sexta-feira, novembro 19, 2004

Porque escrevo

Nada realmente bom me ocorreu para falar durante algum tempo, por isso nada escrevi. É bem verdade que se não tiver nada para dizer, uma pessoa deveria mesmo ficar quieta. Muito embora não tenha sempre seguido essa máxima um pouco batida e gasta pelo uso, tenho plena convicção de que ela terá me valido algumas vezes no fim das contas. Mas antes de fazer a matemática da vida que mal comecei, tenho algo para falar sobre o que estou fazendo justamente agora.

Estou aqui de novo. E isso acontece por um motivo (tudo, aliás, acontece por um motivo, já dizia o filósofo, e eu não poderia escapar a esse princípio). O fato novo é um estranho senso de responsabilidade que me tomou de assalto nesses últimos dias. Não imaginei que pudesse acontecer, mas a atividade de escrever simplesmente deixou de ser uma questão de mera opção (embora não o faça sem um certo prazer parte das vezes). A necessidade de escrever não me aflige como um vício, do modo que já ouvi falar que acontece com muitos escritores. Creio que isso se deva à circunstância de que não sou escritor, não sofro angústias em relação ao ofício e nem gozo das prerrogativas da função. Preciso escrever porque sinto que, de alguma forma estou obrigado a colocar pensamentos no papel e ponto final.

O problema de meu raciocínio é que obrigação, “ob ligatio”, ligado a, pressupõe que minha responsabilidade se dê em relação a alguém. A idéia é estar ligado a outra pessoa. Daí vem a pergunta: ligado a quem? Nunca fui buscar fora de mim razão para escrever, não creio que houvesse mesmo motivo além do fato de que era um bom exercício de higiene mental. Agora é uma responsabilidade. Saindo do âmbito do puramente pessoal para algo além do meu controle, que é externo a mim mas não está nos outros. Estou, no mínimo, confuso. E com razão. Continuo, no entanto tentando esclarecer-me.

Quando comecei, falava de responsabilidade e depois de obrigação, mas se não há outro sujeito na relação não poderia se tratar de nada disso. Sinto então que parece ser simplesmente natural estar escrevendo. Seria como se estivesse traindo a ordem das coisas caso me negasse a escrever. Todavia me parece pretensão demais imaginar que o que faço tem algo a ver com a ordem do universo. Tal atividade pode ter muito mais a ver com o mundo ordinário e desprovido de interesse que habitamos e ao qual nos acostumamos. É justamente à medida que nos acostumamos com o mundo que se torna mais necessário que uma pessoa escreva sobre ele. É importante que alguém faça recortes que destaquem os aspectos interessantes das coisas comuns, das vidas dos homens, do que se passa na cabeça deles, do que pode ser interessante no mundo.

Mas também não é o que faço. Até agora só tenho feito falar do que acontece comigo. Já considero esse tanto bastante trabalho, mas não vejo como a minha opinião a meu próprio respeito possa servir a qualquer outra pessoa. Então o que explica minha estranha obrigação que não é obrigação, necessidade que não é necessidade, utilidade inútil, fundamento último do que escrevo?

Não tenho esperança de encontrar resposta. Na dúvida sigo minha primeira diretriz: quando houver algo para dizer, digo. Caso contrário, vou sair a procurar assunto. Na falta de explicação é melhor continuar escrevendo e esperar que a resposta me pegue preparado para tomar nota e finalmente entender por que escrevo.

Nenhum comentário: