Faz duas ou três semanas as coisas em casa iam bem. Estávamos de mudança para o apartamento novo, o qual finalmente proveria o espaço do qual precisávamos para viver sem que ficássemos nos acotovelando, estávamos com uma viagem marcada para passar dois dias em Boston e outros dois em New York, as coisas iam bem no trabalho e eu estava folgadamente desfrutando do meu tempo livre para dormir e relaxar da rotina. Tudo isto não durou muito. Três dias no apartamento novo e fui demitido do emprego, acusado de má conduta. De repente precisei avaliar tudo o que estava acontecendo ao meu redor. Minha vida não poderia mais cercar-se do conforto ao qual estava tão gostosamente me acostumando, e senti a mistura um bocado banal e comum (banal e comum até acontecer com a gente) de humilhação e confusão. Por que fui demitido? Por que dessa maneira infamante?
Em meio a essa confusão, corri até o telefone, ligar para casa a fim de conseguir algum apoio moral, apesar da distância, e tentar impor ordem aos pensamentos. Um pouco mais calmo, tendo recebido o carinho da família, comecei a pensar a respeito do acontecido e a me perguntar qual a razão para ter minha segurança tirada de baixo dos meus pés. Ademais, porque Deus me deixou à mercê de gente obviamente maldosa como encontrei no trabalho, onde tanto lutei para manter tudo funcionando ao longo de um ano conturbado que começou com o suicídio do meu chefe e terminou com minha demissão.
Por alguns dias mantive a cabeça clara. Alline me apoiou, acalmou e acompanhou minha saída daquele torpor e do inconformismo que vem diante de um revés tão sério, recomendou que eu visitasse uma igreja - provavelmente achando que era hora de exorcizarmos o que quer que nos estivesse perturbando. Eventualmente ela também desesperou e eu fui levado a crer que não seria capaz de aguentar o peso da nossa pequena tragédia. Brigamos e eu estava só à noite, finalmente tomando meu segundo copo de uísque, tentando simplesmente não sentir mais nada, quando me dei conta, um tanto bêbado, que a manhã seguinte seria uma manhã de domingo.
Agora convém voltar um pouco atrás no tempo e lembrar da longa e gostosa conversa que tive com o pastor Leandro Peixoto, da nossa querida IBCC. Quando contei que não tinha encontrado uma igreja em Dallas e que, ademais, estava trabalhando aos domingos, de modo que não estava frequentando lugar nenhum, acho que ele deve ter se segurado, ou para não rir, ou para não chorar. Eu mesmo sabia que estes motivos para estar longe da igreja, enfraquecido diante das tentações e desgastado pelos atritos constantes trazidos pelo casamento, eram no mínimo meias verdades. Paciente, o pastor me recomendou certas leituras, me falou de muita gente boa fazendo um trabalho pastoral e teológico interessante, e mencionou que em Dallas havia uma igreja pastoreada por um Matt Chandler, chamava-se The Village Church, e o que ali se pregava estava em linha com o que ele (e eu por influência dele) achávamos ser uma exposição bíblica do evangelho. Fiquei muito entusiasmado com tudo isso, mas fui logo dissuadido da idéia de investigar mais a fundo, especialmente depois de voltar à velha rotina de trabalho e aos velhos vícios - a preguiça, a necessidade de concentrar toda minha atenção à vida doméstica - e o assunto foi jogado para escanteio.
Pois bem, estava eu começando a me sentir um pouco melhor quando tive uma dessas idéias embriagadas de procurar uma igreja e perguntar a Deus o que estava havendo. Consultei o google em busca das igrejas batistas próximas de meu novo domicílio, e qual não foi minha surpresa quando ali estava a Village Church. Desnecessário dizer (porém direi) que fomos até lá no dia seguinte.
Estranhei um pouco o jeitão da igreja. Meio moderna, possui três campus, e o sermão é pregado em um deles e transmitido para os outros por videoconferência. Os pastores se vestem mais ou menos como eu, um moleque de vinte e poucos anos, e o louvor, acima da média, era feito em tom de soft rock contemporâneo. Cheguei ali cansado, humilhado e sem saber o que esperar do futuro próximo. Logo descobri que não era o único com problemas. Fiquei sabendo logo que Matt Chandler está com câncer no cérebro. Ok, eu não conhecia Matt Chandler, era a primeira vez que visitava a igreja, mas é impossível deixar de sentir um desconforto, e de perguntar em seguida: o que foi que ele fez para acabar desse jeito? Não, eu não me sinto melhor observando a desgraça alheia, muito menos em se tratando de um sujeito que, pelo que ouço falar, só fez servir a Deus e ao próximo, como manda o script. Não acho consolo algum na idéia de que muita gente sofre mais do que eu, mesmo porque minha mente queria, em primeiro lugar entender o que estava se passando, e não arranjar desculpas para que eu não me sentisse tão mal assim.
O sermão de Beau Huges, naturalmente versou sobre o dito câncer. Não recordo detalhes da mensagem, foi no dia 13 de dezembro, mas lembro que foi a palavra que precisava ouvir no momento. Basicamente, o pastor explicava que aquela desgraça, bem como outras que acontecem conosco ou ao nosso redor, são resultado do pecado no mundo, do nosso pecado. Depois disso deu uma palavra de consolo para os aflitos, e só me lembro da impressão de estar reafirmado, e de uma vontade de chorar (aqueles interessados podem ouvir a mensagem aqui). Eu estava abatido e fui animado, o bastante para manter a confiança na providência divina, mas estas experiências não duram para sempre, e na correria dos próximos dias, não aproveitei para fazer algo de mais duradouro daquele momento importante e daquela mensagem de ânimo e misericórdia apesar da fúria de Deus contra o pecado.
Passado algum tempo sem voltar à igreja (estivemos viajando, e a viagem será assunto para outro post), já desgastados por uma série de coisas que continuaram dando errado para nós (entre umas tantas que deram certo), nos encontramos rumo à igreja mais uma vez esta manhã. Irritado desde cedo por algumas reclamações de Alline por alguns problemas menores na casa, acabei explodindo e fui berrando de casa até a igreja. Chegando lá, enquanto mexia a boca durante os hinos que não conhecia, fiquei pensando o quão depressa nos esquecemos de Deus. Em duas semanas eu estava na velha rotina, irritado com minha mulher e principalmente assombrado com as mudanças que estes últimos anos trouxeram ao meu temperamento (aqueles que me conhecem normalmente se lembram de um sujeito calmo, meio bobo e normalmente bem humorado). Baixamos a cabeça para orar, e ao final da oração ouvi uma voz familiar que costumava ouvir nas gravações de mensagens e sermões que tanto escuto pela internet. Levantei a cabeça e tive a grata surpresa de ver que o pregador era o John Piper.
Muito amável nesta visita a Dallas (da qual eu não fazia a menor idéia) ele conduziu a igreja por entre uma passagem de Romanos, capítulo 8, mostrando como nosso sofrimento nada mais é do que a maneira de Deus nos fazer ver o quanto o nosso pecado ofende a sua glória. Somente o sofrimento nos faz ver o que nossa rebeldia faz contra Deus. Imediatamente percebi exatamente o que acontecera comigo. E que coisa graciosa ter Deus trazido um de meus pregadores favoritos para dizer o que estava se passando em minha vida em particular, e nas vidas de tantas pessoas em geral, ainda que o assunto do sermão fosse, no fundo, o câncer de Matt Chandler.
Parece, olhando para minha própria experiência, que só paramos de agir com rebeldia diante de Deus quando estamos finalmente cansados demais, abatidos demais para fazer qualquer coisa. Seja cansados, seja rebeldes, Deus encontra meios de nos mostrar o que realmente importa e nos reconduzir quando nos perdemos. O símbolo do bom pastor, longe de ser uma mera analogia, fruto casual do meio em que nasceu o cristianismo (como querem alguns), possui um significado duradouro, pois no fundo, somos como ovelhas, estúpidos e facilmente perdidos, devorados, caso não tenhamos alguém que nos guarde e conduza, e seremos co-herdeiros e irmãos adotivos de Cristo, o cordeiro de Deus. É importante entender que não temos controle sobre nossos destinos, e que devemos nos colocar à mercê da graça divina, pela qual o Senhor nos reconduz a si.
Em meio a essa confusão, corri até o telefone, ligar para casa a fim de conseguir algum apoio moral, apesar da distância, e tentar impor ordem aos pensamentos. Um pouco mais calmo, tendo recebido o carinho da família, comecei a pensar a respeito do acontecido e a me perguntar qual a razão para ter minha segurança tirada de baixo dos meus pés. Ademais, porque Deus me deixou à mercê de gente obviamente maldosa como encontrei no trabalho, onde tanto lutei para manter tudo funcionando ao longo de um ano conturbado que começou com o suicídio do meu chefe e terminou com minha demissão.
Por alguns dias mantive a cabeça clara. Alline me apoiou, acalmou e acompanhou minha saída daquele torpor e do inconformismo que vem diante de um revés tão sério, recomendou que eu visitasse uma igreja - provavelmente achando que era hora de exorcizarmos o que quer que nos estivesse perturbando. Eventualmente ela também desesperou e eu fui levado a crer que não seria capaz de aguentar o peso da nossa pequena tragédia. Brigamos e eu estava só à noite, finalmente tomando meu segundo copo de uísque, tentando simplesmente não sentir mais nada, quando me dei conta, um tanto bêbado, que a manhã seguinte seria uma manhã de domingo.
Agora convém voltar um pouco atrás no tempo e lembrar da longa e gostosa conversa que tive com o pastor Leandro Peixoto, da nossa querida IBCC. Quando contei que não tinha encontrado uma igreja em Dallas e que, ademais, estava trabalhando aos domingos, de modo que não estava frequentando lugar nenhum, acho que ele deve ter se segurado, ou para não rir, ou para não chorar. Eu mesmo sabia que estes motivos para estar longe da igreja, enfraquecido diante das tentações e desgastado pelos atritos constantes trazidos pelo casamento, eram no mínimo meias verdades. Paciente, o pastor me recomendou certas leituras, me falou de muita gente boa fazendo um trabalho pastoral e teológico interessante, e mencionou que em Dallas havia uma igreja pastoreada por um Matt Chandler, chamava-se The Village Church, e o que ali se pregava estava em linha com o que ele (e eu por influência dele) achávamos ser uma exposição bíblica do evangelho. Fiquei muito entusiasmado com tudo isso, mas fui logo dissuadido da idéia de investigar mais a fundo, especialmente depois de voltar à velha rotina de trabalho e aos velhos vícios - a preguiça, a necessidade de concentrar toda minha atenção à vida doméstica - e o assunto foi jogado para escanteio.
Pois bem, estava eu começando a me sentir um pouco melhor quando tive uma dessas idéias embriagadas de procurar uma igreja e perguntar a Deus o que estava havendo. Consultei o google em busca das igrejas batistas próximas de meu novo domicílio, e qual não foi minha surpresa quando ali estava a Village Church. Desnecessário dizer (porém direi) que fomos até lá no dia seguinte.
Estranhei um pouco o jeitão da igreja. Meio moderna, possui três campus, e o sermão é pregado em um deles e transmitido para os outros por videoconferência. Os pastores se vestem mais ou menos como eu, um moleque de vinte e poucos anos, e o louvor, acima da média, era feito em tom de soft rock contemporâneo. Cheguei ali cansado, humilhado e sem saber o que esperar do futuro próximo. Logo descobri que não era o único com problemas. Fiquei sabendo logo que Matt Chandler está com câncer no cérebro. Ok, eu não conhecia Matt Chandler, era a primeira vez que visitava a igreja, mas é impossível deixar de sentir um desconforto, e de perguntar em seguida: o que foi que ele fez para acabar desse jeito? Não, eu não me sinto melhor observando a desgraça alheia, muito menos em se tratando de um sujeito que, pelo que ouço falar, só fez servir a Deus e ao próximo, como manda o script. Não acho consolo algum na idéia de que muita gente sofre mais do que eu, mesmo porque minha mente queria, em primeiro lugar entender o que estava se passando, e não arranjar desculpas para que eu não me sentisse tão mal assim.
O sermão de Beau Huges, naturalmente versou sobre o dito câncer. Não recordo detalhes da mensagem, foi no dia 13 de dezembro, mas lembro que foi a palavra que precisava ouvir no momento. Basicamente, o pastor explicava que aquela desgraça, bem como outras que acontecem conosco ou ao nosso redor, são resultado do pecado no mundo, do nosso pecado. Depois disso deu uma palavra de consolo para os aflitos, e só me lembro da impressão de estar reafirmado, e de uma vontade de chorar (aqueles interessados podem ouvir a mensagem aqui). Eu estava abatido e fui animado, o bastante para manter a confiança na providência divina, mas estas experiências não duram para sempre, e na correria dos próximos dias, não aproveitei para fazer algo de mais duradouro daquele momento importante e daquela mensagem de ânimo e misericórdia apesar da fúria de Deus contra o pecado.
Passado algum tempo sem voltar à igreja (estivemos viajando, e a viagem será assunto para outro post), já desgastados por uma série de coisas que continuaram dando errado para nós (entre umas tantas que deram certo), nos encontramos rumo à igreja mais uma vez esta manhã. Irritado desde cedo por algumas reclamações de Alline por alguns problemas menores na casa, acabei explodindo e fui berrando de casa até a igreja. Chegando lá, enquanto mexia a boca durante os hinos que não conhecia, fiquei pensando o quão depressa nos esquecemos de Deus. Em duas semanas eu estava na velha rotina, irritado com minha mulher e principalmente assombrado com as mudanças que estes últimos anos trouxeram ao meu temperamento (aqueles que me conhecem normalmente se lembram de um sujeito calmo, meio bobo e normalmente bem humorado). Baixamos a cabeça para orar, e ao final da oração ouvi uma voz familiar que costumava ouvir nas gravações de mensagens e sermões que tanto escuto pela internet. Levantei a cabeça e tive a grata surpresa de ver que o pregador era o John Piper.
Muito amável nesta visita a Dallas (da qual eu não fazia a menor idéia) ele conduziu a igreja por entre uma passagem de Romanos, capítulo 8, mostrando como nosso sofrimento nada mais é do que a maneira de Deus nos fazer ver o quanto o nosso pecado ofende a sua glória. Somente o sofrimento nos faz ver o que nossa rebeldia faz contra Deus. Imediatamente percebi exatamente o que acontecera comigo. E que coisa graciosa ter Deus trazido um de meus pregadores favoritos para dizer o que estava se passando em minha vida em particular, e nas vidas de tantas pessoas em geral, ainda que o assunto do sermão fosse, no fundo, o câncer de Matt Chandler.
Parece, olhando para minha própria experiência, que só paramos de agir com rebeldia diante de Deus quando estamos finalmente cansados demais, abatidos demais para fazer qualquer coisa. Seja cansados, seja rebeldes, Deus encontra meios de nos mostrar o que realmente importa e nos reconduzir quando nos perdemos. O símbolo do bom pastor, longe de ser uma mera analogia, fruto casual do meio em que nasceu o cristianismo (como querem alguns), possui um significado duradouro, pois no fundo, somos como ovelhas, estúpidos e facilmente perdidos, devorados, caso não tenhamos alguém que nos guarde e conduza, e seremos co-herdeiros e irmãos adotivos de Cristo, o cordeiro de Deus. É importante entender que não temos controle sobre nossos destinos, e que devemos nos colocar à mercê da graça divina, pela qual o Senhor nos reconduz a si.