quinta-feira, outubro 21, 2004

Retorno inevitável.

É certo que voltei a escrever meio cedo. Talvez devesse ter esperado pela manhã para continuar minhas notas, mas não tenho nada melhor pra fazer até segunda-feira. Fico assim nas mãos de minha própria inutilidade, sendo forçado a escrever aqui para tentar escapar dela. Como isso pode ser interessante eu não sei. Esse post foi redigido com o intuito de ser ignorado, o que não deixa de ser interessante, filosoficamente falando.

Por algumas vezes cheguei a refletir em conversas de bar sobre a dor-de-corno. A traição é uma coisa antiga e ao longo dos milênios os homens escrevem e cantam a esse respeito. Nesse caso cabe até o clichê: "Desde os antigos gregos até os dias de hoje..." (Diga-se de passagem que essa fórmula de redação me dá verdadeiro nojo. Ainda mais quando penso que já cheguei a usá-la em algumas ocasiões). O caso é que dessa vez é verdade. Toda a literatura ocidental como a conhecemos surgiu do fato de que em algum momento um sujeito oriental que vivia numa ilha dos Balcãs pegou um barco, foi para uma ilha grega visitar um outro sujeito e roubou a mulher deste último. O grego juntou seus amigos e foi buscar sua satisfação. Está aí, em poucas linhas, a Guerra de Tróia, a maior história de marido traído da literatura, e talvez o maior poema épico da literatura como a conhecemos.
A dor da traição ocidental européia certamente viajou também para a América. Não posso deixar de pensar que as mulheres da "brava gente lusitana" que cruzou o mar, ao invés de ficarem a chorar seus amores perdidos para o grande abismo, provávelmente foram tratar de se entender com os que ficaram nas tépidas noites alentejanas...
Mulheres volúveis muito provávelmente motivaram a maior parte da arte produzida até agora. Choramos por elas, chamamos por elas, escrevemos cartas, livros, poemas, batemos o carro, pintamos retratos, esculpimos, perdemos o sono, por elas quebramos as leis e somos lançados irmão contra irmão, simplesmente porque é impossível não se apaixonar, ao menos uma vez na vida por uma vagabunda.
Uma mulher que leia isto ficará ofendida. Não é meu propósito causar tal reação. O problema é de ordem diversa. Faço constatações curiosas, não juízos rancorosos. Existe algo de fascinante na mulher dissoluta que difícilmente escapa aos olhos do homem comum. Seu interesse é um impulso que ele precisa controlar a fim de não romper a fina malha da ordem social circundante, mas convenhamos, os homens normalmente mandam o tecido da malha social para o inferno ao ver uma mulher, especialmente após a primeira garrafa de cerveja.
Contra essa destruidora figura feminina, a civilização patriarcal empreendeu um esforço filosófico e literário surpreendente. A moral judaico-cristã, cujas leis estão inscritas na Bíblia, mostra claramente como o homem deve se comportar diante da mulher devassa, com cautela e prudência, afastando-se dela. Por outro lado, o livro sagrado constrói a figura da mulher virtuosa, que sai da casa do pai para a casa do marido e lá acaba seus dias miseráveis.
Os grandes sistemas filosóficos todos tiveram seu capítulo orientado à explicação dos meandros da ação humana, suas teorias sobre a moral. A patrística agostiniana, a moral kantiana, os incontáveis tratados a respeito da vontade, toda a legislação civil sobre família desde a idade média até os anos sessenta, milhares de horas e de trabalho intelectual foram gastos na tentativa de teoricamente tornar o mundo seguro para que o homem médio pudesse encontrar uma mulher e tomá-la para si sem medo de a estar dividindo com o padeiro, o leiteiro, o açogueiro, com os amigos do bar, os vizinhos solteirões, os vizinhos casados...
Ora, tais esforços, se me perguntarem, direi que resultaram vãos. Chegamos ao ponto em que queimamos mulheres na fogueira, destruímos os cultos pagãos, as estátuas da deusa mãe, as sacerdotisas, repreendemos as mulheres, reprovamos suas intenções jamais confessadas como sendo malignas por natureza, mas não mudamos a única coisa que verdadeiramente nos flagela como gênero: nossa disposição em continuar procurando as tais mulheres devassas. Qualquer sujeito racional dirá que nunca aconteceu com ele, mas todos acabam sendo encontrados pelos amigos em algum boteco sujo por causa de uma mulher. É simplesmente impossível mudar uma mulher sórdida.
Essa sina infeliz que nos persegue tem todo seu corpo perverso mas não podemos negar que durante o pouco tempo que dura é muito bom acharmos que estamos sendo amados e que somos os únicos que elas tem. Somos felizes por um momento. Um momento breve, mas está lá. A questão é: compensa?
Tamanho fascínio nos afasta justamente das mulheres que teriam sido boas para nós. Isso não pode ser imputado contra nós por essas mulheres sólidas no caráter que normalmente aparecem após o desastre para recolher os cacos de nosso orgulho e tentar torná-los uma coisa inteira e preferencialmente coesa de novo. Essas guardiãs da virtude feminina, que é justamente a expressão de seu instinto maternal, que procuramos quando voltamos humilhados e feridos de alguma experiência emocionalmente (ou físicamente, dirão aqueles que já precisaram tomar aquelas enormes injeções no braço por conta de uma aventura sexual malfadada) traumática, podem reerguer o homem, e é aí que cabe a ele não cometer a insanidade de voltar ao erro. Mas será que isso é garantidamente possível?
Se alguém tiver resposta para essa pergunta, entre em contato. Estou precisando de uma ajuda, porque obviamente, como a grande maioria dos homens, eu não tenho a menor idéia do que estou fazendo quando me aproximo de uma mulher.

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