Sábio é aquele que consegue olhar sempre antes para o fim de todas as coisas. Não importa o momento. O momento é insignificante diante do final triste da maioria das coisas belas que vivemos. As únicas coisas belas que perduram são as obras de arte, mas uma grande parte das melhores fala justamente da dor humana.
A dor possui um caráter mais perene. Ela se revela diante do sofrimento alheio e do próprio, e se o mundo está repleto de sofrimento, a alegria é ilusão. Estou me sentindo terrivelmente schopenhaueriano hoje, e é bem certo que este é o preço que pago por tentar conhecer melhor o mundo, bem como pelo erro de achar que, tendo-o conhecido, existe para mim alguma chance de ser feliz nele.
Nascemos da dor de nossas mães, a morte da própria carne provoca dor, o meio do percurso, a vida, é um exercício no qual alguns tentam esquecer a dor do nascimento, mas só porque não percebem que ao final lhes aguarda a dor da morte.
Minha maior dor, dado que nunca fui materialmente privado de nada que realmente necessitasse, é a solidão. É também meu maior medo. É esse medo que representa para mim a porta da entrada do mal. O medo da solidão subjuga a vontade e nos leva a nos rebaixarmos diante de qualquer desmando para conseguir uma migalha de atenção. Se a conseguimos, temos a ilusão de que passou o perigo. Ledo engano. É o engano de não olhar para o fim de todas as coisas. No fim, não somos interessantes, nem necessários, nem muito menos queridos. A única coisa que podemos fazer é implorar, não mais pela companhia que alivie a solidão, mas pelo esquecimento que nos oblitera e nossa solidão conosco.
Essa filosofia da morte expressa em linhas toscas é uma expressão direta de um desejo de morte. Nada mais acertado. Que vale seguir se a estrada acaba de forma igual para todos os homens, para todas as tragédias. A morte é a morte. É sempre igual a si mesma em seus efeitos últimos para a ordem do universo. A morte aviltada do bandido, a morte gloriosa do herói, a morte piedosa do mártir, a morte ignominiosa do tirano deposto, são importantes somente para os vivos, os iludidos pela idéia de que o fim que alguém procura ou que lhe é imposto serve para o mal ou para o bem. No fim, convivemos não com a glória ou desgraça da morte, mas com a dor experimentada em vida, e isso é que levamos até o momento do alívio final.
Minha dor de solidão, minha morte em vida, arranja sempre um jeito de me pegar. É que cometo o crime de ser honesto comigo mesmo no fim das contas. Quem sabe se pudesse me enganar por mais tempo eu fosse mais feliz, mas não é essa minha vocação, nem o auto-engano, nem a felicidade. Estou mais uma vez sentado só, ruminando uma maneira de aniquilar a esperança que já tanto me iludiu, procurando uma maneira de ter a coragem de abraçar de vez a solidão e, quem sabe sofrer um pouco menos.
sábado, outubro 29, 2005
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