terça-feira, novembro 27, 2007

Lições de Minha Avó

Hoje estive pensando em minha avó. Com toda sua simplicidade, ela descrevia, ao longo de nossas conversas longas e agradáveis, o que esperava encontrar quando chegasse ao céu. Minha infância foi povoada dessas imagens relatadas por minha avó. Eu ficava escutando, entre curioso e divertido, enquanto ela imaginava, ou talvez antevia, as pessoas que encontraria e a alegria imensa que sentiria ao lado de Deus.

Eu ficava intrigado e tentava entender como vovó conseguia passar cada dia, o dia todo, entretida com esta visão extraordinária. Em sua simplicidade o exemplo de minha avó foi marcante porque ela soube perseverar por anos a fio, lendo a Bíblia com atenção e refletindo sobre o que lia, imaginando e sonhando com as peregrinações do povo de Israel, muitas vezes associadas com as peregrinações dela própria pelo Brasil, de norte a sul buscando um lugar para descansar.

Quanto tempo levei para entender a alegria e o gozo que ela sentia nesses momentos. Quanto tempo levei para enxergar um pouco do que ela mesma me falava, antes de antever a felicidade que aguarda no céu aqueles que foram separados por Deus e salvos por meio do sacrifício de Cristo!

A sabedoria verdadeira residia ali e eu não era capaz de reconhecê-la. Em ler a palavra de Deus, anunciá-la e esperar pela partida desse mundo. Aguardar uma existência muito mais perfeita ao lado do pai. A partir do momento em que comecei a enxergar estas coisas entendi a razão para a insistência de minha avó em falar a todos quantos queria bem sobre o céu que esperava. Uma vez que percebemos que esta vida não é nada perto do que Deus guarda para nós, queremos rever no céu todos aqueles que amamos nesta terra.

Eis onde está nossa esperança. Está onde não pode ser maculada pelo pecado, consumida pelo fogo da guerra ou devastada pelo gelo da indiferença humana. Tal intuição, longe de irracional ou emotiva, me veio após muito pensar. Não fui o primeiro nem serei o último a ficar perplexo diante desta maravilha da palavra de Deus, que se revela aos simples e também, embora ás vezes com mais dificuldade, aos orgulhosos estudiosos – ensinando a estes a humildade diante da contemplação da sabedoria divina. Foi dessa maneira que o apóstolo Paulo se viu diante da mensagem do Evangelho, sem se envergonhar, mas afirmando, do alto de todo o entendimento que reconhecidamente tinha: “porque conheço (oi=da) em quem tenho crido e estou persuadido (pe,peismai) que ele é poderoso para guardar meu depósito até aquele dia” (2Tim. 1:12).

O texto revela duas coisas importantes: a persuasão da verdade do Evangelho, e a esperança da recompensa ”naquele dia”. Creio que é um pouco vazio ficar discorrendo somente sobre a primeira parte (como venho fazendo um pouco por gosto um pouco por afinidade com o assunto). Já afirmei de diversas formas que fui persuadido do simples mistério da piedade sobre o qual escreve o apóstolo Paulo: “Deus se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória.” (1Tim. 3:16). O que não havia falado ainda era sobre o êxtase provocado pela esperança no futuro. Dessa maneira procuro corrigir-me e afirmar sem vergonha alguma que espero pela vida eterna após a morte, quando serei, com tantos outros, recebido na glória de Deus.

A felicidade só existe realmente depois que conhecemos o amor de Deus. Esse é o único testemunho que posso dar. O que quer que possamos experimentar de bom neste mundo é uma mera sombra do pouco que hoje antevejo, do que minha avó me descrevia, da vida que povoa meus sonhos, da esperança que me sustenta a cada manhã e ao longo do dia até que este finde, da glória eterna, da companhia do Altíssimo e dos seus santos.



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sábado, novembro 24, 2007

Reinaldo Azevedo está em ótima forma neste artigo: http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2007/11/mdia-do-contragolpe.html

A mídia do Contragolpe. Até o título é bastante oportuno. Sofremos um golpe por parte da esquerda. Um golpe que substituiu inclusive nossas melhores esperanças de ter algo parecido ocom uma cultura no Brasil por um amontoado de ideologias em torno das quais "artistas" e "intelectuais" auto intitulados procuravam construir alguma coisa que fizesse vir logo o paraíso hipotético prometido pelo esquerdismo revolucionário, e que nunca veio. Agora, é chegado o momento de estabelecer uma contracultura conservadora (também uma contracultura cristã - sem nenhuma referência ao site defunto de Rob Schalpfer - é necessária, mas isso é outra história) a fim de estancar a decrepitude na qual fomos lançados de corpo e alma.

Quando eu ouço - como de fato ocorreu um pouco antes de sair do Brasil - um senhor que apoiava a Ditadura e furava greve com a cabeça erguida defender o Lula, começo a pensar que alguma coisa fizeram nesses trinta anos passados que não é normal por qualquer padrão que se tenha. Espero que possamos acabar com esse estado de coisas como se fez nos Estados Unidos: demonstrando uma gritante superioridade intelectual e de caráter. Nada menos que isso pode trazer ao Brasil um sopro fresco de velhas novidades que um dia trocamos pelos sonhos destes iluminados que agora nos afligem.

Aproveitem o link, vale muito a pena.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Bach, O Quinto Evangelista

Existe um site da sociedade Bach do Brasil. Eu nem fazia idéia da existência mesma de uma sociedade Bach do Brasil em primeiro lugar, de modo que achei a descoberta toda maravilhosa. No site da sociedade consta um artigo que achei fantástico, de autoria de Celso Brandt. Não vou me adiantar e falar o que o próprio autor já deixa registrado no artigo, contento-me em recomendar e deixar o link aqui para quem quiser ler.

http://www.bach-brasil.com/index.php?page=quintus

A apreciação da estreita ligação entre a arte superior de Bach e a Reforma Protestante é o que me cativou aqui. Confiram.

terça-feira, novembro 13, 2007

A Cuba de Barrueco


Muitas vezes escrevo sobre filosofia ou política, algumas vezes sobre arte, principalmente sobre música. Sempre achei um exemplo acabado de cretinice, principalmente por parte dos artistas, misturar as duas coisas. Vou tentar escapar de minha censura auto imposta e me aventurar a fazer essa mistura, pois é necessário ressaltar os exemplos formidáveis de artistas que, sem sequer fazer propaganda política, e dizendo mais com sua postura do que com manifestos e coisas do gênero, são capazes de se insurgir contra o mal imposto a milhares de homens e mulheres por governos opressores.

Um dos artistas que mais amo e admiro é o violonista cubano Manuel Barrueco. Não falo apenas do artista celebrado nas salas de concerto do mundo todo, nem do professor dedicado do Peabody Insitute, parte da John Hopkins University, em Baltimore, Maryland. Falo de um artista com alma, que transparece não só nas interpretações musicais, mas na aguda consciência que parece muitas vezes esquecida, em relação ao sofrimento humano.

No documentário Manuel Barrueco, a Gift and a Life, ele reconta, entre outras coisas, a situação que o levou a aportar em Miami no ano de 1967. Barrueco se recorda que ainda novo, em Santiago de Cuba, via os revolucionários chegando pela rua, suas fardar verdes, as barbas, após a derrubada do governo cubano pelos guerrilheiros de Fidel, como se fossem anjos. Logo após ele conta como ficou desapontado, ao ver as liberdades de seu povo caindo uma por uma, e como ficava preocupado com sua mãe, que não se contentava em pensar ou falar somente coisas aprovadas pelo governo.

O artista (e aqui eu falo de artista em um sentido estrito, não dos tratantes que se auto intitulam artistas) passou pelo processo de esperar por cinco anos antes de ter sua saída de Cuba aprovada, junto com a família, e narra como se deu sua chegada aos Estados Unidos. Quando finalmente saiu, foi uma das experiências mais dolorosas de sua vida até hoje. É uma história comovente, na qual fica a profunda impressão de uma dor e uma tristeza pela necessidade de deixar a terra natal. Ele demonstra uma grande simpatia pelos refugiados cubanos que, desesperados, se lançam na água em botes precários para alcançar a liberdade. E leva este sentimento muito a sério.

Seus amigos ouviram dele em primeira mão o drama de não ter liberdade, não poder sequer deixar seu país, por pior que isso possa ser, para buscá-la. O problema político é tão grande para Barrueco que ele não vai visitar a irmã que não vê há anos por não se permitir ir a Cuba enquanto Fidel e seu regime se mantiverem na ilha. Um dos mais dolorosos desapontamentos que sofreu foi ver seu grande ídolo, o compositor Leo Brouwer, manifestar apoio ao governo cubano no episódio da execução das pessoas que tentaram seqüestrar um barco e fugir da ilha em abril de 2003. O grande amor por Cuba deste refugiado, que prosperou nos EUA por seu talento e trabalho, é realmente tocante.

Tamanha integridade, quando seria mais fácil voltar e ser muito bem recebido em Cuba, seu testemunho do sofrimento causado pelos revolucionários que põe a causa acima das vidas alheias (poucas vezes das próprias, a menos que sejam inocentes úteis colaborando com o que nem bem conhecem) é algo a ser aspirado e imitado. Fico imaginando se ele talvez não volte por saber que a Cuba que encontrará não será a sua Cuba, aquela da qual tem saudade, e sim uma ilha desfigurada por tantos anos de construção do "paraíso socialista".

Quanto à arte de Barrueco, creio que haja pouco que eu possa acrescentar além do que os jornalistas, críticos, público e as próprias gravações já deixam claro. É um grande astro do violão erudito hoje, certamente o mais brilhante de sua geração (confesso isto apesar de todo o respeito e atenção que dedico a Sharon Isbin, David Tanenbaum, Eliot Fisk...), certamente um intérprete que não será esquecido nos anos por vir. Longe de ser um conservador na música como o era Segovia (bem, Segovia sempre me pareceu um conservador em praticamente tudo, um tipo bastante old fashioned, o que para mim nunca foi demérito) Barrueco procura fazer pontes entre a música erudita e as demais formas de expressão musical, tendo feito álbuns dos mais interessantes como Nylon and Steel (com Al Di Meola), Sometime Ago e Manuel Barrueco Plays Beatles.

Muito embora prefira o Villa-Lobos dos irmãos Assad ao de Manuel Barrueco, tenho cá comigo que ele foi excepcionalmente feliz em todas as interpretações que escutei. Seu Bach soa como música feita diretamente para o céu, como, na minha opinião, Bach deve sempre soar. O álbum de Bach e deVisée é um dos álbuns que mais me marcaram (com a Partita no 2, BWV 1004 in D minor de Bach, a obra que me introduziu ao violão erudito) e sempre lhe serei grato por me ter proporcionado tão bons momentos na companhia de sua música. Um aparte pessoal: lembro de ter gravado na TV e assistido com meu amigo Eduardo uma apresentação de Barrueco em que ele tocava o Concierto de Aranjuez e algumas coisas do Chick Corea. Assistimos a fita tantas vezes ao longo dos próximos meses que ela quase não resistiu. Passavamos horas contemplando o vídeo, os olhos fixos nas mãos do violonista. Esse tipo de fascinação não é inédito em se tratando de um músico verdadeiramente extraordinário.

Longe de ter uma técnica calcada somente na velocidade, como acusa Luís Nassif (um homem que, a meu ver, entende tanto de música quanto Bob Esponja entende de Leibniz), Barrueco apresenta uma sensibilidade tão grande a ponto de fazer com que nos esqueçamos dele e sintamos, deliciados, música pura passando por dentro de nós. Sua sensibilidade é integral, artística e humana. Sua história é inspiradora. Por estas razões rendo minha homenagem ao grande artista Manuel Barrueco.