O primeiro encontro é aquele que tudo define. No primeiro encontro reside todo o futuro possível de um relacionamento que poderia ter um grande impacto no mundo, uma vez que você e a mulher a ser encontrada podem se dar bem, marcar mais encontros, iniciar um relacionamento, fazer apresentações aos pais, morar juntos, casar, ter um filho que crescerá para se tornar um grande gênio da medicina e descobrir a cura para o câncer. Ou você pode simplesmente meter os pés pelas mãos e teremos que conviver com este ou qualquer outro flagelo da humanidade por outros tantos anos. Tudo é uma questão de possibilidades, e estas são infinitas, mas na pior das hipóteses o futuro depende desse momento e você tem uma grande chance de acabar com ele.
Ao contrário do que normalmente acontece em algumas culturas, aqui nesta nação tupiniquim a partir da qual vos falo, o primeiro encontro é um momento completamente independente do que popularmente se convencionou chamar de a primeira “ficada”. Ficar com alguém, ou melhor dizendo, beijar e acariciar (mais ou menos livremente dependendo da pessoa e da situação) alguém sem compromisso algum, por mera obra das circunstâncias, é algo relativamente fácil. Você conhece a história: festa na quinta feira à noite, você vai de carona e por isso acha mais educado tomar um banho antes, coloca uma roupa que melhor esconda seus defeitos antes que todos estejam muito cegos ou muito bêbados para se importar, ouve a buzina na porta e vai para mais uma noite de álcool e rejeição por parte de alguém que, em condições normais, jamais mereceria sequer um olhar seu (e que no decorrer da noite ficou substancialmente mais bonita).De repente, sem ter se dado conta, você se encontra ao lado de uma total desconhecida que parece estar, segundo opinião dos expertos mais conceituados, conectada à sua boca de maneira indisfarçável, enquanto você, que também é filho de Deus, explora o quanto pode da anatomia da estranha em questão com a sua mão livre (existe um mão que invariavelmente fica presa nessas ocasiões). Ora, a primeira ficada tem grande probabilidade de ser, diante das circunstâncias, aquilo que chamo de, para fins de trazer a idéia à tona com toda a clareza que sua realidade merece, uma cagada monumental.
Muito bem, dispostas as peças desse modo, logo fica evidente que existe uma grande chance de que, dado que você tenha conseguido chegar incólume em sua casa apesar da bebedeira, tenha pegado o telefone da mulher com quem ficou e se recorde vagamente de quem ela era, acabe sofrendo uma grande decepção (à qual alguns intitulam também ressaca moral). Logo, a antecipação se acumula, como no princípio do terceiro movimento do primeiro Concerto para piano de Tchaikovsky (em mi bemol, se não me falha a memória), sem que no entanto se saiba se o finale será tão espetacular como no concerto. Pode ser que ao invés de aplausos, ao fim do encontro, venham as vaias.
Duas formas básicas de decepção podem ocorrer. Você pode ficar despontado com ela ou ela ficar despontada com você. Ou ambos podem ficar desapontado, não há terceiro excluído. Diante de tudo isso que pode dar errado, diante do horror de se ver num encontro com uma mulher esteticamente prejudicada, você pega o telefone e marca a data e o local. A atitude de desafiar o destino quando todas as probabilidades estão contra você lhe dá a estatura de um herói grego de tragédia. O ar grave que está por trás da conversa aparentemente leve e despreocupada denota a tensão que permanece pairando sobre as cabeças envolvidas durante toda a duração do encontro. Esse é um dado com o qual se deve contar no cálculo do risco envolvido na difícil atividade de procurar relacionamentos de que tipo forem, a tensão está sempre lá.
Chegado o momento de chegar ao encontro em si, cercado, provavelmente por todas as circunstâncias já descritas, fica difícil saber como cumprimentar. Selinho? Beijinho no rosto? Aperto de mão? Seria bobagem imaginar que os detalhes são irrelevantes. Numa situação com tanta pressão acumulada, qualquer rachadura, qualquer vazamento, qualquer falha de engenharia no encontro pode ser fatal. E quem sabe se detalhes para os quais você jamais atentaria não podem ocasionar as mais variadas más impressões: se seus sapatos combinam com as meias, se você passou em cima das tulipas do jardim ao estacionar o carro, se você tem um chaveirinho de coelhinho, brinde de aniversário da revista Playboy, pendendo para fora do bolso e outras coisas do gênero. As mulheres são expertas em reparar nas bobagens mais inacreditavelmente desprovidas de importância (para você).
Esse pequeno demonstrativo não é nada comparado com o que vem depois. Analise suas conversas mais recentes com os amigos, com as mulheres, com as pessoas à sua volta. Você realmente confia na própria boca? Quer dizer, quantas gafes você já deu, quantos palavrões inomináveis, quantas piadas machistas, comentários ofensivos, infrações contra o politicamente correto, enfim, quanta porcaria já brotou, num glorioso ato involuntário de diarréia verbal, da sua boca? Por que é que isso não vai acontecer justamente no momento em que você precisa estar mais apresentável e mostrar seu melhor lado, a saber, no primeiro encontro?
O que me proponho a fazer aqui não é desestimular ninguém, senão advertir que, como em tudo na vida, muita coisa pode dar errado no primeiro encontro. Isso é muito útil para quem se encontra em vias de empreender tamanho feito, uma vez que acaba em grande parte com a expectativa de que algo possa efetivamente dar certo, de modo que se pode desfrutar o encontro sem risco de ser pego desprevenido pelo fracasso. Se isso não é um serviço de utilidade pública eu não sei o que é. Então aproveite ao máximo seu encontro, afinal as chances são de que existam muitos outros primeiros ainda por vir em sua carreira de Casanova às avessas.
terça-feira, janeiro 11, 2005
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