domingo, outubro 24, 2004

Desiderato.

Comecei esse texto faz algum tempo. Não está datado. Era curto demais, terminei hoje. Gosto da forma como brinca com o otimismo e o pessimismo e o partido que tomo aqui depende mais do leitor do que de qualquer elemento do texto. Aí vai:



Gostaria de poder olhar para trás um dia, pensar em minha vida e poder me dizer que foi uma boa vida. Infelizmente sou muito jovem para faze-lo. Penso que seria bom poder dizer que encontrei uma mulher que realmente me ama, quer criar filhos meus e me espera sempre com perdão nos olhos, mais jamais encontrei tal mulher. Imagino que ela esteja em algum lugar lá fora, acompanhada de alguém que jamais será tão bom para ela quanto eu seria, enquanto eu aqui permaneço só. Imagino também que ela sabe disso tão bem quanto eu, simplesmente não quer ter de esperar pra sempre; eu mesmo não gostaria de estar atrelado a tal sina.
Gostaria de fazer para mim um nome que fosse associado a um homem bom, justo e sábio, amante da boa arte, da boa cozinha, da honestidade e das mais ternas manifestações de afeto pelos amigos. Gostaria de ter a casa sempre pronta para receber alguns bons amigos, e que minha casa fosse sempre convidativa para sentar e contar histórias de tempos mais fáceis, mais risonhos.
Gostaria de andar com firmeza nos caminhos de Deus, ser irrepreensível e ser um exemplo para meus filhos e familiares, indo à casa de oração e participando da ceia e da irmandade dos cristãos, da maneira que foi passada por minha avó. Infelizmente me afastei dessa senda muito tempo atrás.
Sou indigno? Não. Simplesmente acordei para o fato de que não estou satisfeito com o que sou e tenho algum receio justificado com relação ao que possa me tornar. Meu desiderato é um pouco megalômano, no entanto. Quem poderia almejar ser um homem pleno e autêntico num tempo com semelhantes absurdos, tendo sido criado em meio a uma cultura de baixeza? Quem sou eu para lutar contra a condição de doença espiritual que mal é percebida pelos outros homens? Que tenho eu para merecer a felicidade da qual a grande maioria é privada?
Não obstante, é inerente à condição humana desejar coisas boas para si. Não é nada mais que o puramente natural num ser humano médio. Ora, nada disso é indigno. Que pretenda o verme rastejar para fora de seu buraco cômodo para ver a luz mesmo sob pena de ser queimado por ela é uma idéia até bastante poética. Sonhemos então. Que o futuro reserve, para mim, para quem mais tenha a sensatez de desejá-lo, dias muito melhores.

Nenhum comentário: