Amar é um exercício de paciência. Nada tem a ver com a busca incessante do prazer e da satisfação do desejo. A satisfação do desejo nada tem de perene, pois este muda mais rápido que as estações. O desejo é egoísta e individualista. O amor se dá, antes de mais nada, em relação ao outro.
Enquanto na paixão, e para isso basta verificar o significado da própria palavra, sofremos a ação do desejo pelo outro, o ato de amar é uma atuação positiva da vontade direcionada para o outro. O objeto de desejo é mero objeto. É um meio pelo qual nosso desejo atua à nossa revelia e nos lança por impulso a fim de satisfazer-se, sendo a satisfação o fim último do desejo, e a natureza do desejo não se satisfazer. O ser amado é fim do amor. O amor tende para o ser amado e nele repousa, tendo chegado ao seu lugar natural, no qual permanecerá enquanto resistir as perturbações irreverentes da paixão.
Amar é querer o ser amado como é. Sem tentar adapta-lo aos desígnios dos próprios caprichos. O ser amado não é o espelho das nossas preferências, antes é o próprio padrão pelo qual medimos o que de mais nobres devemos aspirar. A pessoa a quem queremos pertencer. É por isso que muitas pessoas, ao ver mudar o que tanto amavam em relação ao parceiro, ficam desapontados; afinal, quando, desavisados, mudamos algo essencial em nosso ser, podemos estar pisando numa das inúmeras coisas que serviam para sustentar aquele amor feito tanto das qualidades quanto dos defeitos que todos carregamos.
O amor reside nas pequenas coisas. A contemplação do ser amado nos dá a perspectiva extraordinária do infinitamente pequeno. As milhares de idiossincrasias que não conseguimos perceber em nós mesmos são as características mais marcantes que nos dão a certeza de estar na presença do ser amado. As coisas mais irritantes podem às vezes ser aquelas das quais mais sentiríamos, como muitas vezes sentimos, falta. São as coisas que amamos odiar.
O amor reside no perdão. Porque o perdão é a antítese do orgulho que nos isola do ser amado, nos torna uma ilha que, conquanto não sinta dor, não ama. O perdão nos permite enxergar além da dor, ao invés de esquece-la e viver para sempre com uma ponta de mágoa. O orgulho pode ser pisado, mas nem sempre precisamos nos apoiar nele se tivermos esperança o bastante para nos reerguer a partir dos cacos do orgulho e pela dor superada tornarmo-nos dignos.
Amar é ter esperança. Esperança é a certeza do advento do incerto, é a contradição que nos ergue quando tudo mais nos abandona, até mesmo o nosso amor. A esperança não morre porque para que morra, é necessário que morramos; se tivermos esperança vivemos, se não tivermos, vá estávamos mortos. Esperamos o melhor, esperamos que nosso amor seja correspondido da mesma forma perene e profunda que o entregamos.
Entregamos o amor perene e profundamente porque amar é como descobrir em nós um rio subterrâneo que jazia insuspeito metros abaixo das camadas de cinismo, desilusão e desejo que maculam a capacidade de cada alma de realizar sua própria essência.
Amar é uma prática temerária, pois envolve a entrega total a um reino onde a incerteza impera. O medo que nos preserva deve ser abandonado, a dúvida deve ser calada, o orgulho sufocado e as lágrimas, ora, estas devem ser nossas companheiras mais presentes e abundantes, porque amar é também chorar. Seja de alegria, seja de tristeza.
Amar é ser infeliz. Ser infeliz é a única coisa que podemos esperar, e não há melhor maneira de sê-lo do que amar. A dor é companheira constante do amante e sem ela, só resta a ilusão. Algumas pessoas, no entanto, afortunadas almas cujo tempo de esperar com dor no torvelinho de suas contradições interiores tenha passado enfim, são capazes de encontrar algo além da sina que nos cabe a todos. Descobrem o que ninguém pode ensinar e conseguem amar em paz.
O amor em paz é silêncio. Maravilhoso, aveludado silêncio.
segunda-feira, maio 02, 2005
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