sexta-feira, novembro 05, 2004

Esse texto está datado porque foi escrito anteontem e o original estará em breve perdido entre meus papéis, todos manuscritos dispersos em algum canto da casa.



O que é possível dizer da experiência personalíssima do homem com Deus? Será que alguém hoje seria capaz de formular, como fizeram os homens de tempos atrás, o que vem a ser conhecer a Deus, ao menos o quanto sabem a respeito do que seja esse conhecimento?

Sem dialogar com Deus, sem reconhecer assim sua presença, o homem é um ser absolutamente sozinho. Gosto da idéia medieval de que só é possível conhecermos mediante o intelecto divino e a parte de sua essência em nós. É uma idéia que nos leva a supor a presença e atuação de Deus a cada instante e em todos os lugares.

Já faz tempo que não freqüento os espaços da casa de Deus. Talvez porque não sentisse que houvesse alguém ali que considerasse a experiência religiosa com a mesma gravidade que eu. Talvez aquelas pessoas simplesmente não compartilhassem meu pessimismo solitário.

Agora percebo que, pela primeira vez em muito tempo, penso em Deus ao invés de pensar em sexo. Nunca me senti tão sozinho quanto agora. Costumava falar com Ele reverente e despreocupadamente, todos os dias, ou ao menos quantos dias posso recordar, mas agora estou muito sozinho e escrevo sobre Deus. O afastamento a que cheguei para estar fazendo isso é sintoma do quanto estou caído numa existência cada vez mais mundana. É muito sério ter uma convicção firme de que Deus existe e que se está afastado d’Ele. Na verdade é terrível. A própria vida perece escapar por entre os dedos. Eu desespero. Quando não me sujeito à vontade de Deus, fico sujeito à minha vontade, a qual é cega, sem propósito e jamais poderá ser satisfeita. Me dói pensar que tenha sido louco a ponto de acreditar que a tirania da vontade pudesse apresentar alguma liberdade.

A prisão dessa vontade tirana pode também ser entendida como um exílio. Ficamos obrigados por ela a ir para qualquer lugar, menos aquele mais querido. Nesse sentido, buscar a Deus é como empreender uma jornada de volta para casa. Estar em Deus é como estar em um lugar familiar no qual fomos amados e nutridos. Estar no exílio é estar na solidão, privado da ligação que era a única prova de que há algo além de nós mesmos no mundo. Daí o nome religião: re ligio, re-ligação.

Essa esperança de religação, essa esperança que temos de abandonar o mundo de ilusão e voltar para casa é o que faz a vida tão preciosa. É a negação da nossa vontade, da nossa dor, de todo o mal sobre o qual sempre escrevi e todo o que mais existe.



Campinas, 03 de novembro de 2004

Nenhum comentário: