domingo, outubro 31, 2004

Sobre a poesia.

Acho que tenho sido injustamente duro com as mulheres em meus escritos recentes. Isso é resultado de um processo que começa com uma educação que enfatizou sempre a manutenção de uma reserva de opiniões jocosas sobre qualquer coisa incompreensível e irracional com a qual me deparasse no universo feminino. Desnecessário dizer que incompreensível é quase todo o universo feminino. Portanto é desse ponto de vista absolutamente desprivilegiado que escrevi sobre mulheres, dependi muito mais do meu humor e dos acontecimentos da semana do que de qualquer dado verificável. Tudo isso sem abandonar o meu tradicional pessimismo sentimental.

Em minha defesa digo que não deixarei de recair nessa postura no futuro, mas que pensei a respeito por um momento e só não fujo à atitude porque isso me faria menos autêntico e nesse espaço não pretendo negar o meu caráter. A idéia é justamente afirmá-lo.

Mas chega de falar sobre mim. Tenho outros interesses além de mim mesmo, embora às vezes até eu duvide.

Há por exemplo a poesia em língua inglesa. Tenho cá comigo que a poesia é uma necessidade humana que nos deforma se for negada. À medida que nos tornamos mais completos, mais partícipes da cultura dentro da qual fomos criados e da qual nossas mentes foram arbitráriamente nutridas ao longo dos anos, mais difícil é conceber como pudemos viver antes de receber aquilo que se tornou, ou melhor, se revelou parte de nós. Nada mais verdadeiro e nada mais sublime. Mesmo na dor.
Esse desejo de poesia é algo que nos torna igualmente distintos dos animais e dos computadores. É a capacidade de encontrar a beleza nas palavras, de receber algo que jamais poderá ser contabilizado e apreciar o presente qual jóia preciosa. Não é uma faculdade do instinto, não é resposta a um estímulo e ao mesmo tempo não é matemática, não é a forma lógica do pensamento, é a tradução do meio-termo que é a própria condição do homem no mundo.

Essa sina de ser o termo médio da criação, aquele polo qual serão julgadas as coisas grandes e pequenas é uma idéia profundamente mística que, por isso mesmo, não deixa de ser um bocado poética. Não se joga apenas com as palavras na poesia. Se joga com a alma, e toda a vej que se joga com a alma, alguém disse, tem-se o risco de perdê-la. Nada mais corajoso, nada mais estúpido, nada mais romântico e nada mais grávido de esperança de que contra todas as probabilidades as palavras ganhem sua vida fora da pena do poeta e tomem de assalto as idéias dos homens e o coração das mulheres.
E é por isso que acredito na poesia. De resto falta dizer porque uma predileção pela de língua inglesa.

Difícil justificar um gosto. Eu tenho uma estranha fascinação pela poesia anglófona desde que ouvi alguns versos de Blake: "To see a world in a grain of sand..." e fui aos poucos tomando conhecimento aqui e ali de poetas maravilhosos. Particularmente os mais antigos. Inclusive anônimos do século treze. O único modo de explicar isso é recitar a poesia, o que infelizmente não posso fazer por escrito. Mas quem quiser sentir o efeito pode tentar, ofereço alguns versos para o exercício:

A Drinking Song
by William Butler Yeats (1864 - 1939)

Wine comes in through the mouth
And love comes in through the eye;
That's all we know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh.


É um poema bem simples, com métrica, rima, ritmo, e além disso possui também a esmagadora carga de sentimento e de metafísica que só se tem com os melhores poemas. Nesse sentido é um bom representante da categoria dos poemas. Há algo nele que me fascina e me desperta para minha própria dor e minha própria alegria, mas, acima de tudo, para a beleza inerente à poesia em si, quando plenamente realizada.

É impossível amar sem poesia. Às vezes acho que antes de haver poesia não existia amor. E desse mesmo modo, quando fundou o amor, nesse momento imemorial, a poesia fundou toda a dor do mundo, e finalmente pudemos nos tornar realmente humanos.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Mulheres Inteligentes.

Engraçado quanta coisa a gente aprende conversando despretenciosamente. Aliás, não só sobre os outros mas sobre nós mesmos. Hoje eu conversava com um amigo sobre o tema mais importante para alguém na nossa idade: mulheres. Evidente que fizemos as reclamações de sempre, na melhor tradição de bons solteiros que já levaram muito fora na vida e que não estão nem longe de acabar de levá-los. Em meio a tudo isso fui passando em revista as mulheres que me desprezaram ao longo dos meus curtos dias de conquistador barato e rememorando as próprias sensações que tive em cada episódio.

Foi impagável. Além de rir um bocado de mim mesmo (sim, eu não me levo a sério, se não já teria me matado) tive uma dessas epifanias e me dei conta de uma verdade profunda a meu respeito. Foram, portanto, minutos de esforço intelectual bem empregados. Qual foi a descoberta? - perguntará algum leitor mais atento. Digo já: é que eu tenho medo de mulheres inteligentes.

Todas as vezes em que uma mulher me fez arrepender de ter nascido, ela era inteligente. Muito provávelmente mais inteligente do que eu. Ao longo de tempo percebi esse evento mas nunca havia me dado conta de verdade. Até hoje.

O fato é que as mulheres inteligentes são assustadoras. Elas leram mais do que você, conversam melhor, ridicularizam seus usos e costumes tipicamente masculinos e o fazem de tal modo que você não se sente autorizado a protestar. É como se você tivesse culpa por ter nascido homem, por não ter a capacidade de admitir o que sente e por não entender quando elas passam alguma dica sutil pelo olhar ou pelo discurso. Uma mulher inteligente é perfeitamente capaz de te enganar sem que você perceba. Não é que ela vá te enganar, mas existe sempre essa possibilidade e você não vai saber (essa paranóia tem jeito de ser daquelas que vou carregar por alguns anos e agora que está publicada não vou ser o único).

Eu francamente não consigo compreender por que desígnio dos deuses essas mulheres aparecem para te aplicar algum tipo de lição de vida que é necessáriamente traumática. Ficava me perguntando que é que elas procuram em nós. Só por que temos algum verniz de refinamento não quer dizer que conseguimos fazer frente a um intelecto que é tão diferente do nosso(para não dizer superior). Temos que nos desdobrar para tentar nos antecipar um segundo a elas e falhamos vergonhosamente - o que resulta em dizer algo muito estúpido no pior momento possível.

Mas o diabo é que ao mesmo tempo que tenho medo de mulheres inteligentes, não posso deixar de sentir tesão por elas. Existe algo na maneira como elas me diminuem que estimula um masoquismo que eu desconhecia. Fico encantado com o desafio intelectual e nem vejo a chegada do momento em que elas se cansam de brincar comigo e arrancam meu coração com a frieza de um burocrata soviético. Dramático? Foi só uma ilustração... Existe algo além do tesão, é claro. Elas são interessantes, a conversa não se pontilha de silêncios desconfortáveis, você não tem que fingir que é legal assistir Malhação diáriamente e que não liga de conversar a respeito do seu horóscopo do dia. Elas tem um senso de humor brilhante e você quase fica grato por ser frontalmente ridicularizado, por paradoxal que seja a sensação. Gosto de poder olhar para alguém sabendo que vou ser compreendido e essa é a beleza das mulheres inteligentes, ver nelas espíritos mais profundos do que o seu e sentir aquele gosto de mistério na boca.

Assim fico nessa sinuca de bico. Tenho pelas mulheres inteligentes esse misto de medo e tesão resultando numa explosixa carga que destrói as próprias bases de meu orgulho próprio. Continuo procurando minhas mulheres inteligentes, continuo sendo intelectual e sentimentalmente derrubado e, até agora, não aprendi absolutamente nada. Tudo isso em um dia de trabalho. Deixo então minha homenagem às mulheres inteligentes. Espero que a próxima que cruzar o meu caminho leve isso em conta e, ao partir, deixe ao menos uma dor mais doce do que as que precederam.

domingo, outubro 24, 2004

Desiderato.

Comecei esse texto faz algum tempo. Não está datado. Era curto demais, terminei hoje. Gosto da forma como brinca com o otimismo e o pessimismo e o partido que tomo aqui depende mais do leitor do que de qualquer elemento do texto. Aí vai:



Gostaria de poder olhar para trás um dia, pensar em minha vida e poder me dizer que foi uma boa vida. Infelizmente sou muito jovem para faze-lo. Penso que seria bom poder dizer que encontrei uma mulher que realmente me ama, quer criar filhos meus e me espera sempre com perdão nos olhos, mais jamais encontrei tal mulher. Imagino que ela esteja em algum lugar lá fora, acompanhada de alguém que jamais será tão bom para ela quanto eu seria, enquanto eu aqui permaneço só. Imagino também que ela sabe disso tão bem quanto eu, simplesmente não quer ter de esperar pra sempre; eu mesmo não gostaria de estar atrelado a tal sina.
Gostaria de fazer para mim um nome que fosse associado a um homem bom, justo e sábio, amante da boa arte, da boa cozinha, da honestidade e das mais ternas manifestações de afeto pelos amigos. Gostaria de ter a casa sempre pronta para receber alguns bons amigos, e que minha casa fosse sempre convidativa para sentar e contar histórias de tempos mais fáceis, mais risonhos.
Gostaria de andar com firmeza nos caminhos de Deus, ser irrepreensível e ser um exemplo para meus filhos e familiares, indo à casa de oração e participando da ceia e da irmandade dos cristãos, da maneira que foi passada por minha avó. Infelizmente me afastei dessa senda muito tempo atrás.
Sou indigno? Não. Simplesmente acordei para o fato de que não estou satisfeito com o que sou e tenho algum receio justificado com relação ao que possa me tornar. Meu desiderato é um pouco megalômano, no entanto. Quem poderia almejar ser um homem pleno e autêntico num tempo com semelhantes absurdos, tendo sido criado em meio a uma cultura de baixeza? Quem sou eu para lutar contra a condição de doença espiritual que mal é percebida pelos outros homens? Que tenho eu para merecer a felicidade da qual a grande maioria é privada?
Não obstante, é inerente à condição humana desejar coisas boas para si. Não é nada mais que o puramente natural num ser humano médio. Ora, nada disso é indigno. Que pretenda o verme rastejar para fora de seu buraco cômodo para ver a luz mesmo sob pena de ser queimado por ela é uma idéia até bastante poética. Sonhemos então. Que o futuro reserve, para mim, para quem mais tenha a sensatez de desejá-lo, dias muito melhores.

sábado, outubro 23, 2004

Tempo parado

Alguns dias demoram mais a passar do que outros, esse tanto é verdade, Mas seria possível que haja dias em que o tempo pára completamente? Já olhei repetidas vezes no relógio, inconformado. Andei pela casa, procurei outros relógios, de parede, de bolso, de corda digitais, de pulso... Exausto sento na poltrona da sala e me pergunto o que terá acontecido. O tempo não é mais, estou preso.
Certamente é um dia ruim para que isso aconteça. Não há mais ninguém comigo, tenho estado sozinho por alguns dias agora e, na verdade, até sinto que gostaria de ter uma mulher ao meu lado para perguntar o que aconteceu. Nada mais tolo para se pensar em um momento tão insólito. Vereifico o relógio novamente. Nada. Nenhuma alteração. Devo estar ficando louco. Acho que ando lendo muito Júlio Cortázar, isso tem que afetar a cabeça da gente de alguma maneira. Não adianta, no entanto, por a culpa no Cortázar. Tenho que dar um jeito de entender o que se passa com o tempo. Conforme as horas deveriam estar correndo, parece que o sol não quer descer. Fica entronizado em seu assento celeste ameaçando fritar meus miolos com sua habitual impiedade, caso decida sair e confrontá-lo.
Tenho medo de chamar por alguém, estou ficando preocupado. Me deito no sofá da sala e ligo a televisão. O âncora do jornal anuncia a hora, é a mesma hora dos relógios, a mesma hora que não passa, mas ele não parece notar. Não só os relógios pararam, o dia parou, será que isso não daria uma boa história para o jornal?
Ligo para a companhia telefônica em busca de explicação. Até agora eles sempre foram minha autoridade em horário. O serviço diz que a hora é exatamente aquela que insisto em verificar. Sento-me mais uma vez perplexo.
Eu tinha comigo a noção de que poderia planejar alguma coisa, que teria a vida toda pela frente, essa era a maior desculpa para tudo aquilo que não fiz ainda. Não se pode pegar um ser como o homem e tirá-lo da sua perpétua caminhada para o futuro. Não haverá mais concepção, velhice, morte no mundo? Acabaram a história, a filosofia, e eu sou surpreendido por esse momento sentado em minha cadeira tomando chá?
A constatação não agrada nem um pouco, mas o fato é que acabou. Sem o tempo não há esperança, não há vida sem esperança. Sinto que a morte vem se aproximando do meu sofá. Torço para que ela não esteja querendo jogar xadrez, peri as últimas doze partidas que disputei. Fico abobado ao perceber que estou aprisionado nesse presente. Mais do que tudo estou insatisfeito. Preciso de um presente diferente, algo de que pudesse ter algum orgulho, quem sabe. Ao menos um presente em que não estivesse de pijamas. Decido tirar o pijama e tomar uma atitude. Talvez pudesse sair para uma caminhada mas o sol continua no alto de sua trajetória, forte como nunca, não vale a pena sair. Poderia ler um livro, mas francamente achei de muito mal gosto quando, ao olhar a estante, o primeiro volume com o qual me deparo é o segundo livro da série "Em Busca do Tempo Perdido". Ironias assim não se perdoa. Muito menos piadas com Proust, que não é um autor engraçado.
Volto para a poltrona. Confesso que estou ficando irritado. E solitário. Aguardo pelo retorno do tempo.

English Verse....

Um pouco de poesia. Sou fã do bom e velho verso inglês...

Madrigal
Davison's Poetical Rhapsody

MY Love in her attire doth show her wit,
It doth so well become her;
For every season she hath dressings fit,
For Winter, Spring, and Summer.
No beauty she doth miss
When all her robes are on:
But Beauty's self she is
When all her robes are gone.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Inconformismo literário.

Todos os dias somos forçados a ler uma inimaginável quantidade de bobagens simplesmente porque não queremos parecer rudes. Já li "The DaVinci Code" por que todos os meus amigos insistiam que o livro era muito bom, que fazia uma crítica incrível à ortodoxia cristã, que era intrigante... Grande bobagem. Nunca vi um livro mais cheio de besteiras e teoria da conspiração fundada simplesmente em fino ar. Nada de mais, afinal a obra é de ficção. O problema é o status ao qual essa fantasiosa aventura de intelectualidade rasa é elevada pelo público: de verdade revelada, de evidência contra a igreja. Trmenda idiotice. O único que lucrou com essa reação de estupidez coletiva foi o autor do livro.
Agora, toda vez que apareço num barzinho para conversar com alguma mulher atraente e caio na besteira de dizer que gosto de ler ela me pergunta se li Harry Potter. Em se tratndo de mulher bonita eu faço o esforço de engolir a vontade de dizer que aquele livrinho idiota não tem nada de valioso a menos que você precise calçar um pé de mesa. Ora, sorrio e digo que ainda não tive tempo de ler. A verdade? Não consegui me submeter a tão aviltante atividade por mais do que algumas páginas. O que me assusta é que já surpreendi amigos muito inteligentes indulgindo na leitura dessa historinha cujo sucesso só se explica pela absoluta preguiça mental do grande público que, a ler algo que preste prefere fingir que existe algo de valioso num livro infantil completamente ignorável por qualquer um que não assiste Bob Esponja todas as manhãs.
Mas prosseguimos nossa indignada caminhada. Paulo Coelho virou imortal embora seja um dos piores escritores que essa terra já produziu e Luiz Fernando Veríssimo, um dos melhores comediantes brasileiros, a pesar da forma que escolheu para fazer comédia - a crônica - é muito mais lido que Érico Veríssimo, seu pai, escritor de grande calibre que merece ser muito mais estudado do que é e só não recebe a atenção acadêmica que merece porque não era comunista!
Podemos vir a falar ainda dos romances psicografados mas não agora. Já estou de mau humor e não quero continuar a me irritar dessa maneira antes do almoço. Deixamos para outra oportunidade.
Fica então uma recomendação sincera. O que é agradável como leitura não é necessáriamente bom. Não tenhamos preguiça de usar o cérebro, é para isso que ele existe. Abandonemos essa ilusão antes que morra toda a boa literatura por falta de quem a leia.

Escrito antigo..

Eventualmente surgirão aqui algumas folhas que escrevi faz algum tempo. Tentarei manter as folhas com a data original a menos que eu não tenha anotado nada quando escrevi. De todo modo serão ao menos um mês anteriores à criação deste blog. Este é o primeiro deles...


A sensação do fim inevitável oprime o coração até que lágrimas sejam vertidas pelos olhos, mostrando aos nossos próprios sentidos que estamos fadados a sofrer. É necessário que soframos, precisamos amar e sofrer, buscar e assim viver histórias que valham a pena ser contadas. Só quem amou sabe a medida da dor que colhe quando afinal se percebe solitário.
O inevitável fim de todo amor é fenecer, a menos que pudéssemos viver para sempre. O amor que perdura é o que foi concebido nas cabeças e corações dos poetas, mas esses, os que realmente importam, foram os que mais viram o amor morrer, e morreram cada dia um pouco junto com ele, e sofreram como ninguém saberia sofrer, e beberam sua dor e a escreveram. Assim, os poetas avisaram o mundo todo o quanto dói amar, avisaram que amar é morrer, mas o fizeram de tal forma que jamais ninguém poderia achar que o sofrer fosse tão lindo.
Se eu fosse um poeta iria gritar pela rua: Não amem, não chorem de amor, se dêem à solidão, que é companheira fiel, a única na vida do homem. Não amem porque o amor nos vai perder a todos, num grande suspiro, num grande abraço sem fim e num singelo beijo de despedida.
Não há porque amar, mas não há por que querer ser só, há de se querer e se sentir e se chorar até o fim do dia. Já não há escolha, estamos fadados a sermos sós, chorarmos sós e bebermos juntos, todos, como uma grande irmandade de estranhos, que conhecem bem as dores que dividem tão bem como o fundo do copo que vêem. Brindam às mulheres que os esqueceram e as que quiseram esquecer, que bem podem ser a mesma mulher. Mas que importa? Existe algo mais profundo e mais sutil do que o amor, mais perene que o amor, mais notável e constante nos corações que já sangraram suas mágoas sem socorro. Existe a tristeza.
É melhor ouvir um coração angustiado do que um apaixonado, pois, parafraseando o sábio, o primeiro mostra o fim de todas as coisas, o segundo mostra apenas o princípio que nada revela de previdente, mas sim de inconseqüente e cheio de esperanças, como somos todos quando amamos. Quem está sozinho sabe do que falo, mas esse escrito se destina a quem está amando, e se vier eu mesmo a amar, e me sentir amado, invencível, confiante, é bom que leia sobre os dias ruins em que restei sem amor, cuidado ou companhia, para saber que a queda vem e será grande, e não me embriagar de amor demais, mas mastigar o frio pão do remorso, antes de perder a própria razão e sofrer mais do que puder suportar.



Tiago Ramos
30.06.2003

quinta-feira, outubro 21, 2004

Retorno inevitável.

É certo que voltei a escrever meio cedo. Talvez devesse ter esperado pela manhã para continuar minhas notas, mas não tenho nada melhor pra fazer até segunda-feira. Fico assim nas mãos de minha própria inutilidade, sendo forçado a escrever aqui para tentar escapar dela. Como isso pode ser interessante eu não sei. Esse post foi redigido com o intuito de ser ignorado, o que não deixa de ser interessante, filosoficamente falando.

Por algumas vezes cheguei a refletir em conversas de bar sobre a dor-de-corno. A traição é uma coisa antiga e ao longo dos milênios os homens escrevem e cantam a esse respeito. Nesse caso cabe até o clichê: "Desde os antigos gregos até os dias de hoje..." (Diga-se de passagem que essa fórmula de redação me dá verdadeiro nojo. Ainda mais quando penso que já cheguei a usá-la em algumas ocasiões). O caso é que dessa vez é verdade. Toda a literatura ocidental como a conhecemos surgiu do fato de que em algum momento um sujeito oriental que vivia numa ilha dos Balcãs pegou um barco, foi para uma ilha grega visitar um outro sujeito e roubou a mulher deste último. O grego juntou seus amigos e foi buscar sua satisfação. Está aí, em poucas linhas, a Guerra de Tróia, a maior história de marido traído da literatura, e talvez o maior poema épico da literatura como a conhecemos.
A dor da traição ocidental européia certamente viajou também para a América. Não posso deixar de pensar que as mulheres da "brava gente lusitana" que cruzou o mar, ao invés de ficarem a chorar seus amores perdidos para o grande abismo, provávelmente foram tratar de se entender com os que ficaram nas tépidas noites alentejanas...
Mulheres volúveis muito provávelmente motivaram a maior parte da arte produzida até agora. Choramos por elas, chamamos por elas, escrevemos cartas, livros, poemas, batemos o carro, pintamos retratos, esculpimos, perdemos o sono, por elas quebramos as leis e somos lançados irmão contra irmão, simplesmente porque é impossível não se apaixonar, ao menos uma vez na vida por uma vagabunda.
Uma mulher que leia isto ficará ofendida. Não é meu propósito causar tal reação. O problema é de ordem diversa. Faço constatações curiosas, não juízos rancorosos. Existe algo de fascinante na mulher dissoluta que difícilmente escapa aos olhos do homem comum. Seu interesse é um impulso que ele precisa controlar a fim de não romper a fina malha da ordem social circundante, mas convenhamos, os homens normalmente mandam o tecido da malha social para o inferno ao ver uma mulher, especialmente após a primeira garrafa de cerveja.
Contra essa destruidora figura feminina, a civilização patriarcal empreendeu um esforço filosófico e literário surpreendente. A moral judaico-cristã, cujas leis estão inscritas na Bíblia, mostra claramente como o homem deve se comportar diante da mulher devassa, com cautela e prudência, afastando-se dela. Por outro lado, o livro sagrado constrói a figura da mulher virtuosa, que sai da casa do pai para a casa do marido e lá acaba seus dias miseráveis.
Os grandes sistemas filosóficos todos tiveram seu capítulo orientado à explicação dos meandros da ação humana, suas teorias sobre a moral. A patrística agostiniana, a moral kantiana, os incontáveis tratados a respeito da vontade, toda a legislação civil sobre família desde a idade média até os anos sessenta, milhares de horas e de trabalho intelectual foram gastos na tentativa de teoricamente tornar o mundo seguro para que o homem médio pudesse encontrar uma mulher e tomá-la para si sem medo de a estar dividindo com o padeiro, o leiteiro, o açogueiro, com os amigos do bar, os vizinhos solteirões, os vizinhos casados...
Ora, tais esforços, se me perguntarem, direi que resultaram vãos. Chegamos ao ponto em que queimamos mulheres na fogueira, destruímos os cultos pagãos, as estátuas da deusa mãe, as sacerdotisas, repreendemos as mulheres, reprovamos suas intenções jamais confessadas como sendo malignas por natureza, mas não mudamos a única coisa que verdadeiramente nos flagela como gênero: nossa disposição em continuar procurando as tais mulheres devassas. Qualquer sujeito racional dirá que nunca aconteceu com ele, mas todos acabam sendo encontrados pelos amigos em algum boteco sujo por causa de uma mulher. É simplesmente impossível mudar uma mulher sórdida.
Essa sina infeliz que nos persegue tem todo seu corpo perverso mas não podemos negar que durante o pouco tempo que dura é muito bom acharmos que estamos sendo amados e que somos os únicos que elas tem. Somos felizes por um momento. Um momento breve, mas está lá. A questão é: compensa?
Tamanho fascínio nos afasta justamente das mulheres que teriam sido boas para nós. Isso não pode ser imputado contra nós por essas mulheres sólidas no caráter que normalmente aparecem após o desastre para recolher os cacos de nosso orgulho e tentar torná-los uma coisa inteira e preferencialmente coesa de novo. Essas guardiãs da virtude feminina, que é justamente a expressão de seu instinto maternal, que procuramos quando voltamos humilhados e feridos de alguma experiência emocionalmente (ou físicamente, dirão aqueles que já precisaram tomar aquelas enormes injeções no braço por conta de uma aventura sexual malfadada) traumática, podem reerguer o homem, e é aí que cabe a ele não cometer a insanidade de voltar ao erro. Mas será que isso é garantidamente possível?
Se alguém tiver resposta para essa pergunta, entre em contato. Estou precisando de uma ajuda, porque obviamente, como a grande maioria dos homens, eu não tenho a menor idéia do que estou fazendo quando me aproximo de uma mulher.

Primeiro post...

Princípio. Momento incômodo, no qual somos confrontados com a necessidade de escrever e, pela coragem de ter começado, recebemos a ingrata surpresa da mediocridade. Não seja por isso, seremos medíocres mas escreveremos. Essa é uma época interessante da minha vida. Não porque sou jovem mas porque começo a despertar para meus verdadeiros interesses: a filosofia e a música. Ora, o que tenha isso a ver com estas notas que começarão a ser publicadas aqui, se existe, não descobri, mas prossigamos. Desperto para meus interesses e descubro toda essa matéria amorfa que se debate dentro de mim, seja genuina criatividade, seja uma grande bobagem, é imperativo que eu a tire do sistema. Daí a idéia de fazer essas notas. Daí a idéia de torná-las públicas. Então vamos lá. A primeira está feita. O resto deverá seguir em breve.