playboy, pendendo para fora do bolso e outras coisas do gênero. As mulheres são expertas em reparar nas bobagens mais inacreditavelmente desprovidas de importância (para você).

Esse pequeno demonstrativo não é nada comparado com o que vem depois. Analise suas conversas mais recentes com os amigos, com as mulheres, com as pessoas à sua volta. Você realmente confia na própria boca? Quer dizer, quantas gafes você já deu, quantos palavrões inomináveis, quantas piadas machistas, comentários ofensivos, infrações contra o politicamente correto, enfim, quanta porcaria já brotou, num glorioso ato involuntário de diarréia verbal, da sua boca? Por que é que isso não vai acontecer justamente no momento em que você precisa estar mais apresentável e mostrar seu melhor lado, a saber, no primeiro encontro?

O que me proponho a fazer aqui não é desestimular ninguém, senão advertir que, como em tudo na vida, muita coisa pode dar errado no primeiro encontro. Isso é muito útil para quem se encontra em vias de empreender tamanho feito, uma vez que acaba em grande parte com a expectativa de que algo possa efetivamente dar certo, de modo que se pode desfrutar o encontro sem risco de ser pego desprevenido pelo fracasso. Se isso não é um serviço de utilidade pública eu não sei o que é. Então aproveite ao máximo seu encontro, afinal as chances são de que existam muitos outros primeiros ainda por vir em sua carreira de Casanova às avessas.

terça-feira, janeiro 04, 2005

Sim, eu sou fã de Star Wars...


:: how jedi are you? ::

Verão 2004/2005...

Estive na praia por uma semana com uma gente muito agradável e divertida. Voltei bronzeado e um bocado contente. Talvez não tenha sido tudo rosas, mas esta é a impressão geral. Ao invés de ficar tentando rememorar o que aconteceu e escrever um breve diário de viagem, achei por bem publicar algumas notas que tomei em diversos momentos daquela semana, conforme me dava vontade e tinha a pena à mão. Essas poucas notas são um testemunho muito mais honesto e preciso de minhas impressões do que qualquer narrativa a posteriori jamais poderia ser.


Música das Ondas

Ainda que não seja a primeira vez que faço notas da praia, é a primeira vez que tenho a audácia, tendo em vista a probabilidade de receber críticas diversas, de escrever na praia. O barulho das ondas embala o ritmo da pena, a escrita sai vagarosa e rítmica.

Nada mais natural. As ondas também respeitam esse ritmo determinado por algum mistério que não ousaria sondar, elas o imprimem, por sua vez, ao caminhar sinuoso e macio das mulheres que passam. Tudo que vejo na praia parece compor um sistema harmônico cujo propósito principal é deleitar os meus sentidos.

Seria lugar comum dizer que o litoral brasileiro transpira sensualidade. Evitaria essa repetição se pudesse, mas não consigo evitar o comentário diante da topografia feminina que se desvela diante dos meus olhos.

Sabe-se lá por que motivo me ponho a prosear dessa maneira. Não arrisco palpite mais ousado do que o de que fui inspirado por toda a romântica atmosfera que me cerca, aliada à alegria do sol que achou enfim por bem fazer uma visita. Em momentos assim poderia facilmente me deixar encantar pela música do vento e me perder no mar.

Cambury, 30.12.04



É dolorosa a contradição de desprezar aquilo que desejamos. É uma necessidade que temos para aplacar a condição grave e avassaladora de ser que deseja, e que o faz desmesuradamente.
Por pior que possa ser, tudo isso desaparece ante à sensação de vazio, solidão e egoísmo de ver o desejo realizado. É por isso que só os santos são felizes.

Cambury, 30.12.04



Soneto sombrio

Os vis fantasmas das memórias mortas
nada fazem senão triste figura
por ter rompido os laços de ternura
com os vivos, fecharam-lhes as portas

E as trilhas escuras, sendas tortas
desprovidas de amor ou de candura
são percorridas pela luz escura
destas memórias sôfregas e rotas

Sua existência efêmera e negada
pelo implacável mal do esquecimento
a sua morte nunca anunciada

sem aflição, sem dor, sem sofrimento
são a extensão do quanto lhes invejo
melhores que esta dor que sinto e vejo.

Boiçucanga, 29.12.04


Observações impertinentes: Carol e Eduardo, obrigado pela leitura dos originais, vocês foram muito gentis. Agradecimento ainda a Carol e Cecília por me inspirarem a escrever o primeiro texto, meramente por estarem lá. O caput tem a mesma data do post.