domingo, outubro 31, 2004

Sobre a poesia.

Acho que tenho sido injustamente duro com as mulheres em meus escritos recentes. Isso é resultado de um processo que começa com uma educação que enfatizou sempre a manutenção de uma reserva de opiniões jocosas sobre qualquer coisa incompreensível e irracional com a qual me deparasse no universo feminino. Desnecessário dizer que incompreensível é quase todo o universo feminino. Portanto é desse ponto de vista absolutamente desprivilegiado que escrevi sobre mulheres, dependi muito mais do meu humor e dos acontecimentos da semana do que de qualquer dado verificável. Tudo isso sem abandonar o meu tradicional pessimismo sentimental.

Em minha defesa digo que não deixarei de recair nessa postura no futuro, mas que pensei a respeito por um momento e só não fujo à atitude porque isso me faria menos autêntico e nesse espaço não pretendo negar o meu caráter. A idéia é justamente afirmá-lo.

Mas chega de falar sobre mim. Tenho outros interesses além de mim mesmo, embora às vezes até eu duvide.

Há por exemplo a poesia em língua inglesa. Tenho cá comigo que a poesia é uma necessidade humana que nos deforma se for negada. À medida que nos tornamos mais completos, mais partícipes da cultura dentro da qual fomos criados e da qual nossas mentes foram arbitráriamente nutridas ao longo dos anos, mais difícil é conceber como pudemos viver antes de receber aquilo que se tornou, ou melhor, se revelou parte de nós. Nada mais verdadeiro e nada mais sublime. Mesmo na dor.
Esse desejo de poesia é algo que nos torna igualmente distintos dos animais e dos computadores. É a capacidade de encontrar a beleza nas palavras, de receber algo que jamais poderá ser contabilizado e apreciar o presente qual jóia preciosa. Não é uma faculdade do instinto, não é resposta a um estímulo e ao mesmo tempo não é matemática, não é a forma lógica do pensamento, é a tradução do meio-termo que é a própria condição do homem no mundo.

Essa sina de ser o termo médio da criação, aquele polo qual serão julgadas as coisas grandes e pequenas é uma idéia profundamente mística que, por isso mesmo, não deixa de ser um bocado poética. Não se joga apenas com as palavras na poesia. Se joga com a alma, e toda a vej que se joga com a alma, alguém disse, tem-se o risco de perdê-la. Nada mais corajoso, nada mais estúpido, nada mais romântico e nada mais grávido de esperança de que contra todas as probabilidades as palavras ganhem sua vida fora da pena do poeta e tomem de assalto as idéias dos homens e o coração das mulheres.
E é por isso que acredito na poesia. De resto falta dizer porque uma predileção pela de língua inglesa.

Difícil justificar um gosto. Eu tenho uma estranha fascinação pela poesia anglófona desde que ouvi alguns versos de Blake: "To see a world in a grain of sand..." e fui aos poucos tomando conhecimento aqui e ali de poetas maravilhosos. Particularmente os mais antigos. Inclusive anônimos do século treze. O único modo de explicar isso é recitar a poesia, o que infelizmente não posso fazer por escrito. Mas quem quiser sentir o efeito pode tentar, ofereço alguns versos para o exercício:

A Drinking Song
by William Butler Yeats (1864 - 1939)

Wine comes in through the mouth
And love comes in through the eye;
That's all we know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh.


É um poema bem simples, com métrica, rima, ritmo, e além disso possui também a esmagadora carga de sentimento e de metafísica que só se tem com os melhores poemas. Nesse sentido é um bom representante da categoria dos poemas. Há algo nele que me fascina e me desperta para minha própria dor e minha própria alegria, mas, acima de tudo, para a beleza inerente à poesia em si, quando plenamente realizada.

É impossível amar sem poesia. Às vezes acho que antes de haver poesia não existia amor. E desse mesmo modo, quando fundou o amor, nesse momento imemorial, a poesia fundou toda a dor do mundo, e finalmente pudemos nos tornar realmente humanos.

Nenhum comentário: