O tempo presente, grávido de uma clareza científica de credibilidade questionável, regido por leis de eficiência e progresso (e ao que parece muito longe de se ver livre das aspirações positivistas do longo século dezenove), flerta também com o místico e o esotérico de forma bastante aberta. Todavia, filtra-se essa experiência sobrenatural por meio de um utilitarismo na busca pelas artes a que se recorre para saber o futuro, autoconhecer-se, encontrar paz interior, canalizar o guia espiritual, o que seja. Tudo se dá em prol de um hedonismo contemporâneo, de um difuso e praticamente indefinível “viver bem” que é resultado de nossa aparente falta de valores e limites e tão mutável quanto a moda.
Todo aparato-esotérico, misterioso, tornou-se objeto de apreciação mercadológica, o que coloca tais práticas bem longe do que se propuseram a ser quando surgiram. Isso para não comentar do que se criou recentemente: emaranhados confusos de aforismos difusos de filosofias diversas e religiões distintas (quando não conflitantes). E há também muito dinheiro nisso tudo. As pessoas que trataram de investigar antigos mistérios e esoterismos a sério parecem ser uma minoria silenciosa diante das máquinas de fazer dinheiro que se constroem calcadas pura e simplesmente num palavrório vazio e na estreiteza de visão do seu público consumidor.
“Eu acredito num poder maior, uma coisa assim indefinível, muito grande, que está em tudo, misteriosa...” São mais e mais pessoas falando algo do gênero e se tratando através de luzes coloridas, fazendo dietas estranhas, falando palavras inventadas que seriam alguma pérola de sabedoria perdida e por aí vai. Aparentemente a falta de valores não extinguiu a necessidade de um anestésico mental que substituísse a absolvição da igreja, sem as necessárias etapas da culpa e do arrependimento. Afinal as novas teorias místicas, filosóficas (num sentido bem chulo do termo) ou religiosas são perfeitamente adaptáveis a qualquer tipo de orientação pessoal de conduta, basta que a pessoa escolha o que melhor lhe serve.
Não me parece que seja algo incompreensível que algumas pessoas entrem em cultos ou seitas para perder seus próprios nomes, na verdade a psicologia explica, mas numa análise mais geral, basta olhar para a maneira como as pessoas são crédulas em relação a um sem número de coisas, desde duendes até os atuais paradigmas científicos. Quais são os critérios de aceitabilidade de idéias por parte da grande maioria das pessoas além da influência da propaganda e dos preconceitos herdados e adquiridos? Mas o problema é justamente saber como fazer para não se deixar influir, mesmo que seja um pouco, por essas manifestações cabais de cretinice em seus mais variados graus. Esse problema tem solução simples de ser nomeada e difícil de ser implementada: seria necessário fazer com que pensassem, coisa que a maioria se recusa a fazer.
O racionalismo nos legou um mundo desligado de Deus, mas não acabou com a necessidade humana de Deus. No vácuo deixado pela religião (e falo aqui da religião ocidental, judaico-cristã, por tratar de um fenômeno ocidental) em fuga dos ataques da ideologia laicizante que parece reinar entre a maior parte da “intelectualidade” inspirada por Marx, Nietszche, Schopenhauer ou sabe-se lá quem, foram se elaborando tantas bobagens mais ou menos salutares, mais ou menos perigosas, que é tarefa, se não impossível, dificílima enumera-las.
Tudo isso me faz pensar se não deveria ter um daqueles selos no carro dizendo “Eu atropelo Duendes!” Seria pouco sensato falar de modo tão genérico se eu não tivesse uma posição formada a respeito do assunto, o fato é que tenho: uma postura religiosa fundada em um critério de tradição, o que é melhor do que podem os meus alvos neste texto dizer, apoiado por algumas incipientes pitadas da pouca filosofia que pude amealhar em tão pouco tempo de leitura (e de vida), mas que seguramente relegam à religião um lugar digno de sua importância na integralidade do que é a vida humana.
Assim sendo, fico obviamente indignado ao ver o que se tem seguido nos dias de hoje (observando do alto dessa tradição religioso-filosófica ocidental que me é tão cara por sua característica tão mais humana e ao mesmo tempo mais divina) sem no entanto poder fazer muito a respeito. Se não consigo convencer alguém a ler um livro decente, a aprender a articular melhor o raciocínio, a conversar sobre alguma coisa problemática não prática, certamente não vou convencer a pessoa a entrar de cabeça num debate religioso minimamente sério a ponto de fazer clara a óbvia justeza de meu ponto de vista. Volto a colocar como motivo o problema endêmico da preguiça mental.
Não sou nenhum idiota para deixar de notar o ranço de arrogância na forma como me expresso aqui, mas há de se convir que, de tempos em tempos, nos sentimos aborrecidos com o estado das coisas em um ou outro campo da vida humana e, por tanto, suficientemente autorizados, não a prescrever comportamentos, mas a criticar certas posturas que me parecem sintomas de nossa decadência enquanto sociedade. Como já disse uma vez um filósofo, não me lembro o nome, numa conversa informal faz alguns anos, “É preciso catequizar esse povo...” Ele não deixa de ter razão, pensando na idéia geral que repousa por trás da frase.
quinta-feira, dezembro 16, 2004
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