“Contudo, quando o filho do homem vier, encontrará fé na Terra?” Luc. 18:8
Embora os cristãos tenham como moeda fácil no seu linguajar a expressão “confiança”, fico me perguntando quantos realmente a sentem. Nossa epígrafe para estas linhas foi escolhida com esta pergunta em mente. As palavras de Jesus diante dos Fariseus que preocupavam-se em descobrir o dia da vinda do Reino de Deus. A passagem dos capítulos 17 e 18 do evangelho de Lucas mostram como, para Jesus, a confiança humana é mal colocada. Ele mostra por uma série de parábolas confiadas aos discípulos o quão vã é tal especulação. Jesus apequena todas as iniciativas humanas de regeneração da raça na passagem, diante da vinda do Reino; Jesus cita os atos de comer, beber, casar, dar-se em casamento, comprar, vender, plantar e construir. O Julgamento será tão terrível que, interrogado sobre o local em que acontecerá o evento, Jesus anuncia que será onde estiverem os cadáveres, naquele local se ajuntarão os abutres.
A confiança humana é destroçada por Jesus diante da perspectiva da morte e do julgamento divino. O verso 17:37 não deixa dúvidas de que haverá carnificina e horror. Ao tratar do período de domínio do Imperador Romano (me refiro ao Sacro Império Romano-Germânico), Eugen Rosenstock-Huessy, no livro Out of Revolution, pinta um quadro belíssimo da idéia do Julgamento como um fator decisivo na formação do caráter do cristianismo por volta do ano 1000. A imagem coaduna perfeitamente com a parábola de Jesus nos versos 9 a 14 do capítulo 18, sobre o fariseu e o publicano. O lamento do publicano, “Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador”, é um retrato da situação da cristandade européia na época tratada por Rosenstock-Huessy. A descrição sombria do Dia do Senhor é um convite imediato ao arrependimento e conversão. Não se trata aqui de uma ameaça do inferno, tão jocosamente tida pelos liberais como a grande força por trás da religião. Trata-se da consciência profunda da miséria de todos os homens diante do Juiz supremo, e mais interessante, a consciência da necessidade de que todos os homens passem igualmente pelo escrutínio de sua alma, sem que nada fique oculto. Rosenstock-Huessy sugere que esta visão é fruto da primeira revolução de caráter democrático na Europa cristã. A fundamental igualdade de todos diante do Juiz. Essa camada profunda do cristianismo é tão sólida a ponto de, segundo ele, resiste o poderoso ataque de Lutero à Igreja Romana, seus príncipes e suas hierarquias.
Fico impressionado com a força da idéia do homem diante do trono de Deus. A desproporção entre um e outro infinita, podemos apenas aproximá-la imaginativamente. O ato humano de maior humildade é ao mesmo tempo o de maior coragem: pedir a Deus por sua fé, por sua alma, arrepender-se diante Dele e esperar Dele o perdão. Esta é a essência da inovação espiritual iniciada com Abraão, colocar o homem diante de Deus. Creio que disso deriva a força do "dia de todas as almas", bem como da revolução de Lutero. Penso que a maioria das pessoas, se refletir longamente a respeito deste assunto, terá seu ego destroçado pelo á horror do julgamento vindouro. Permanecemos comendo, bebendo, comprando, vendendo, casando-nos e dando-nos em casamento, porque ignoramos as realidades mais relevantes para nós, a saber, quem somos e o que podemos esperar do futuro.
Aí está a beleza da descrição de Rosenstock-Huessy do dia de “Todas as Almas”. A beleza encontrada em meio ao horror. O julgamento terrível é condensado de forma ainda mais impressionante no poema Dies irae, e a inspiração do poema é aperfeiçoada no final, quando o autor contrapõe ao julgamento implacável o pedido:
iuste iudex ultionis,
Donum fac remissionis
Ante diem rationis.
Justo juiz de vingança,
Dá-nos o presente do perdão
Antes do dia de prestação de contas
Isso é o melhor que podemos fazer diante do juiz. Porém aquele que o fizer, será justificado diante de Deus. Me pergunto quantas pessoas são capazes de encarar sinceramente dentro de si o horror do Dies irae a fim de encontrar então o perdão e a salvação pela fé em Cristo Jesus. A via é assustadora demais. Quem haveria no mundo com tamanha fé a ponto de se apresentar diante de Deus no dia do juízo confiantes na justificação conferida por Deus por meio de Cristo? Ou seja: “quando o filho do homem vier, encontrará fé na Terra?” Aí está um sentido que até pouco jamais suspeitei ter a expressão “temer a Deus”.
Este é o verdadeiro teste da confiança humana. Aí podemos ver o quanto nossa confiança é pouca, o quanto é mal colocada. Nossa fé na regularidade de certas instituições e eventos da vida é nada menos que ridícula. Curiosamente, a única maneira de resistir ao Juízo é confiar na Graça do próprio Juiz. Ele é o único que pode subsistir sua própria ira contra o homem que ousou ofender a Sua glória. Aí vemos o amor de Deus, que nos preserva da ira mais poderosa a fim de insistir na nossa existência a despeito de sua própria justiça.
sábado, dezembro 13, 2008
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