sexta-feira, agosto 19, 2005

Salmo 32, 1-6

Enquanto estava refletindo a respeito das coisas que me incomodavam em mim mesmo, percebia sempre que ficava um bocado angustiado por não ver exatamente como sair das "enrascadas" nas quais minha própria personalidade me metia. Acho que ainda sou meu pior inimigo, de uma forma ou de outra.

Passando os olhos pela Bíblia um pouco a esmo e pensando nesses problemas fui então convidado a pousar os olhos no texto que transcrevo, o qual possui por referência o título do post, na versão NVI:

"'Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados apagados!
Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há hipocrisia!

Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer.

Pois dia e noite a tua mão pesava sobre mim; minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca. [Pausa]

Então reconheci diante de ti o meu pecado e não encobri as minhas culpas. Eu disse:Confessarei as minhas transgressões ao Senhor,e tu perdoaste a culpa do meu pecado. [Pausa]

Portanto, que todos os que são fiéis orem a ti enquanto podes ser encontrado; quando as muitas águas se levantarem, elas não os atingirão."

Fui refletindo sobre estas palavras sem muita pressa nem muito método, mas o que me ocorreu de interessante citar a respeito do texto é que ele traduz a necessidade que um homem tem de ser fiel a Deus em primeiro lugar e depois a si mesmo conforme seu coração.

É grande a quantidade de pessoas que praticam as mais diversas formas de auto engano, tentando encontrar no esquecimento ou em alguma teoria qualquer a saída para evitar lidar com as próprias falhas. Partindo do pressuposto de que não conhecemos ninguém tão bem quanto nós mesmos acredito ser absolutamente horrível o processo de olhar para dentro de si e encontrar alguém completamente diferente da auto-imagem que nos esforçamos por projetar.

O verso três diz: "Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo definhava de tanto gemer." Esse padecimento de que fala o salmista é obviamente fruto da incapacidade de reconhecer o pecado como tal ou de admitir-se como autor ou, ciente de ambas as situações, de confessá-lo. Estes três processos são essenciais para que se possa lidar com a culpa. Curioso notar que foram escritos a bem mais de dois mil anos antes de qualquer psicologismo. A relação do homem para expiar a culpa aqui só é possível depois de ter sido esta admitida e por fim submetida à apreciação de Deus, que é o único capaz de perdoar.

Deus é o único que pode perdoar porque ele é que sabe exatamente o que se passa no coração humano. Não há, por tanto, uma necessidade externa de se confessar o pecado a Deus, que o conhece e que é descrito alhures como misericordioso. O valor da confissão é duplo: a admissão da culpa que possibilita sua expiação e o relacionamento com Aquele que é maior, de maior autoridade, pois em muitos casos o indivíduo que consegue chegar a ser de fato sincero consigo mesmo não é capaz de perdoar a si próprio.

O salmista, ao estruturar o salmo, já oferece a motivação moral para que a pessoa passe pelo processo de expiação da culpa: a oposição do homem feliz, aquele cujas transgressões foram perdoadas, e o homem infeliz, cuja mão divina faz gemer por conta da culpa que tenta ocultar em seu coração. O sofrimento aqui é físico, não é a angústia metafísica ou existencial. A alma chora e o corpo padece diretamente. Deve-se acabar com o sofrimento admitindo e confessando o pecado. O homem hipócrita é infeliz, pois tem consciência da mentira embora fique claro que não a tolera.

Esta temática é central nos evangelhos mas evidentemente foi herdada de fontes mais antigas. O perdão é a via de acesso para a graça que traz felicidade. Na verdade, o perdão constitui em si a graça, por ser imerecido pelo transgressor.

Trata-se de uma jornada de auto conhecimento tão profunda e radical que não só nos insta a reconhecer os traços de nosso caráter e o teor de nossas ações como também a ter a coragem de admitir como maus segundo algum padrão, o bíblico nesse caso particular.

A resposta para a questão levantada de qual seria o padrão a ser seguido está no verso que não citei aqui, o oito: "Eu o instruirei e o ensinarei no caminho que você deve seguir; eu o aconselharei e cuidarei de você."

O reconhecimento da transgressão passa pelo conhecimento do Bem. O bom proceder é antes conhecimento e depois prática. Não é apriorístico, é dado, e, todavia, intuitivo. É intuitivo na medida em que as verdades conhecidas precisam ser apropriadas pelo sujeito cognoscente e tornadas suas próprias para que possam ser intuídas de forma direta, sem que o mínimo proceder, o dia a dia, a vida prática, não exija considerações morais e operações mentais de julgamento moral mais complexas que inviabilizariam a vida. Daí o texto também dos Salmos cuja referência me escapa: "Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti." Conhecer, assumir e agir. É assim que a proposição de dever se torna prática necessária.

Segundo este esquema, podemos esperar o perdão e livrar-nos da culpa, para entrar no reino da felicidade e da bem aventurança. Pergunto, no entanto, se me basta formular esta reflexão para que possa viver de forma completa por ela. Seria eu de fato forte o suficiente para me livrar de qualquer traço de hipocrisia? Poderia encara meu rosto no espelho da verdade, que não hesita em revelar a feiúra que escondo do mundo? A decisão de dar esse passo é que pode indicar seu verdadeiro valor.

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