Qualquer sentimento é válido?
Se não podemos deixar de sentir o que sentimos isso quer dizer que necessariamente temos ali algo legítimo?
Não tenho, a pesar da tentação que é dar um palpite de leigo sobre algo que não conheço, a pretensão de tratar de qualquer aspecto psicológico, da coisa toda das emoções. Minha formação mal me habilita a ser estagiário de Direito, quanto mais psicólogo. O problema é de natreza bem mais simples.
Um sentimento ou um estado de ânimo deve se reportar a uma causa, creio eu. Se podemos dizer que o sentimento é inevitável, que dizer de suas causas? Quando somos compelidos a sentir, será que podemos evitar as situações que nos levem a tal disposição?
Na maioria das vezes somos levados a evitar o desconforto de modo quase que instintivo, então porque devemos, em relação a esse particular aspecto da vida, o sentimental, nos entregarmos à tirania de algo que, nascido dentro de nós, nos foge ao controle? Deveríamos ser mais cuidadosos? Seria algo autêntico, por outro lado, considerar um sentimento banhado em cuidado e precaução?
Não espero conseguir resposta para esse dilema. Desde que o mundo é mundo pessoas muito melhores do que eu tentaram alcançar respostas para esse problema sem sucesso. O mais interessante é ter chegado a fazer a pergunta, sem o que seria mais uma vítima dos desígnios da minha vontade cega, surda e burra.
Seguindo em frente após o aparte (pessimista como de costume), submeter o que sinto ao que penso é uma postura difícil, primeiro porque exige que eu pense, depois porque exige que sinta menos. Isso se torna especialmente difícil quando a mente que tenta estas operações é tão fértil a ponto de imaginar situações traumáticas e reagir internamente como se estivesse a vivê-las de forma intensa. Pensar e sentir não são opostos irreconciliáveis, simplesmente são aspectos do mesmo homem, mas suas exigências quanto à capacidade humana são tão grnades que é certamente improvável que deixem de obscurecer-se mutuamente quando tentamos executar ambos os atos simultânea e intensamente.
Quando penso, quando realizo o ato de conhecer ou o ato de refletir, estou colocando em segundo plano o ato de sentir. Se posso por esse modo controlar desse modo o que sinto e até quando é algo que não saberia responder. Todavia, o interessante seria perguntar por que se dar ao trabalho.
Evidente que somente um sentimento está de fato a ser tratado aqui, o amor. Se não disse antes foi para quen não fosse de pronto sofrer as conseqüências de se falar sobre o amor, todas aquelas pré concepções. Creio que a essa altura seja seguro dar nome aos bois. Amor entendido aqui como amor romântico em suas formas e falsificações como a paixão e o ciúme. Essas são partes importantes do quebra cabeça que é o relacionamento entre um homem e uma mulher (não sou politicamente correto e nem cara de pau suficiente para fingir que entendo ou considero qualquer outro relacionamento amoroso fora deste esquema), afinal são grande parte do que ocupa o tempo dos casais.
Eu acho que lia T.H. White quando me deparei com alguma coisa que Merlin falava para o jovem Wart a respeito do ato de conhecer. Algo como a importância de conhecer por ser algo que você sempre pode fazer, que jamais lhe será tirado e que lhe ajudará a passar pelos problemas, pela dor, de modo a evitar o sofrimento.
Eu costumava achar que era preciso sofrer. Hoje não posso dizer isso. O sofrimento ensina ao homem o quanto é importante a alegria, porém mais grandioso é desfrutá-la sem jamais tê-la perdido. A angústia é insistir no vício de sofrer de livre e espontânea vontade. Amar pode ser sofrer, mas hoje gostaria de ampliar o rol de possibilidades que o amor traz em si para acrescentar que também existe um prazer e uma plenitude. É sentir-se completo, ainda que não dure.
Antes que perguntem, não estou amando. Tenho medo e não pretendo tomar uma atitude brava ainda, mas é bom saber que a opção existe. Quando houver dor, nada vai restar a fazer senão chorar, quando houver alegria devo rir. Quando me sentir sombrio serei temível, quando estiver triste serei calado. Para tudo haverá tempo, espero poder me livrar do fatalismo de pensar que estou fadado a morrer só e em agonia.
É válido sentir amor? Sim, sempre que for sincero. Acho que no fim das contas, pensar sobre o amor é mais fácil. Mas aí amar fica mais difícil.
domingo, dezembro 26, 2004
quinta-feira, dezembro 16, 2004
Machado
Dado que acabo de publicar algo um pouco estúpido na forma, embora sincero e sentido no conteúdo, tentarei me redimir com uns poucos versos de Antonio Machado, que via a descobrir de maneira improvável lendo Kissinger, e pelo qual vim a me interessar por conta de um artigo de Olavo de Carvalho. Engraçado, até então, de poesia em espanhol eu só havia lido um pouco de Camões...
"En el corazón tenía
la espina de una pasión;
logré arrancármela un día:
ya no siento el corazón."
Antonio Machado
Evidente que o trecho não vai aqui à toa. Para mim está cheio de sentido, mas como não faço diário aqui, esse é o máximo que vou dizer.
"En el corazón tenía
la espina de una pasión;
logré arrancármela un día:
ya no siento el corazón."
Antonio Machado
Evidente que o trecho não vai aqui à toa. Para mim está cheio de sentido, mas como não faço diário aqui, esse é o máximo que vou dizer.
Mambo Jambo
O tempo presente, grávido de uma clareza científica de credibilidade questionável, regido por leis de eficiência e progresso (e ao que parece muito longe de se ver livre das aspirações positivistas do longo século dezenove), flerta também com o místico e o esotérico de forma bastante aberta. Todavia, filtra-se essa experiência sobrenatural por meio de um utilitarismo na busca pelas artes a que se recorre para saber o futuro, autoconhecer-se, encontrar paz interior, canalizar o guia espiritual, o que seja. Tudo se dá em prol de um hedonismo contemporâneo, de um difuso e praticamente indefinível “viver bem” que é resultado de nossa aparente falta de valores e limites e tão mutável quanto a moda.
Todo aparato-esotérico, misterioso, tornou-se objeto de apreciação mercadológica, o que coloca tais práticas bem longe do que se propuseram a ser quando surgiram. Isso para não comentar do que se criou recentemente: emaranhados confusos de aforismos difusos de filosofias diversas e religiões distintas (quando não conflitantes). E há também muito dinheiro nisso tudo. As pessoas que trataram de investigar antigos mistérios e esoterismos a sério parecem ser uma minoria silenciosa diante das máquinas de fazer dinheiro que se constroem calcadas pura e simplesmente num palavrório vazio e na estreiteza de visão do seu público consumidor.
“Eu acredito num poder maior, uma coisa assim indefinível, muito grande, que está em tudo, misteriosa...” São mais e mais pessoas falando algo do gênero e se tratando através de luzes coloridas, fazendo dietas estranhas, falando palavras inventadas que seriam alguma pérola de sabedoria perdida e por aí vai. Aparentemente a falta de valores não extinguiu a necessidade de um anestésico mental que substituísse a absolvição da igreja, sem as necessárias etapas da culpa e do arrependimento. Afinal as novas teorias místicas, filosóficas (num sentido bem chulo do termo) ou religiosas são perfeitamente adaptáveis a qualquer tipo de orientação pessoal de conduta, basta que a pessoa escolha o que melhor lhe serve.
Não me parece que seja algo incompreensível que algumas pessoas entrem em cultos ou seitas para perder seus próprios nomes, na verdade a psicologia explica, mas numa análise mais geral, basta olhar para a maneira como as pessoas são crédulas em relação a um sem número de coisas, desde duendes até os atuais paradigmas científicos. Quais são os critérios de aceitabilidade de idéias por parte da grande maioria das pessoas além da influência da propaganda e dos preconceitos herdados e adquiridos? Mas o problema é justamente saber como fazer para não se deixar influir, mesmo que seja um pouco, por essas manifestações cabais de cretinice em seus mais variados graus. Esse problema tem solução simples de ser nomeada e difícil de ser implementada: seria necessário fazer com que pensassem, coisa que a maioria se recusa a fazer.
O racionalismo nos legou um mundo desligado de Deus, mas não acabou com a necessidade humana de Deus. No vácuo deixado pela religião (e falo aqui da religião ocidental, judaico-cristã, por tratar de um fenômeno ocidental) em fuga dos ataques da ideologia laicizante que parece reinar entre a maior parte da “intelectualidade” inspirada por Marx, Nietszche, Schopenhauer ou sabe-se lá quem, foram se elaborando tantas bobagens mais ou menos salutares, mais ou menos perigosas, que é tarefa, se não impossível, dificílima enumera-las.
Tudo isso me faz pensar se não deveria ter um daqueles selos no carro dizendo “Eu atropelo Duendes!” Seria pouco sensato falar de modo tão genérico se eu não tivesse uma posição formada a respeito do assunto, o fato é que tenho: uma postura religiosa fundada em um critério de tradição, o que é melhor do que podem os meus alvos neste texto dizer, apoiado por algumas incipientes pitadas da pouca filosofia que pude amealhar em tão pouco tempo de leitura (e de vida), mas que seguramente relegam à religião um lugar digno de sua importância na integralidade do que é a vida humana.
Assim sendo, fico obviamente indignado ao ver o que se tem seguido nos dias de hoje (observando do alto dessa tradição religioso-filosófica ocidental que me é tão cara por sua característica tão mais humana e ao mesmo tempo mais divina) sem no entanto poder fazer muito a respeito. Se não consigo convencer alguém a ler um livro decente, a aprender a articular melhor o raciocínio, a conversar sobre alguma coisa problemática não prática, certamente não vou convencer a pessoa a entrar de cabeça num debate religioso minimamente sério a ponto de fazer clara a óbvia justeza de meu ponto de vista. Volto a colocar como motivo o problema endêmico da preguiça mental.
Não sou nenhum idiota para deixar de notar o ranço de arrogância na forma como me expresso aqui, mas há de se convir que, de tempos em tempos, nos sentimos aborrecidos com o estado das coisas em um ou outro campo da vida humana e, por tanto, suficientemente autorizados, não a prescrever comportamentos, mas a criticar certas posturas que me parecem sintomas de nossa decadência enquanto sociedade. Como já disse uma vez um filósofo, não me lembro o nome, numa conversa informal faz alguns anos, “É preciso catequizar esse povo...” Ele não deixa de ter razão, pensando na idéia geral que repousa por trás da frase.
Todo aparato-esotérico, misterioso, tornou-se objeto de apreciação mercadológica, o que coloca tais práticas bem longe do que se propuseram a ser quando surgiram. Isso para não comentar do que se criou recentemente: emaranhados confusos de aforismos difusos de filosofias diversas e religiões distintas (quando não conflitantes). E há também muito dinheiro nisso tudo. As pessoas que trataram de investigar antigos mistérios e esoterismos a sério parecem ser uma minoria silenciosa diante das máquinas de fazer dinheiro que se constroem calcadas pura e simplesmente num palavrório vazio e na estreiteza de visão do seu público consumidor.
“Eu acredito num poder maior, uma coisa assim indefinível, muito grande, que está em tudo, misteriosa...” São mais e mais pessoas falando algo do gênero e se tratando através de luzes coloridas, fazendo dietas estranhas, falando palavras inventadas que seriam alguma pérola de sabedoria perdida e por aí vai. Aparentemente a falta de valores não extinguiu a necessidade de um anestésico mental que substituísse a absolvição da igreja, sem as necessárias etapas da culpa e do arrependimento. Afinal as novas teorias místicas, filosóficas (num sentido bem chulo do termo) ou religiosas são perfeitamente adaptáveis a qualquer tipo de orientação pessoal de conduta, basta que a pessoa escolha o que melhor lhe serve.
Não me parece que seja algo incompreensível que algumas pessoas entrem em cultos ou seitas para perder seus próprios nomes, na verdade a psicologia explica, mas numa análise mais geral, basta olhar para a maneira como as pessoas são crédulas em relação a um sem número de coisas, desde duendes até os atuais paradigmas científicos. Quais são os critérios de aceitabilidade de idéias por parte da grande maioria das pessoas além da influência da propaganda e dos preconceitos herdados e adquiridos? Mas o problema é justamente saber como fazer para não se deixar influir, mesmo que seja um pouco, por essas manifestações cabais de cretinice em seus mais variados graus. Esse problema tem solução simples de ser nomeada e difícil de ser implementada: seria necessário fazer com que pensassem, coisa que a maioria se recusa a fazer.
O racionalismo nos legou um mundo desligado de Deus, mas não acabou com a necessidade humana de Deus. No vácuo deixado pela religião (e falo aqui da religião ocidental, judaico-cristã, por tratar de um fenômeno ocidental) em fuga dos ataques da ideologia laicizante que parece reinar entre a maior parte da “intelectualidade” inspirada por Marx, Nietszche, Schopenhauer ou sabe-se lá quem, foram se elaborando tantas bobagens mais ou menos salutares, mais ou menos perigosas, que é tarefa, se não impossível, dificílima enumera-las.
Tudo isso me faz pensar se não deveria ter um daqueles selos no carro dizendo “Eu atropelo Duendes!” Seria pouco sensato falar de modo tão genérico se eu não tivesse uma posição formada a respeito do assunto, o fato é que tenho: uma postura religiosa fundada em um critério de tradição, o que é melhor do que podem os meus alvos neste texto dizer, apoiado por algumas incipientes pitadas da pouca filosofia que pude amealhar em tão pouco tempo de leitura (e de vida), mas que seguramente relegam à religião um lugar digno de sua importância na integralidade do que é a vida humana.
Assim sendo, fico obviamente indignado ao ver o que se tem seguido nos dias de hoje (observando do alto dessa tradição religioso-filosófica ocidental que me é tão cara por sua característica tão mais humana e ao mesmo tempo mais divina) sem no entanto poder fazer muito a respeito. Se não consigo convencer alguém a ler um livro decente, a aprender a articular melhor o raciocínio, a conversar sobre alguma coisa problemática não prática, certamente não vou convencer a pessoa a entrar de cabeça num debate religioso minimamente sério a ponto de fazer clara a óbvia justeza de meu ponto de vista. Volto a colocar como motivo o problema endêmico da preguiça mental.
Não sou nenhum idiota para deixar de notar o ranço de arrogância na forma como me expresso aqui, mas há de se convir que, de tempos em tempos, nos sentimos aborrecidos com o estado das coisas em um ou outro campo da vida humana e, por tanto, suficientemente autorizados, não a prescrever comportamentos, mas a criticar certas posturas que me parecem sintomas de nossa decadência enquanto sociedade. Como já disse uma vez um filósofo, não me lembro o nome, numa conversa informal faz alguns anos, “É preciso catequizar esse povo...” Ele não deixa de ter razão, pensando na idéia geral que repousa por trás da frase.
sábado, dezembro 11, 2004
Poesia e Prosa.
A melhor prosa é aquela que se pretende poesia. Ela flui da pena como que por milagre, sem o menor receio de não ser clara, embora seja, de não ser útil, embora seja, de não ser nada, enquanto trata de tudo que nos concerne enquanto humanos, pois como ela temos necessidade de poesia.
Essa prosa canta o amor como quem ama, sem floreios inúteis mas com a pretensão de se fazer bela para receber o amor. A prosa que ama não é nunca só por ter quem leia suas linhas em adoração extática e, sem poder agüentar dentro de si tanto sentimento, suspira.
A prosa que quer ser poesia é como o homem que senta em seu banco ao cair da tarde, acende um cigarro, olha para o mar e, ao ver a mulher que bem sabe que vai amar para o resto de sua vida, deseja ser o mar para abraçá-la. Esse suspiro entre a calma e o desejo é fundamental. É o exato momento em que a poesia nasce. Mas assim como o homem não é mar, logo a poesia percebe que será meramente prosa, com essa doce memória do que poderia ter sido. Enquanto o homem será a partir dali a sombra do que poderia ter sido se tivesse de fato amado a mulher logo após o suspiro.
A prosa que se pretende poesia, pretende ter sido poesia, mas não pretende mudar. O desejo de algo que não se foi, a única escolha que não se fez, é o que acomete a melhor prosa. Do mesmo modo acomete o homem, que sabe de sua natureza tola, delicada diante do mundo quando, na verdade, queria ser dele senhor. E o homem, como a prosa que faz, sente o desejo de poesia.
A beleza e o poder são as coisas mais impressionantes que podemos perceber. Não há quem não os sinta. Por essa razão a poesia nos é tão cara. Ela sintetiza o que nos toca, bela e fugaz, poderosa ao mesmo tempo que frágil, cálida e álgida conforme nossos próprios corações e mentes.
Proseio porque a poesia que possuo não tem palavras para se expressar. E eu, pobre de mim, não posso emprestar-lhe as minhas. O meu desejo de poesia é uma constante necessidade metafísica do belo. Como ela me escapa, busco ter, de beleza em minha vida, uma mulher. Como ela me escapa, sinto então novamente um desejo de poesia.
E eu mesmo permaneço prosa. Uma longa crônica de meus feitos pífios, das pegadas que deixo na areia do tempo. Sou como o homem que acende um cigarro, senta no banco e olha o tempo escorrer por entre os dedos, e a vida escorrer por entre os dedos, sem nem tentar fechar a mão. A vida passa, e por fim suprimos o desejo. Temos em nossa morte uma primeira e última poesia triste.
Essa prosa canta o amor como quem ama, sem floreios inúteis mas com a pretensão de se fazer bela para receber o amor. A prosa que ama não é nunca só por ter quem leia suas linhas em adoração extática e, sem poder agüentar dentro de si tanto sentimento, suspira.
A prosa que quer ser poesia é como o homem que senta em seu banco ao cair da tarde, acende um cigarro, olha para o mar e, ao ver a mulher que bem sabe que vai amar para o resto de sua vida, deseja ser o mar para abraçá-la. Esse suspiro entre a calma e o desejo é fundamental. É o exato momento em que a poesia nasce. Mas assim como o homem não é mar, logo a poesia percebe que será meramente prosa, com essa doce memória do que poderia ter sido. Enquanto o homem será a partir dali a sombra do que poderia ter sido se tivesse de fato amado a mulher logo após o suspiro.
A prosa que se pretende poesia, pretende ter sido poesia, mas não pretende mudar. O desejo de algo que não se foi, a única escolha que não se fez, é o que acomete a melhor prosa. Do mesmo modo acomete o homem, que sabe de sua natureza tola, delicada diante do mundo quando, na verdade, queria ser dele senhor. E o homem, como a prosa que faz, sente o desejo de poesia.
A beleza e o poder são as coisas mais impressionantes que podemos perceber. Não há quem não os sinta. Por essa razão a poesia nos é tão cara. Ela sintetiza o que nos toca, bela e fugaz, poderosa ao mesmo tempo que frágil, cálida e álgida conforme nossos próprios corações e mentes.
Proseio porque a poesia que possuo não tem palavras para se expressar. E eu, pobre de mim, não posso emprestar-lhe as minhas. O meu desejo de poesia é uma constante necessidade metafísica do belo. Como ela me escapa, busco ter, de beleza em minha vida, uma mulher. Como ela me escapa, sinto então novamente um desejo de poesia.
E eu mesmo permaneço prosa. Uma longa crônica de meus feitos pífios, das pegadas que deixo na areia do tempo. Sou como o homem que acende um cigarro, senta no banco e olha o tempo escorrer por entre os dedos, e a vida escorrer por entre os dedos, sem nem tentar fechar a mão. A vida passa, e por fim suprimos o desejo. Temos em nossa morte uma primeira e última poesia triste.
quinta-feira, dezembro 09, 2004
Uma Semana
Mal posso crer que já faz uma semana. Estou sem escrever desde semana passada, neste mesmo dia chuvoso e cinzento, se bem me recordo. Isso simplesmente poderia fornecer a alguém elementos para refutar minha tese sobre porque escrevo, que está publicada um pouco antes, mas não se trata disso. Eu tenho passado muito tempo estudando para provas e escrevendo um trabalho de Filosofia do Direito que será oportunamente publicado num outro blog que por enquanto permanecerá somente para testes já que o que vai para lá vai sem revisão.
De todo modo, a pesar de não ter dito mais nada sobre nada durante uma semana voltei, como um marido infiel retorna ao lar depois de uma noite insone jogando cartas e convivendo com prostitutas da pior espécie. Que fique claro que esta analogia não se trata de uma confissão, jamais convivi com prostitutas da pior espécie, ao menos não profissionais.
O mais interessante é que esse volteio verbal acaba servindo, como muitas vezes antes já aconteceu, para encobrir minha total falta de assunto. O fato é que estou relativamente feliz e um pouco ocupado e nada interessante me ocorre, ou ao menos nada tão interessante me ocorre nesses momentos quanto quando estou me sentindo um miserável. Mas ainda vou aprender a escrever sobre coisas mais leves como algodão doce e papel de seda.
(Se bem que há quem consiga aliar as coisas. Belle and Sebastian, por exemplo faz sempre aquelas músicas bonitinhas mas boa parte delas tem um não-sei-o-que de depressivo. Não é grande surpresa então que eu tenha quase todos os CD's da banda).
Se não posso reclamar das mulheres, dos livros, do novo sucesso do Latino ou do preço do dólar do que diabos eu posso falar? Dos dias de glória? Só tenho vinte e um anos, sobre Cowboy bebop, o melhor deseno animado já produzido? Aí pareceria que tenho doze anos (oque não passa tão longe de uma verdade mais profunda...). Deveria eu então elaborar um comentário sobvre mais uma obra prima do Jazz? Isso envolve um tempo que não me disponho a gastar agora.
Existem certas coisas que não entendo. Uma delas é a fantástica capacidade dos homens de encontrarem sempre algum motivo para reclamar. Eu estou aqui sentado faz uma meia hora reclamando (com maior ou menor intensidade, o que não me compete julgar, mas reclamando) da absoluta falta do que reclamar. O que é que me deixa tão inquieto no exato momento em que tudo está sob controle e nada de terrível aconteceu. Quero dizer aqui que nem ao menos era minha intenção chegar a uma conclusão como essa mas acho que Schopenhauer sabeia do que estava falando sobre a vontade jamais se satisfazer. Eu preciso de combustível para reclamar neste espaço sobre alguma coisa, caso contrário vou ter que começar a citar poesia alheia novamente (o que não seria mal se eu estivesse lendo poesia ultimamente e achasse algo para citar).
Tudo bem, não estou com a menor intenção de sair desse vazio de problemas que é tão confortável e quentinho, mas o diabo é que eu até que estava me divertindo enquanto esta infeliz. Ainda bem que com essas festividades de Ano Novo chegando eu vou poder voltar a me sentir mal por ainda estar solteiro e arranjar motivo para beber e desancar as mulheres que não me quiseram e também aquelas que quiseram mas não devriam ter querido (muito embora pareça crueldade é muito difícil rejeitar uma mulher, existem repercussões terríveis até para os mais valorosos de nós).
Voltarei a escrever quando estiver com um tema melhor em mente. Até então vou dar um jeito de arranjar um texto antigo de quando eu era mais triste. É o jeito. Mas não vejo problema algum em haver escrito isso aqui. Valeu o exercício.
De todo modo, a pesar de não ter dito mais nada sobre nada durante uma semana voltei, como um marido infiel retorna ao lar depois de uma noite insone jogando cartas e convivendo com prostitutas da pior espécie. Que fique claro que esta analogia não se trata de uma confissão, jamais convivi com prostitutas da pior espécie, ao menos não profissionais.
O mais interessante é que esse volteio verbal acaba servindo, como muitas vezes antes já aconteceu, para encobrir minha total falta de assunto. O fato é que estou relativamente feliz e um pouco ocupado e nada interessante me ocorre, ou ao menos nada tão interessante me ocorre nesses momentos quanto quando estou me sentindo um miserável. Mas ainda vou aprender a escrever sobre coisas mais leves como algodão doce e papel de seda.
(Se bem que há quem consiga aliar as coisas. Belle and Sebastian, por exemplo faz sempre aquelas músicas bonitinhas mas boa parte delas tem um não-sei-o-que de depressivo. Não é grande surpresa então que eu tenha quase todos os CD's da banda).
Se não posso reclamar das mulheres, dos livros, do novo sucesso do Latino ou do preço do dólar do que diabos eu posso falar? Dos dias de glória? Só tenho vinte e um anos, sobre Cowboy bebop, o melhor deseno animado já produzido? Aí pareceria que tenho doze anos (oque não passa tão longe de uma verdade mais profunda...). Deveria eu então elaborar um comentário sobvre mais uma obra prima do Jazz? Isso envolve um tempo que não me disponho a gastar agora.
Existem certas coisas que não entendo. Uma delas é a fantástica capacidade dos homens de encontrarem sempre algum motivo para reclamar. Eu estou aqui sentado faz uma meia hora reclamando (com maior ou menor intensidade, o que não me compete julgar, mas reclamando) da absoluta falta do que reclamar. O que é que me deixa tão inquieto no exato momento em que tudo está sob controle e nada de terrível aconteceu. Quero dizer aqui que nem ao menos era minha intenção chegar a uma conclusão como essa mas acho que Schopenhauer sabeia do que estava falando sobre a vontade jamais se satisfazer. Eu preciso de combustível para reclamar neste espaço sobre alguma coisa, caso contrário vou ter que começar a citar poesia alheia novamente (o que não seria mal se eu estivesse lendo poesia ultimamente e achasse algo para citar).
Tudo bem, não estou com a menor intenção de sair desse vazio de problemas que é tão confortável e quentinho, mas o diabo é que eu até que estava me divertindo enquanto esta infeliz. Ainda bem que com essas festividades de Ano Novo chegando eu vou poder voltar a me sentir mal por ainda estar solteiro e arranjar motivo para beber e desancar as mulheres que não me quiseram e também aquelas que quiseram mas não devriam ter querido (muito embora pareça crueldade é muito difícil rejeitar uma mulher, existem repercussões terríveis até para os mais valorosos de nós).
Voltarei a escrever quando estiver com um tema melhor em mente. Até então vou dar um jeito de arranjar um texto antigo de quando eu era mais triste. É o jeito. Mas não vejo problema algum em haver escrito isso aqui. Valeu o exercício.
sexta-feira, dezembro 03, 2004
Pessimismo, como se fosse alguma novidade...
Estou aqui em uma nova noite insone refletindo sobre a vacuidade dos meus últimos dias. Nada parece me satizfazer. Quando consigo o que quero, subtamente o que queria se desfaz, perde seu valor. Houve um tempo em que nutri a ilusão de que satisfazer algumas aspirações modestas bastaria, mas a coisa está ficando apertada. Nada compensa quando no fim das contas você está sozinho à noite escutando nada além dos próprios pensamentos.
Meus pensamentos, como se já não fosse claro, tem uma disposição diversa da minha costumeira fachada de alegria constante. O senso de realização pueril que tanto me animava já não está surtindo o efeito de antes. Minha irresponsabilidade, minha vontade de aproveitar esses dias de garoto novo, nada disso satisfaz. Como não sou dado a vícios acabo sempre nessa situação de não saber mais o que querer, o que procurar.
Meu consolo é que de vez em quando ainda posso rever os amigos. Eles dão um senso de que não estou só no mundo. Menos pelo apoio formal que dão e mais pelo fato de que parecem mais ou menos perdidos do que eu. Fora os loucos, esses não estão perdidos, estão simplesmente além de qualquer possibilidade de análise, excluídos de qulaquer observação racional.
Os cães ladram e a caravana passa... Eu queria lembrar quem foi que escreveu isso. Parece que não há nada mais pertinente para definir o que sinto agora. O mundo segue o curso que sempre seguiu e eu estou aqui procurando sentido onde não há. Nada faz menos sentido do que aquilo que é grande demais pra compreender. Como o mundo. Minha cabeça não poderia estar mais sobrecarregada do que agora.
Era mais fácil qunado eu passava os dias sonhando acordado. Eu sabia bem que queria o que não ia ter e pronto. Quanto mais as coisas se tornam possíveis, quano mais real o mundo, menos eu me encaixo nele. Me sinto um adolescente de novo. Talvez eu nunca tenha deixado de ser um.
Minhas missões, minhas determinações, hoje à noite parecem estar todas vencidas. Eu as derrotei agora antes que me frusrtasse. Nada tão triste ou tão irremediável, provávelmente vei melhorar pela manhã, mas sempre considero importante, quando estou feliz, lembrar de quando não estava. É algo que te dá uma perspectiva interessante sobre as coisas. Pouca gente pensa assim hoje, essa minha geração vive meramente em busca do prazer imediato. Na verdade eu também sou um pouco assim, mas a diferença é que percebo, nesses raros momentos de lucidez, o quanto tal existência é espúria. Eu me recuso a parar de pensar, me sinto culpado por me meter a fazer o que pura e simplesmente quero. Fui criado para fazer o que devo. É mais ou menos como a diferença entre viver e aproveitar a vida, são coisas diferentes, viver é mais penoso. Ainda não inventaram atividade tão autêntica, pessoal, única quanto viver. Por isso vivo, penso, e, por pior que possa parecer, ainda sonho. Quero poder olhar de longe para a multidão, sabendo que no fundo, ainda que por razões que só eu conheça, não fui um medíocre conviva que veio para a festa mas que, no meio da festividade, parei e me perguntei exatamente qual era a ocasião celebrada. Meu medo é que a festa acabe e a resposta não me ocorra.
Só para constar, a metáfora da vida como festa está batida, eu sei, mas não me ocorreu nada criativo, hoje não é dia de querer fazer nada brilhante. Diante do que sinto, seria um despropósito.
P.S. Após publicar o post descobri que a frase: Os cães ladram e a caravana passa" ou, como vim a ver na tradução para o inglês:"Dogs bark, but the caravan goes on", é um provérbio turco aparentemente antigo. O deserto é um lugar bonito, muito embora não haja nada lá. Como dizia o herói do filme, "It is clean", esse tanto basta. Essa coisa das caravanas sempre me lembra Lawrence da Arábia, romântico que sou, pensando em tempos mais evocativos do que a realidade, mesmo naquele tempo, jamais foi. Bem, era o que me cumpria acrescentar.
Meus pensamentos, como se já não fosse claro, tem uma disposição diversa da minha costumeira fachada de alegria constante. O senso de realização pueril que tanto me animava já não está surtindo o efeito de antes. Minha irresponsabilidade, minha vontade de aproveitar esses dias de garoto novo, nada disso satisfaz. Como não sou dado a vícios acabo sempre nessa situação de não saber mais o que querer, o que procurar.
Meu consolo é que de vez em quando ainda posso rever os amigos. Eles dão um senso de que não estou só no mundo. Menos pelo apoio formal que dão e mais pelo fato de que parecem mais ou menos perdidos do que eu. Fora os loucos, esses não estão perdidos, estão simplesmente além de qualquer possibilidade de análise, excluídos de qulaquer observação racional.
Os cães ladram e a caravana passa... Eu queria lembrar quem foi que escreveu isso. Parece que não há nada mais pertinente para definir o que sinto agora. O mundo segue o curso que sempre seguiu e eu estou aqui procurando sentido onde não há. Nada faz menos sentido do que aquilo que é grande demais pra compreender. Como o mundo. Minha cabeça não poderia estar mais sobrecarregada do que agora.
Era mais fácil qunado eu passava os dias sonhando acordado. Eu sabia bem que queria o que não ia ter e pronto. Quanto mais as coisas se tornam possíveis, quano mais real o mundo, menos eu me encaixo nele. Me sinto um adolescente de novo. Talvez eu nunca tenha deixado de ser um.
Minhas missões, minhas determinações, hoje à noite parecem estar todas vencidas. Eu as derrotei agora antes que me frusrtasse. Nada tão triste ou tão irremediável, provávelmente vei melhorar pela manhã, mas sempre considero importante, quando estou feliz, lembrar de quando não estava. É algo que te dá uma perspectiva interessante sobre as coisas. Pouca gente pensa assim hoje, essa minha geração vive meramente em busca do prazer imediato. Na verdade eu também sou um pouco assim, mas a diferença é que percebo, nesses raros momentos de lucidez, o quanto tal existência é espúria. Eu me recuso a parar de pensar, me sinto culpado por me meter a fazer o que pura e simplesmente quero. Fui criado para fazer o que devo. É mais ou menos como a diferença entre viver e aproveitar a vida, são coisas diferentes, viver é mais penoso. Ainda não inventaram atividade tão autêntica, pessoal, única quanto viver. Por isso vivo, penso, e, por pior que possa parecer, ainda sonho. Quero poder olhar de longe para a multidão, sabendo que no fundo, ainda que por razões que só eu conheça, não fui um medíocre conviva que veio para a festa mas que, no meio da festividade, parei e me perguntei exatamente qual era a ocasião celebrada. Meu medo é que a festa acabe e a resposta não me ocorra.
Só para constar, a metáfora da vida como festa está batida, eu sei, mas não me ocorreu nada criativo, hoje não é dia de querer fazer nada brilhante. Diante do que sinto, seria um despropósito.
P.S. Após publicar o post descobri que a frase: Os cães ladram e a caravana passa" ou, como vim a ver na tradução para o inglês:"Dogs bark, but the caravan goes on", é um provérbio turco aparentemente antigo. O deserto é um lugar bonito, muito embora não haja nada lá. Como dizia o herói do filme, "It is clean", esse tanto basta. Essa coisa das caravanas sempre me lembra Lawrence da Arábia, romântico que sou, pensando em tempos mais evocativos do que a realidade, mesmo naquele tempo, jamais foi. Bem, era o que me cumpria acrescentar.
terça-feira, novembro 23, 2004
Novidades dos 50's
Em termos de música existem três acontecimentos que foram essenciais em minha vida. Não fosse por eles eu certamente não seria o mesmo. Os três foram, em ordem cronológica, O Concierto de Aranjuez de Rodrigo, Kind of Blue de Miles Davis e finalmente a mais recente adição ao panteão: Time Out, do Dave Brubeck Quartet.
Imagine um garoto interiorano, caipira mesmo, com uma grande paixão por piano e objetivo muito claro na vida: crescer para virar vaqueiro. Dave iria cuidar da fazenda do pai e criar gado, até que um dia recebeu sua convocação para participar do esforço norte-americano de guerra contra o nazismo. Para a sorte dele, e para a minha, anos depois, a missão que recebeu foi participar de uma banda de jazz que iria entreter as tropas durante a campanha.
Gosto bastante dessa história, não só por que conheço bem o que passa pela cabeça de um garoto caipira (como só um garoto caipira podera conhecer), como me agrada a leveza com que o pianista Dave Brubeck a conta, o sorriso no rosto, a mesma leveza com a qual ele interpreta suas músicas.
A música de Brubeck soa extremamente moderna, para mim ao menos. Parece o tipo de música que as pessoas iriam ouvir no futuro, com seus ritmos sempre mudando e surpreendendo, com belas melodias, sem drama, sem dor, sem raiva... Ouço a música sentindo uma certa nostalgia de um tempo que não foi o meu. Mas parece perfeitamente natural para mim empreender essa viagem, afinal me sinto constantemente preso a esse tempo que não é o meu. A velocidade das mudanças, a falta de limites de cada geração que chega, a falta de... elegância, de ritmo (ou de swing, como queira), são males da era atual aos quais não vou nunca me acostumar. Isso e a comida de microondas.
Sempre ouço dos amigos que falo de modo um pouco anacrônico, como quem lê um discurso. Falo mais ou menos como escrevo, o que sempre parece estranho, especialmente em ocasiões que não pedem nada desse formalismo. Em qualquer ocasião acabo fazendo isso porque sempre me parece a maneira de tornar mais claro o sentido que pretendo transmitir. É justamente este atributo que transborda na música de Brubeck: clareza. Ela soa límpida, complexa e ainda sim agradável, inteligente, como deveriam ser todas as idéias, não só as musicais.
Time Out é uma album pouco usual dentro do jazz de sua época, foi lançado em 1959, pelas escolhas de ritmo feitas pelo quarteto para suas músicas. Somos constantemente surpreendidos pela mudança de ritmo, porém nem de longe somos tomados por confusão ou desnorteamento (o que é muito comum na música contemporânea de cunho vanguardista), o ritmo cambiante parece perfeitamente natural quando executado por mãos tão hábeis. Bem antes das incompreensíveis revoluções do free jazz, enquanto Miles Davis ainda fazia seu delicioso cool interpretando baladas românticas, Dave Brubeck e seu quarteto mostravam algo novo, inusitado e surpreendentemente criaram ao mesmo tempo um album clássico e popular.
Em todas as formas de arte essa é uma combinação rara. A inspiração nem sempre obedece à percepção do que o público esteja pronto para ouvir. Tal confluência só adiciona mais sabor à mistura ritmica e melódica que faz desse um disco tão gostoso de ouvir e ao mesmo tempo tão desafiador enquanto ideal artístico.
Agora algumas considerações de natureza diversa.
A importância de Time Out no plano pessoal se traduz no fato de que, como idéia, compreendi algo do album e tentei não só traduzir em palavras o que percebi, mas também assimilei muito do que escutei num nível mais... subcutâneo, por assim dizer. O meu encontro com essa espécie de música me deixou mais afastado do pessimismo dramático normalmente reinante em minha cabeça. Esse distanciamento me faz sentir tão aliviado que mal posso descrever o quanto.
O mais interessante é que pude ver como uma idéia musical pode ser valiosa, não para fins terapêuticos ou para diversão pura e simples mas no campo intelectual. Esse tipo de percepção nem sempre me acompanhou, especialmente quando a música me falava muito prontamente de emoções que eu, por meu lado, já estava predisposto a abrigar.
O último ponto que me falta percorrer nesse pequeno e irregular itinerário mental é certamente dizer que essas músicas que tanto me agradaram não tratam de amor, como Blue in Green ou Kathy's Song. E isso não me faz a menor falta. Sempre me considerei a cima de tudo um romântico e agora me descubro envolvido pelos prazeres de algo novo. Talvez seja por causa de Time Out que eu já não esteja mais clamando aos céus por algum novo insight sobre a mente feminina. Espero que dure um pouco antes que eu volte a ouvir aquelas canções tristes outra vez. Até lá é relaxar e aproveitar o passeio.
P.S. Eventualmente escrevo algo sobre Rodrigo também. Afinal ele é um dos mais emblemáticos representantes do que aconteceu de bom no século vinte.
Imagine um garoto interiorano, caipira mesmo, com uma grande paixão por piano e objetivo muito claro na vida: crescer para virar vaqueiro. Dave iria cuidar da fazenda do pai e criar gado, até que um dia recebeu sua convocação para participar do esforço norte-americano de guerra contra o nazismo. Para a sorte dele, e para a minha, anos depois, a missão que recebeu foi participar de uma banda de jazz que iria entreter as tropas durante a campanha.
Gosto bastante dessa história, não só por que conheço bem o que passa pela cabeça de um garoto caipira (como só um garoto caipira podera conhecer), como me agrada a leveza com que o pianista Dave Brubeck a conta, o sorriso no rosto, a mesma leveza com a qual ele interpreta suas músicas.
A música de Brubeck soa extremamente moderna, para mim ao menos. Parece o tipo de música que as pessoas iriam ouvir no futuro, com seus ritmos sempre mudando e surpreendendo, com belas melodias, sem drama, sem dor, sem raiva... Ouço a música sentindo uma certa nostalgia de um tempo que não foi o meu. Mas parece perfeitamente natural para mim empreender essa viagem, afinal me sinto constantemente preso a esse tempo que não é o meu. A velocidade das mudanças, a falta de limites de cada geração que chega, a falta de... elegância, de ritmo (ou de swing, como queira), são males da era atual aos quais não vou nunca me acostumar. Isso e a comida de microondas.
Sempre ouço dos amigos que falo de modo um pouco anacrônico, como quem lê um discurso. Falo mais ou menos como escrevo, o que sempre parece estranho, especialmente em ocasiões que não pedem nada desse formalismo. Em qualquer ocasião acabo fazendo isso porque sempre me parece a maneira de tornar mais claro o sentido que pretendo transmitir. É justamente este atributo que transborda na música de Brubeck: clareza. Ela soa límpida, complexa e ainda sim agradável, inteligente, como deveriam ser todas as idéias, não só as musicais.
Time Out é uma album pouco usual dentro do jazz de sua época, foi lançado em 1959, pelas escolhas de ritmo feitas pelo quarteto para suas músicas. Somos constantemente surpreendidos pela mudança de ritmo, porém nem de longe somos tomados por confusão ou desnorteamento (o que é muito comum na música contemporânea de cunho vanguardista), o ritmo cambiante parece perfeitamente natural quando executado por mãos tão hábeis. Bem antes das incompreensíveis revoluções do free jazz, enquanto Miles Davis ainda fazia seu delicioso cool interpretando baladas românticas, Dave Brubeck e seu quarteto mostravam algo novo, inusitado e surpreendentemente criaram ao mesmo tempo um album clássico e popular.
Em todas as formas de arte essa é uma combinação rara. A inspiração nem sempre obedece à percepção do que o público esteja pronto para ouvir. Tal confluência só adiciona mais sabor à mistura ritmica e melódica que faz desse um disco tão gostoso de ouvir e ao mesmo tempo tão desafiador enquanto ideal artístico.
Agora algumas considerações de natureza diversa.
A importância de Time Out no plano pessoal se traduz no fato de que, como idéia, compreendi algo do album e tentei não só traduzir em palavras o que percebi, mas também assimilei muito do que escutei num nível mais... subcutâneo, por assim dizer. O meu encontro com essa espécie de música me deixou mais afastado do pessimismo dramático normalmente reinante em minha cabeça. Esse distanciamento me faz sentir tão aliviado que mal posso descrever o quanto.
O mais interessante é que pude ver como uma idéia musical pode ser valiosa, não para fins terapêuticos ou para diversão pura e simples mas no campo intelectual. Esse tipo de percepção nem sempre me acompanhou, especialmente quando a música me falava muito prontamente de emoções que eu, por meu lado, já estava predisposto a abrigar.
O último ponto que me falta percorrer nesse pequeno e irregular itinerário mental é certamente dizer que essas músicas que tanto me agradaram não tratam de amor, como Blue in Green ou Kathy's Song. E isso não me faz a menor falta. Sempre me considerei a cima de tudo um romântico e agora me descubro envolvido pelos prazeres de algo novo. Talvez seja por causa de Time Out que eu já não esteja mais clamando aos céus por algum novo insight sobre a mente feminina. Espero que dure um pouco antes que eu volte a ouvir aquelas canções tristes outra vez. Até lá é relaxar e aproveitar o passeio.
P.S. Eventualmente escrevo algo sobre Rodrigo também. Afinal ele é um dos mais emblemáticos representantes do que aconteceu de bom no século vinte.
sexta-feira, novembro 19, 2004
Porque escrevo
Nada realmente bom me ocorreu para falar durante algum tempo, por isso nada escrevi. É bem verdade que se não tiver nada para dizer, uma pessoa deveria mesmo ficar quieta. Muito embora não tenha sempre seguido essa máxima um pouco batida e gasta pelo uso, tenho plena convicção de que ela terá me valido algumas vezes no fim das contas. Mas antes de fazer a matemática da vida que mal comecei, tenho algo para falar sobre o que estou fazendo justamente agora.
Estou aqui de novo. E isso acontece por um motivo (tudo, aliás, acontece por um motivo, já dizia o filósofo, e eu não poderia escapar a esse princípio). O fato novo é um estranho senso de responsabilidade que me tomou de assalto nesses últimos dias. Não imaginei que pudesse acontecer, mas a atividade de escrever simplesmente deixou de ser uma questão de mera opção (embora não o faça sem um certo prazer parte das vezes). A necessidade de escrever não me aflige como um vício, do modo que já ouvi falar que acontece com muitos escritores. Creio que isso se deva à circunstância de que não sou escritor, não sofro angústias em relação ao ofício e nem gozo das prerrogativas da função. Preciso escrever porque sinto que, de alguma forma estou obrigado a colocar pensamentos no papel e ponto final.
O problema de meu raciocínio é que obrigação, “ob ligatio”, ligado a, pressupõe que minha responsabilidade se dê em relação a alguém. A idéia é estar ligado a outra pessoa. Daí vem a pergunta: ligado a quem? Nunca fui buscar fora de mim razão para escrever, não creio que houvesse mesmo motivo além do fato de que era um bom exercício de higiene mental. Agora é uma responsabilidade. Saindo do âmbito do puramente pessoal para algo além do meu controle, que é externo a mim mas não está nos outros. Estou, no mínimo, confuso. E com razão. Continuo, no entanto tentando esclarecer-me.
Quando comecei, falava de responsabilidade e depois de obrigação, mas se não há outro sujeito na relação não poderia se tratar de nada disso. Sinto então que parece ser simplesmente natural estar escrevendo. Seria como se estivesse traindo a ordem das coisas caso me negasse a escrever. Todavia me parece pretensão demais imaginar que o que faço tem algo a ver com a ordem do universo. Tal atividade pode ter muito mais a ver com o mundo ordinário e desprovido de interesse que habitamos e ao qual nos acostumamos. É justamente à medida que nos acostumamos com o mundo que se torna mais necessário que uma pessoa escreva sobre ele. É importante que alguém faça recortes que destaquem os aspectos interessantes das coisas comuns, das vidas dos homens, do que se passa na cabeça deles, do que pode ser interessante no mundo.
Mas também não é o que faço. Até agora só tenho feito falar do que acontece comigo. Já considero esse tanto bastante trabalho, mas não vejo como a minha opinião a meu próprio respeito possa servir a qualquer outra pessoa. Então o que explica minha estranha obrigação que não é obrigação, necessidade que não é necessidade, utilidade inútil, fundamento último do que escrevo?
Não tenho esperança de encontrar resposta. Na dúvida sigo minha primeira diretriz: quando houver algo para dizer, digo. Caso contrário, vou sair a procurar assunto. Na falta de explicação é melhor continuar escrevendo e esperar que a resposta me pegue preparado para tomar nota e finalmente entender por que escrevo.
Estou aqui de novo. E isso acontece por um motivo (tudo, aliás, acontece por um motivo, já dizia o filósofo, e eu não poderia escapar a esse princípio). O fato novo é um estranho senso de responsabilidade que me tomou de assalto nesses últimos dias. Não imaginei que pudesse acontecer, mas a atividade de escrever simplesmente deixou de ser uma questão de mera opção (embora não o faça sem um certo prazer parte das vezes). A necessidade de escrever não me aflige como um vício, do modo que já ouvi falar que acontece com muitos escritores. Creio que isso se deva à circunstância de que não sou escritor, não sofro angústias em relação ao ofício e nem gozo das prerrogativas da função. Preciso escrever porque sinto que, de alguma forma estou obrigado a colocar pensamentos no papel e ponto final.
O problema de meu raciocínio é que obrigação, “ob ligatio”, ligado a, pressupõe que minha responsabilidade se dê em relação a alguém. A idéia é estar ligado a outra pessoa. Daí vem a pergunta: ligado a quem? Nunca fui buscar fora de mim razão para escrever, não creio que houvesse mesmo motivo além do fato de que era um bom exercício de higiene mental. Agora é uma responsabilidade. Saindo do âmbito do puramente pessoal para algo além do meu controle, que é externo a mim mas não está nos outros. Estou, no mínimo, confuso. E com razão. Continuo, no entanto tentando esclarecer-me.
Quando comecei, falava de responsabilidade e depois de obrigação, mas se não há outro sujeito na relação não poderia se tratar de nada disso. Sinto então que parece ser simplesmente natural estar escrevendo. Seria como se estivesse traindo a ordem das coisas caso me negasse a escrever. Todavia me parece pretensão demais imaginar que o que faço tem algo a ver com a ordem do universo. Tal atividade pode ter muito mais a ver com o mundo ordinário e desprovido de interesse que habitamos e ao qual nos acostumamos. É justamente à medida que nos acostumamos com o mundo que se torna mais necessário que uma pessoa escreva sobre ele. É importante que alguém faça recortes que destaquem os aspectos interessantes das coisas comuns, das vidas dos homens, do que se passa na cabeça deles, do que pode ser interessante no mundo.
Mas também não é o que faço. Até agora só tenho feito falar do que acontece comigo. Já considero esse tanto bastante trabalho, mas não vejo como a minha opinião a meu próprio respeito possa servir a qualquer outra pessoa. Então o que explica minha estranha obrigação que não é obrigação, necessidade que não é necessidade, utilidade inútil, fundamento último do que escrevo?
Não tenho esperança de encontrar resposta. Na dúvida sigo minha primeira diretriz: quando houver algo para dizer, digo. Caso contrário, vou sair a procurar assunto. Na falta de explicação é melhor continuar escrevendo e esperar que a resposta me pegue preparado para tomar nota e finalmente entender por que escrevo.
sábado, novembro 13, 2004
Longe de casa..
Bem, o título auto explicativo do post evidencia o fato de que estou longe de minha base usual no misterioso interior paulista, terra de violeiros, rodeios, alta tecnologia e produção cultural efervescente. Me encontro na vizinha Paulínia, conhecida por sua notória indústria petroquímica e pela desconcertante política local.
Por aqui privo da companhia de amigos bastante queridos e estou sendo bem alimentado. Assim não vou escrever reclamando de nada. Meramente registro minha passagem por essas bandas de cá para preencher o tempo escasso com algo diverso do trabalho que deveria estar desenvolvendo. Esse antigo costume está com jeito de que vai perdurar por anos a fio, aliás. Nada tão grave. Meu futuro repousa sobre uma sólida fundação de sonhos e puro ar. Não, isso não me preocupa, meramente me anima a ser cada vez mais autenticamente eu.
Estou longe de casa. Não tão longe, mas qualquer distância é uma boa desculpa para falar de casa. Mas não me surpreenderia se um dia fosse embora de lá. Minha casa está onde estiver meu coração, e ele é mais inconstante do que eu gostaria que fosse. Sinto falta da minha velha vida, mas se não posso tê-la de volta não há porque manter o quintal, o pé de jaboticaba, o sol caindo na tardinha, o canto dos pássaros. Só preciso da memória, ela vai me bastar, ela vai ter que bastar.
Acho que nunca amei ninguém tanto quanto amei as lembranças. Espero que me sirvam de algo essas lembranças que amo. Se não servirem pra mais nada, espero que as esqueça. Aí quem sabe eu possa até amar alguém. Por enquanto sigo apaixonado pela criança que não fui mas a que acho que fui, com toda a minha gravidade no olhar já perdida e minha honestidade incondicional paulatinamente sufocada pela necessidade de mentir e de enganar. Especialmente de mentir para mim. Sou um traidor.
Se sou um traidor, não há por que continuar em casa, maculando o ambiente das lembranças que amo e das tardes pelas quais suspiro ainda hoje. Assim devo sair de casa para um lugar mais condizente com minha condição de rebelde expulso do céu. Mas nunca ouvi falar de anjo algum que tenha ido para o exílio de livre e espontânea vontade. Tudo bem, nunca fui anjo, só caído de meu infantil estado de graça.
Acho que nunca estive tão longe de casa..
Por aqui privo da companhia de amigos bastante queridos e estou sendo bem alimentado. Assim não vou escrever reclamando de nada. Meramente registro minha passagem por essas bandas de cá para preencher o tempo escasso com algo diverso do trabalho que deveria estar desenvolvendo. Esse antigo costume está com jeito de que vai perdurar por anos a fio, aliás. Nada tão grave. Meu futuro repousa sobre uma sólida fundação de sonhos e puro ar. Não, isso não me preocupa, meramente me anima a ser cada vez mais autenticamente eu.
Estou longe de casa. Não tão longe, mas qualquer distância é uma boa desculpa para falar de casa. Mas não me surpreenderia se um dia fosse embora de lá. Minha casa está onde estiver meu coração, e ele é mais inconstante do que eu gostaria que fosse. Sinto falta da minha velha vida, mas se não posso tê-la de volta não há porque manter o quintal, o pé de jaboticaba, o sol caindo na tardinha, o canto dos pássaros. Só preciso da memória, ela vai me bastar, ela vai ter que bastar.
Acho que nunca amei ninguém tanto quanto amei as lembranças. Espero que me sirvam de algo essas lembranças que amo. Se não servirem pra mais nada, espero que as esqueça. Aí quem sabe eu possa até amar alguém. Por enquanto sigo apaixonado pela criança que não fui mas a que acho que fui, com toda a minha gravidade no olhar já perdida e minha honestidade incondicional paulatinamente sufocada pela necessidade de mentir e de enganar. Especialmente de mentir para mim. Sou um traidor.
Se sou um traidor, não há por que continuar em casa, maculando o ambiente das lembranças que amo e das tardes pelas quais suspiro ainda hoje. Assim devo sair de casa para um lugar mais condizente com minha condição de rebelde expulso do céu. Mas nunca ouvi falar de anjo algum que tenha ido para o exílio de livre e espontânea vontade. Tudo bem, nunca fui anjo, só caído de meu infantil estado de graça.
Acho que nunca estive tão longe de casa..
sexta-feira, novembro 12, 2004
Desculpas.
Meu último post foi sobre política. Não havia dado muita atenção ao fato quando escrevi mas agora percebo que foi um erro tê-lo publicado neste espaço. Aqui nesse blog eu não deveria falar de coisas que, por mais que me interessem, não deixam de ser (embora Platão talvez pudesse discordar) essencialmente mundanas, tendo pouco a ver com arte ou com filosofia. Esse é o espaço no qual, agora posso dizer seguramente, sem prejuízo de futura reconsideração, derramo meu lirismo, onde grito minha indignação contra minha própria forma de ser e desafio os limites que me são impostos por minha própria ignorância, minha canhestra escrita e minha lacunosa sensibilidade.
Pretendo um dia ser lido, até mesmo nessas "páginas", por mais que sejam pura experimentação, tatear pueril na atividade de escrever. É importante que seja então fiel a meu propósito. Eu odiaria se percebesse que em algum momento fiz alguma obra, manifestação artística ou expressão de pensamento filosófico, qualquer que fosse, políticamente engajada.
A política debatida pela arte tem o péssimo e inevitável vício de estar afastada da análise racional dos argumentos pela retórica emocional e muitas vezes escondida que é inerente à obra de arte. Por causa justamente de minhas convicções políticas (que são poucas e bem gerais diretrizes ou princípios) não poderia produzir arte com a finalidade de tomar esse ou aquele partido, defender esse ou aquele ideal. Seria o suficiente para me tornar incapaz de formular qualquer prescrição política séria e eu perderia minha credencial moral para falar sobre o assunto.
A política, quando orientadora da filosofia compromete o pensamento filosófico rigoroso, capaz de auto-crítica e submete o pensamento a projetos que, por sua natureza, são estranhos à filosofia. A postura filosófica engajada políticamente se torna um peso, aleija o pensamento filosófico, colocando o num ponto fixo estabelecido pela ideologia política. Não afirmo que a filosofia não deva dialogar com o mundo, penso justamente o contrário, mas o diálogo deve se dar no sentido de que a filosofia deve prover o indivíduo das ferramentas que lhe permitam analisar o mundo com alguma (esperançosamente maior) precisão. Isso jamais vai acontecer se a própria filosofia for formulada com vistas a um determinado intento transformador do mundo. Me parece que a atividade filosófica fornece perspectivas diferentes sobre o mundo, a transforação do seu nada modesto objeto de forma intencional e orientada é tarefa completamente externa a ela.
Seria perigoso demais esperar da filosofia fornecer respostas para escolhas que deveriam ser feitas em outras esferas. A descrição do mundo, a compreensão deste e do homem, a busca pelo conhecimento da verdade, essas são realidades apropriadas para a investigação filosófica, não a prescrição de um "modus vivendi" seja para uma única pessoa, seja para uma nação.
Na verdade, se a filosofia possui impacto político, importaria que se devesse sempre a um aumento na capacidade de compreensão do mundo que ela proporcionasse, jamais por que fizesse prescrições ideológicas de qualquer teor. O fato de que isso não acontece hoje é algo que os filósofos atuais tem a responder perante seus alunos, seus leitores e seus concidadãos.
Essas são boas razões para evitar desde cedo misturar o espaço dos escritos literários e filosóficos dos escritos puramente políticos. Essa restrição, como pode parecer à primeira vista, é justamente o que me permite exercer esses três lados de minha atividade intelectual com liberdade. Seria uma pena me ver preso por amarras auto impostas em qualquer dos campos: arte, política, pensamento filosófico. Sem liberdade de fato é impossível produzir qualquer coisa realmente autêntica em qualquer das áreas.
Peço desculpas, em vista das razões aduzidas, se não a mais ninguém, a mim mesmo.
Pretendo um dia ser lido, até mesmo nessas "páginas", por mais que sejam pura experimentação, tatear pueril na atividade de escrever. É importante que seja então fiel a meu propósito. Eu odiaria se percebesse que em algum momento fiz alguma obra, manifestação artística ou expressão de pensamento filosófico, qualquer que fosse, políticamente engajada.
A política debatida pela arte tem o péssimo e inevitável vício de estar afastada da análise racional dos argumentos pela retórica emocional e muitas vezes escondida que é inerente à obra de arte. Por causa justamente de minhas convicções políticas (que são poucas e bem gerais diretrizes ou princípios) não poderia produzir arte com a finalidade de tomar esse ou aquele partido, defender esse ou aquele ideal. Seria o suficiente para me tornar incapaz de formular qualquer prescrição política séria e eu perderia minha credencial moral para falar sobre o assunto.
A política, quando orientadora da filosofia compromete o pensamento filosófico rigoroso, capaz de auto-crítica e submete o pensamento a projetos que, por sua natureza, são estranhos à filosofia. A postura filosófica engajada políticamente se torna um peso, aleija o pensamento filosófico, colocando o num ponto fixo estabelecido pela ideologia política. Não afirmo que a filosofia não deva dialogar com o mundo, penso justamente o contrário, mas o diálogo deve se dar no sentido de que a filosofia deve prover o indivíduo das ferramentas que lhe permitam analisar o mundo com alguma (esperançosamente maior) precisão. Isso jamais vai acontecer se a própria filosofia for formulada com vistas a um determinado intento transformador do mundo. Me parece que a atividade filosófica fornece perspectivas diferentes sobre o mundo, a transforação do seu nada modesto objeto de forma intencional e orientada é tarefa completamente externa a ela.
Seria perigoso demais esperar da filosofia fornecer respostas para escolhas que deveriam ser feitas em outras esferas. A descrição do mundo, a compreensão deste e do homem, a busca pelo conhecimento da verdade, essas são realidades apropriadas para a investigação filosófica, não a prescrição de um "modus vivendi" seja para uma única pessoa, seja para uma nação.
Na verdade, se a filosofia possui impacto político, importaria que se devesse sempre a um aumento na capacidade de compreensão do mundo que ela proporcionasse, jamais por que fizesse prescrições ideológicas de qualquer teor. O fato de que isso não acontece hoje é algo que os filósofos atuais tem a responder perante seus alunos, seus leitores e seus concidadãos.
Essas são boas razões para evitar desde cedo misturar o espaço dos escritos literários e filosóficos dos escritos puramente políticos. Essa restrição, como pode parecer à primeira vista, é justamente o que me permite exercer esses três lados de minha atividade intelectual com liberdade. Seria uma pena me ver preso por amarras auto impostas em qualquer dos campos: arte, política, pensamento filosófico. Sem liberdade de fato é impossível produzir qualquer coisa realmente autêntica em qualquer das áreas.
Peço desculpas, em vista das razões aduzidas, se não a mais ninguém, a mim mesmo.
segunda-feira, novembro 08, 2004
Invasão política...
Esse blog foi criado para atender mal e mal minhas pretenções literárias mas o negócio é que recebi por e-mail um link para um projeto de lei que está tramitando na câmara e não pude deixar de dar um palpite. É que me impressiona ver a atividade do PT no legislativo. Um partido que põe um imbecil como esse Nazareno Fonteles no congresso simplesmente não merece o meu respeito. O link para o projeto é esse aqui: http://www.camara.gov.br/Sileg/Prop_Detalhe.asp?id=156281
Eu fico me perguntando o que o Partido dos Trabalhadores pretende como projeto político para o país: se é essa política econômica ultra ortodoxa e sacrificadora da produção e da classe média ou se é esse tipo de arroubo comunista desvairado que esse sujeito colocou no congresso para discussão.
Quem, em sã consciência, num país capitalista como o nosso deveria se pretender ser, propõe sacrificar o consumo dos únicos que realmente podem consumir obrigando essas pessoas a colocar seu dinheiro numa poupança para ser usada pelo governo federal para os mais diversos fins sociais e ecológicos (meu Deus do céu, quer salvar o meio ambiente, tire os favelados e afins de cima dos mananciais...). Agora, nem passa pela cabeça desse sujeito que a nossa frágil economia não vai achar nada saudável uma queda significativa de consumo (pois vai limitar o consumo justamente de quem pode consumir) para sustentar um ou vários programas do governo que inváriavelmente vão encher o bolso de burocratas, inchar mais ainda a máquina estatal e criar mais empregos para o PT, partido da situação, e não tenho medo de arriscar o palpite de que serão cargos de confiança.
Taxar o consumo para acabar com a inflação e colocar o dinheiro na mão do governo nunca resolveu nada. O Brasil tem um enorme mercado interno potencial e tudo o que precisa é de uma política de disponibilização de dinheiro barato no mercado para aumentar a produção e a geração de emprego. Alguém questiona que haveria muito mais redução de preços se houvesse menos interferência do estado na economia através do sistema tributário combinado com maior e mais livre concorrência? Isso já está provado! O governo cria mais impostos ou os aumenta e depois vem aumentar os juros para segurar os preços na economia e evitar a inflação. Quer segurar os preços? Que tal aumentar a produção pela disponibilização de capital barato e aumentar, por tabela, o nível de emprego do país (que por sinal é o verdadeiro problema a ser atacado no presente momento).
Aliás, um parêntesis, a única coisa boa que vem da desgraça nacional do desemprego é que estão desarmando essa máfia sindicalista de poder de negociação, mas nem isso tem dado certo porque eles estão agora confortávelmente aninhados nas tetas do governo federal...
Formidável o exemplo dos bolsa miséria do governo. O Lula mal chega ao poder, se auto intitula pai dos pobres, como qualquer bom populista, e enfia quase sete bilhões num ministério "ad hoc" que ao invés de acabar com a miséria vai encher o bolso de familiares dos prefeitos de cidadezinhas por aí a fora. Agora querem taxar, além da produção o consumo. Esse deputado lunático merece mesmo uma medalha pela coragem de mostrar tamanho despropósito em público.
É, a esquerdinha, além de incoerente, não tem a menor noção do que significa governar a sério. Os eleitores são ignorantes crônicos guiados por intelectuais cegos pela ideologia marxista mal copiada dos europeus. Somos uma nação de babuínos mesmo. Nesse passo vamos ficar como eles: nus, uns apontando para os rabos dos outros e achando terrívelmente engraçado...
Eu fico me perguntando o que o Partido dos Trabalhadores pretende como projeto político para o país: se é essa política econômica ultra ortodoxa e sacrificadora da produção e da classe média ou se é esse tipo de arroubo comunista desvairado que esse sujeito colocou no congresso para discussão.
Quem, em sã consciência, num país capitalista como o nosso deveria se pretender ser, propõe sacrificar o consumo dos únicos que realmente podem consumir obrigando essas pessoas a colocar seu dinheiro numa poupança para ser usada pelo governo federal para os mais diversos fins sociais e ecológicos (meu Deus do céu, quer salvar o meio ambiente, tire os favelados e afins de cima dos mananciais...). Agora, nem passa pela cabeça desse sujeito que a nossa frágil economia não vai achar nada saudável uma queda significativa de consumo (pois vai limitar o consumo justamente de quem pode consumir) para sustentar um ou vários programas do governo que inváriavelmente vão encher o bolso de burocratas, inchar mais ainda a máquina estatal e criar mais empregos para o PT, partido da situação, e não tenho medo de arriscar o palpite de que serão cargos de confiança.
Taxar o consumo para acabar com a inflação e colocar o dinheiro na mão do governo nunca resolveu nada. O Brasil tem um enorme mercado interno potencial e tudo o que precisa é de uma política de disponibilização de dinheiro barato no mercado para aumentar a produção e a geração de emprego. Alguém questiona que haveria muito mais redução de preços se houvesse menos interferência do estado na economia através do sistema tributário combinado com maior e mais livre concorrência? Isso já está provado! O governo cria mais impostos ou os aumenta e depois vem aumentar os juros para segurar os preços na economia e evitar a inflação. Quer segurar os preços? Que tal aumentar a produção pela disponibilização de capital barato e aumentar, por tabela, o nível de emprego do país (que por sinal é o verdadeiro problema a ser atacado no presente momento).
Aliás, um parêntesis, a única coisa boa que vem da desgraça nacional do desemprego é que estão desarmando essa máfia sindicalista de poder de negociação, mas nem isso tem dado certo porque eles estão agora confortávelmente aninhados nas tetas do governo federal...
Formidável o exemplo dos bolsa miséria do governo. O Lula mal chega ao poder, se auto intitula pai dos pobres, como qualquer bom populista, e enfia quase sete bilhões num ministério "ad hoc" que ao invés de acabar com a miséria vai encher o bolso de familiares dos prefeitos de cidadezinhas por aí a fora. Agora querem taxar, além da produção o consumo. Esse deputado lunático merece mesmo uma medalha pela coragem de mostrar tamanho despropósito em público.
É, a esquerdinha, além de incoerente, não tem a menor noção do que significa governar a sério. Os eleitores são ignorantes crônicos guiados por intelectuais cegos pela ideologia marxista mal copiada dos europeus. Somos uma nação de babuínos mesmo. Nesse passo vamos ficar como eles: nus, uns apontando para os rabos dos outros e achando terrívelmente engraçado...
Soneto
Esse soneto é de 25 de janeiro de 2003. Eu costumava escrever muitos sonetos assim desde o colégio até aquela época. Depois parei.
Sinto que nada mais na despedida
É mais cruel que o beijo dos amantes
Seus lábios tristes, suas mãos errantes
Seus corações pequenos, já sem vida
Sinto que a vida já não vale nada
Quando é findo o amor em seus semblantes
E se passa a esperar o quanto antes
Não mais ver a pessoa tão amada
Sinto que a angústia dói na própria carne
Temo que a redenção esteja longe
Vejo que o coração ainda está triste
Apartado de todo amor que existe
Apartada da mão que a protege
Vão se os amantes num pesar perene.
Sinto que nada mais na despedida
É mais cruel que o beijo dos amantes
Seus lábios tristes, suas mãos errantes
Seus corações pequenos, já sem vida
Sinto que a vida já não vale nada
Quando é findo o amor em seus semblantes
E se passa a esperar o quanto antes
Não mais ver a pessoa tão amada
Sinto que a angústia dói na própria carne
Temo que a redenção esteja longe
Vejo que o coração ainda está triste
Apartado de todo amor que existe
Apartada da mão que a protege
Vão se os amantes num pesar perene.
sexta-feira, novembro 05, 2004
Chanson d’Automne
Achei que seria bom publicar alguma coisa de poesia alheia para quebrar um pouco a gravidade do último tema tratado. Sinceramente entendo pouco do sentido, mas o fantástico nesse poema é o ritmo e a sonoridade quando lido. Belíssima canção de outono. Sem dúvida.
Chanson d’Automne
Paul Verlaine (1844–†1896)
LES sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon cœur
D’une langueur
Monotone.
Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure;
Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
Chanson d’Automne
Paul Verlaine (1844–†1896)
LES sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon cœur
D’une langueur
Monotone.
Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure;
Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
Esse texto está datado porque foi escrito anteontem e o original estará em breve perdido entre meus papéis, todos manuscritos dispersos em algum canto da casa.
O que é possível dizer da experiência personalíssima do homem com Deus? Será que alguém hoje seria capaz de formular, como fizeram os homens de tempos atrás, o que vem a ser conhecer a Deus, ao menos o quanto sabem a respeito do que seja esse conhecimento?
Sem dialogar com Deus, sem reconhecer assim sua presença, o homem é um ser absolutamente sozinho. Gosto da idéia medieval de que só é possível conhecermos mediante o intelecto divino e a parte de sua essência em nós. É uma idéia que nos leva a supor a presença e atuação de Deus a cada instante e em todos os lugares.
Já faz tempo que não freqüento os espaços da casa de Deus. Talvez porque não sentisse que houvesse alguém ali que considerasse a experiência religiosa com a mesma gravidade que eu. Talvez aquelas pessoas simplesmente não compartilhassem meu pessimismo solitário.
Agora percebo que, pela primeira vez em muito tempo, penso em Deus ao invés de pensar em sexo. Nunca me senti tão sozinho quanto agora. Costumava falar com Ele reverente e despreocupadamente, todos os dias, ou ao menos quantos dias posso recordar, mas agora estou muito sozinho e escrevo sobre Deus. O afastamento a que cheguei para estar fazendo isso é sintoma do quanto estou caído numa existência cada vez mais mundana. É muito sério ter uma convicção firme de que Deus existe e que se está afastado d’Ele. Na verdade é terrível. A própria vida perece escapar por entre os dedos. Eu desespero. Quando não me sujeito à vontade de Deus, fico sujeito à minha vontade, a qual é cega, sem propósito e jamais poderá ser satisfeita. Me dói pensar que tenha sido louco a ponto de acreditar que a tirania da vontade pudesse apresentar alguma liberdade.
A prisão dessa vontade tirana pode também ser entendida como um exílio. Ficamos obrigados por ela a ir para qualquer lugar, menos aquele mais querido. Nesse sentido, buscar a Deus é como empreender uma jornada de volta para casa. Estar em Deus é como estar em um lugar familiar no qual fomos amados e nutridos. Estar no exílio é estar na solidão, privado da ligação que era a única prova de que há algo além de nós mesmos no mundo. Daí o nome religião: re ligio, re-ligação.
Essa esperança de religação, essa esperança que temos de abandonar o mundo de ilusão e voltar para casa é o que faz a vida tão preciosa. É a negação da nossa vontade, da nossa dor, de todo o mal sobre o qual sempre escrevi e todo o que mais existe.
Campinas, 03 de novembro de 2004
O que é possível dizer da experiência personalíssima do homem com Deus? Será que alguém hoje seria capaz de formular, como fizeram os homens de tempos atrás, o que vem a ser conhecer a Deus, ao menos o quanto sabem a respeito do que seja esse conhecimento?
Sem dialogar com Deus, sem reconhecer assim sua presença, o homem é um ser absolutamente sozinho. Gosto da idéia medieval de que só é possível conhecermos mediante o intelecto divino e a parte de sua essência em nós. É uma idéia que nos leva a supor a presença e atuação de Deus a cada instante e em todos os lugares.
Já faz tempo que não freqüento os espaços da casa de Deus. Talvez porque não sentisse que houvesse alguém ali que considerasse a experiência religiosa com a mesma gravidade que eu. Talvez aquelas pessoas simplesmente não compartilhassem meu pessimismo solitário.
Agora percebo que, pela primeira vez em muito tempo, penso em Deus ao invés de pensar em sexo. Nunca me senti tão sozinho quanto agora. Costumava falar com Ele reverente e despreocupadamente, todos os dias, ou ao menos quantos dias posso recordar, mas agora estou muito sozinho e escrevo sobre Deus. O afastamento a que cheguei para estar fazendo isso é sintoma do quanto estou caído numa existência cada vez mais mundana. É muito sério ter uma convicção firme de que Deus existe e que se está afastado d’Ele. Na verdade é terrível. A própria vida perece escapar por entre os dedos. Eu desespero. Quando não me sujeito à vontade de Deus, fico sujeito à minha vontade, a qual é cega, sem propósito e jamais poderá ser satisfeita. Me dói pensar que tenha sido louco a ponto de acreditar que a tirania da vontade pudesse apresentar alguma liberdade.
A prisão dessa vontade tirana pode também ser entendida como um exílio. Ficamos obrigados por ela a ir para qualquer lugar, menos aquele mais querido. Nesse sentido, buscar a Deus é como empreender uma jornada de volta para casa. Estar em Deus é como estar em um lugar familiar no qual fomos amados e nutridos. Estar no exílio é estar na solidão, privado da ligação que era a única prova de que há algo além de nós mesmos no mundo. Daí o nome religião: re ligio, re-ligação.
Essa esperança de religação, essa esperança que temos de abandonar o mundo de ilusão e voltar para casa é o que faz a vida tão preciosa. É a negação da nossa vontade, da nossa dor, de todo o mal sobre o qual sempre escrevi e todo o que mais existe.
Campinas, 03 de novembro de 2004
segunda-feira, novembro 01, 2004
domingo, outubro 31, 2004
Sobre a poesia.
Acho que tenho sido injustamente duro com as mulheres em meus escritos recentes. Isso é resultado de um processo que começa com uma educação que enfatizou sempre a manutenção de uma reserva de opiniões jocosas sobre qualquer coisa incompreensível e irracional com a qual me deparasse no universo feminino. Desnecessário dizer que incompreensível é quase todo o universo feminino. Portanto é desse ponto de vista absolutamente desprivilegiado que escrevi sobre mulheres, dependi muito mais do meu humor e dos acontecimentos da semana do que de qualquer dado verificável. Tudo isso sem abandonar o meu tradicional pessimismo sentimental.
Em minha defesa digo que não deixarei de recair nessa postura no futuro, mas que pensei a respeito por um momento e só não fujo à atitude porque isso me faria menos autêntico e nesse espaço não pretendo negar o meu caráter. A idéia é justamente afirmá-lo.
Mas chega de falar sobre mim. Tenho outros interesses além de mim mesmo, embora às vezes até eu duvide.
Há por exemplo a poesia em língua inglesa. Tenho cá comigo que a poesia é uma necessidade humana que nos deforma se for negada. À medida que nos tornamos mais completos, mais partícipes da cultura dentro da qual fomos criados e da qual nossas mentes foram arbitráriamente nutridas ao longo dos anos, mais difícil é conceber como pudemos viver antes de receber aquilo que se tornou, ou melhor, se revelou parte de nós. Nada mais verdadeiro e nada mais sublime. Mesmo na dor.
Esse desejo de poesia é algo que nos torna igualmente distintos dos animais e dos computadores. É a capacidade de encontrar a beleza nas palavras, de receber algo que jamais poderá ser contabilizado e apreciar o presente qual jóia preciosa. Não é uma faculdade do instinto, não é resposta a um estímulo e ao mesmo tempo não é matemática, não é a forma lógica do pensamento, é a tradução do meio-termo que é a própria condição do homem no mundo.
Essa sina de ser o termo médio da criação, aquele polo qual serão julgadas as coisas grandes e pequenas é uma idéia profundamente mística que, por isso mesmo, não deixa de ser um bocado poética. Não se joga apenas com as palavras na poesia. Se joga com a alma, e toda a vej que se joga com a alma, alguém disse, tem-se o risco de perdê-la. Nada mais corajoso, nada mais estúpido, nada mais romântico e nada mais grávido de esperança de que contra todas as probabilidades as palavras ganhem sua vida fora da pena do poeta e tomem de assalto as idéias dos homens e o coração das mulheres.
E é por isso que acredito na poesia. De resto falta dizer porque uma predileção pela de língua inglesa.
Difícil justificar um gosto. Eu tenho uma estranha fascinação pela poesia anglófona desde que ouvi alguns versos de Blake: "To see a world in a grain of sand..." e fui aos poucos tomando conhecimento aqui e ali de poetas maravilhosos. Particularmente os mais antigos. Inclusive anônimos do século treze. O único modo de explicar isso é recitar a poesia, o que infelizmente não posso fazer por escrito. Mas quem quiser sentir o efeito pode tentar, ofereço alguns versos para o exercício:
A Drinking Song
by William Butler Yeats (1864 - 1939)
Wine comes in through the mouth
And love comes in through the eye;
That's all we know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh.
É um poema bem simples, com métrica, rima, ritmo, e além disso possui também a esmagadora carga de sentimento e de metafísica que só se tem com os melhores poemas. Nesse sentido é um bom representante da categoria dos poemas. Há algo nele que me fascina e me desperta para minha própria dor e minha própria alegria, mas, acima de tudo, para a beleza inerente à poesia em si, quando plenamente realizada.
É impossível amar sem poesia. Às vezes acho que antes de haver poesia não existia amor. E desse mesmo modo, quando fundou o amor, nesse momento imemorial, a poesia fundou toda a dor do mundo, e finalmente pudemos nos tornar realmente humanos.
Em minha defesa digo que não deixarei de recair nessa postura no futuro, mas que pensei a respeito por um momento e só não fujo à atitude porque isso me faria menos autêntico e nesse espaço não pretendo negar o meu caráter. A idéia é justamente afirmá-lo.
Mas chega de falar sobre mim. Tenho outros interesses além de mim mesmo, embora às vezes até eu duvide.
Há por exemplo a poesia em língua inglesa. Tenho cá comigo que a poesia é uma necessidade humana que nos deforma se for negada. À medida que nos tornamos mais completos, mais partícipes da cultura dentro da qual fomos criados e da qual nossas mentes foram arbitráriamente nutridas ao longo dos anos, mais difícil é conceber como pudemos viver antes de receber aquilo que se tornou, ou melhor, se revelou parte de nós. Nada mais verdadeiro e nada mais sublime. Mesmo na dor.
Esse desejo de poesia é algo que nos torna igualmente distintos dos animais e dos computadores. É a capacidade de encontrar a beleza nas palavras, de receber algo que jamais poderá ser contabilizado e apreciar o presente qual jóia preciosa. Não é uma faculdade do instinto, não é resposta a um estímulo e ao mesmo tempo não é matemática, não é a forma lógica do pensamento, é a tradução do meio-termo que é a própria condição do homem no mundo.
Essa sina de ser o termo médio da criação, aquele polo qual serão julgadas as coisas grandes e pequenas é uma idéia profundamente mística que, por isso mesmo, não deixa de ser um bocado poética. Não se joga apenas com as palavras na poesia. Se joga com a alma, e toda a vej que se joga com a alma, alguém disse, tem-se o risco de perdê-la. Nada mais corajoso, nada mais estúpido, nada mais romântico e nada mais grávido de esperança de que contra todas as probabilidades as palavras ganhem sua vida fora da pena do poeta e tomem de assalto as idéias dos homens e o coração das mulheres.
E é por isso que acredito na poesia. De resto falta dizer porque uma predileção pela de língua inglesa.
Difícil justificar um gosto. Eu tenho uma estranha fascinação pela poesia anglófona desde que ouvi alguns versos de Blake: "To see a world in a grain of sand..." e fui aos poucos tomando conhecimento aqui e ali de poetas maravilhosos. Particularmente os mais antigos. Inclusive anônimos do século treze. O único modo de explicar isso é recitar a poesia, o que infelizmente não posso fazer por escrito. Mas quem quiser sentir o efeito pode tentar, ofereço alguns versos para o exercício:
A Drinking Song
by William Butler Yeats (1864 - 1939)
Wine comes in through the mouth
And love comes in through the eye;
That's all we know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh.
É um poema bem simples, com métrica, rima, ritmo, e além disso possui também a esmagadora carga de sentimento e de metafísica que só se tem com os melhores poemas. Nesse sentido é um bom representante da categoria dos poemas. Há algo nele que me fascina e me desperta para minha própria dor e minha própria alegria, mas, acima de tudo, para a beleza inerente à poesia em si, quando plenamente realizada.
É impossível amar sem poesia. Às vezes acho que antes de haver poesia não existia amor. E desse mesmo modo, quando fundou o amor, nesse momento imemorial, a poesia fundou toda a dor do mundo, e finalmente pudemos nos tornar realmente humanos.
quarta-feira, outubro 27, 2004
Mulheres Inteligentes.
Engraçado quanta coisa a gente aprende conversando despretenciosamente. Aliás, não só sobre os outros mas sobre nós mesmos. Hoje eu conversava com um amigo sobre o tema mais importante para alguém na nossa idade: mulheres. Evidente que fizemos as reclamações de sempre, na melhor tradição de bons solteiros que já levaram muito fora na vida e que não estão nem longe de acabar de levá-los. Em meio a tudo isso fui passando em revista as mulheres que me desprezaram ao longo dos meus curtos dias de conquistador barato e rememorando as próprias sensações que tive em cada episódio.
Foi impagável. Além de rir um bocado de mim mesmo (sim, eu não me levo a sério, se não já teria me matado) tive uma dessas epifanias e me dei conta de uma verdade profunda a meu respeito. Foram, portanto, minutos de esforço intelectual bem empregados. Qual foi a descoberta? - perguntará algum leitor mais atento. Digo já: é que eu tenho medo de mulheres inteligentes.
Todas as vezes em que uma mulher me fez arrepender de ter nascido, ela era inteligente. Muito provávelmente mais inteligente do que eu. Ao longo de tempo percebi esse evento mas nunca havia me dado conta de verdade. Até hoje.
O fato é que as mulheres inteligentes são assustadoras. Elas leram mais do que você, conversam melhor, ridicularizam seus usos e costumes tipicamente masculinos e o fazem de tal modo que você não se sente autorizado a protestar. É como se você tivesse culpa por ter nascido homem, por não ter a capacidade de admitir o que sente e por não entender quando elas passam alguma dica sutil pelo olhar ou pelo discurso. Uma mulher inteligente é perfeitamente capaz de te enganar sem que você perceba. Não é que ela vá te enganar, mas existe sempre essa possibilidade e você não vai saber (essa paranóia tem jeito de ser daquelas que vou carregar por alguns anos e agora que está publicada não vou ser o único).
Eu francamente não consigo compreender por que desígnio dos deuses essas mulheres aparecem para te aplicar algum tipo de lição de vida que é necessáriamente traumática. Ficava me perguntando que é que elas procuram em nós. Só por que temos algum verniz de refinamento não quer dizer que conseguimos fazer frente a um intelecto que é tão diferente do nosso(para não dizer superior). Temos que nos desdobrar para tentar nos antecipar um segundo a elas e falhamos vergonhosamente - o que resulta em dizer algo muito estúpido no pior momento possível.
Mas o diabo é que ao mesmo tempo que tenho medo de mulheres inteligentes, não posso deixar de sentir tesão por elas. Existe algo na maneira como elas me diminuem que estimula um masoquismo que eu desconhecia. Fico encantado com o desafio intelectual e nem vejo a chegada do momento em que elas se cansam de brincar comigo e arrancam meu coração com a frieza de um burocrata soviético. Dramático? Foi só uma ilustração... Existe algo além do tesão, é claro. Elas são interessantes, a conversa não se pontilha de silêncios desconfortáveis, você não tem que fingir que é legal assistir Malhação diáriamente e que não liga de conversar a respeito do seu horóscopo do dia. Elas tem um senso de humor brilhante e você quase fica grato por ser frontalmente ridicularizado, por paradoxal que seja a sensação. Gosto de poder olhar para alguém sabendo que vou ser compreendido e essa é a beleza das mulheres inteligentes, ver nelas espíritos mais profundos do que o seu e sentir aquele gosto de mistério na boca.
Assim fico nessa sinuca de bico. Tenho pelas mulheres inteligentes esse misto de medo e tesão resultando numa explosixa carga que destrói as próprias bases de meu orgulho próprio. Continuo procurando minhas mulheres inteligentes, continuo sendo intelectual e sentimentalmente derrubado e, até agora, não aprendi absolutamente nada. Tudo isso em um dia de trabalho. Deixo então minha homenagem às mulheres inteligentes. Espero que a próxima que cruzar o meu caminho leve isso em conta e, ao partir, deixe ao menos uma dor mais doce do que as que precederam.
Foi impagável. Além de rir um bocado de mim mesmo (sim, eu não me levo a sério, se não já teria me matado) tive uma dessas epifanias e me dei conta de uma verdade profunda a meu respeito. Foram, portanto, minutos de esforço intelectual bem empregados. Qual foi a descoberta? - perguntará algum leitor mais atento. Digo já: é que eu tenho medo de mulheres inteligentes.
Todas as vezes em que uma mulher me fez arrepender de ter nascido, ela era inteligente. Muito provávelmente mais inteligente do que eu. Ao longo de tempo percebi esse evento mas nunca havia me dado conta de verdade. Até hoje.
O fato é que as mulheres inteligentes são assustadoras. Elas leram mais do que você, conversam melhor, ridicularizam seus usos e costumes tipicamente masculinos e o fazem de tal modo que você não se sente autorizado a protestar. É como se você tivesse culpa por ter nascido homem, por não ter a capacidade de admitir o que sente e por não entender quando elas passam alguma dica sutil pelo olhar ou pelo discurso. Uma mulher inteligente é perfeitamente capaz de te enganar sem que você perceba. Não é que ela vá te enganar, mas existe sempre essa possibilidade e você não vai saber (essa paranóia tem jeito de ser daquelas que vou carregar por alguns anos e agora que está publicada não vou ser o único).
Eu francamente não consigo compreender por que desígnio dos deuses essas mulheres aparecem para te aplicar algum tipo de lição de vida que é necessáriamente traumática. Ficava me perguntando que é que elas procuram em nós. Só por que temos algum verniz de refinamento não quer dizer que conseguimos fazer frente a um intelecto que é tão diferente do nosso(para não dizer superior). Temos que nos desdobrar para tentar nos antecipar um segundo a elas e falhamos vergonhosamente - o que resulta em dizer algo muito estúpido no pior momento possível.
Mas o diabo é que ao mesmo tempo que tenho medo de mulheres inteligentes, não posso deixar de sentir tesão por elas. Existe algo na maneira como elas me diminuem que estimula um masoquismo que eu desconhecia. Fico encantado com o desafio intelectual e nem vejo a chegada do momento em que elas se cansam de brincar comigo e arrancam meu coração com a frieza de um burocrata soviético. Dramático? Foi só uma ilustração... Existe algo além do tesão, é claro. Elas são interessantes, a conversa não se pontilha de silêncios desconfortáveis, você não tem que fingir que é legal assistir Malhação diáriamente e que não liga de conversar a respeito do seu horóscopo do dia. Elas tem um senso de humor brilhante e você quase fica grato por ser frontalmente ridicularizado, por paradoxal que seja a sensação. Gosto de poder olhar para alguém sabendo que vou ser compreendido e essa é a beleza das mulheres inteligentes, ver nelas espíritos mais profundos do que o seu e sentir aquele gosto de mistério na boca.
Assim fico nessa sinuca de bico. Tenho pelas mulheres inteligentes esse misto de medo e tesão resultando numa explosixa carga que destrói as próprias bases de meu orgulho próprio. Continuo procurando minhas mulheres inteligentes, continuo sendo intelectual e sentimentalmente derrubado e, até agora, não aprendi absolutamente nada. Tudo isso em um dia de trabalho. Deixo então minha homenagem às mulheres inteligentes. Espero que a próxima que cruzar o meu caminho leve isso em conta e, ao partir, deixe ao menos uma dor mais doce do que as que precederam.
domingo, outubro 24, 2004
Desiderato.
Comecei esse texto faz algum tempo. Não está datado. Era curto demais, terminei hoje. Gosto da forma como brinca com o otimismo e o pessimismo e o partido que tomo aqui depende mais do leitor do que de qualquer elemento do texto. Aí vai:
Gostaria de poder olhar para trás um dia, pensar em minha vida e poder me dizer que foi uma boa vida. Infelizmente sou muito jovem para faze-lo. Penso que seria bom poder dizer que encontrei uma mulher que realmente me ama, quer criar filhos meus e me espera sempre com perdão nos olhos, mais jamais encontrei tal mulher. Imagino que ela esteja em algum lugar lá fora, acompanhada de alguém que jamais será tão bom para ela quanto eu seria, enquanto eu aqui permaneço só. Imagino também que ela sabe disso tão bem quanto eu, simplesmente não quer ter de esperar pra sempre; eu mesmo não gostaria de estar atrelado a tal sina.
Gostaria de fazer para mim um nome que fosse associado a um homem bom, justo e sábio, amante da boa arte, da boa cozinha, da honestidade e das mais ternas manifestações de afeto pelos amigos. Gostaria de ter a casa sempre pronta para receber alguns bons amigos, e que minha casa fosse sempre convidativa para sentar e contar histórias de tempos mais fáceis, mais risonhos.
Gostaria de andar com firmeza nos caminhos de Deus, ser irrepreensível e ser um exemplo para meus filhos e familiares, indo à casa de oração e participando da ceia e da irmandade dos cristãos, da maneira que foi passada por minha avó. Infelizmente me afastei dessa senda muito tempo atrás.
Sou indigno? Não. Simplesmente acordei para o fato de que não estou satisfeito com o que sou e tenho algum receio justificado com relação ao que possa me tornar. Meu desiderato é um pouco megalômano, no entanto. Quem poderia almejar ser um homem pleno e autêntico num tempo com semelhantes absurdos, tendo sido criado em meio a uma cultura de baixeza? Quem sou eu para lutar contra a condição de doença espiritual que mal é percebida pelos outros homens? Que tenho eu para merecer a felicidade da qual a grande maioria é privada?
Não obstante, é inerente à condição humana desejar coisas boas para si. Não é nada mais que o puramente natural num ser humano médio. Ora, nada disso é indigno. Que pretenda o verme rastejar para fora de seu buraco cômodo para ver a luz mesmo sob pena de ser queimado por ela é uma idéia até bastante poética. Sonhemos então. Que o futuro reserve, para mim, para quem mais tenha a sensatez de desejá-lo, dias muito melhores.
Gostaria de poder olhar para trás um dia, pensar em minha vida e poder me dizer que foi uma boa vida. Infelizmente sou muito jovem para faze-lo. Penso que seria bom poder dizer que encontrei uma mulher que realmente me ama, quer criar filhos meus e me espera sempre com perdão nos olhos, mais jamais encontrei tal mulher. Imagino que ela esteja em algum lugar lá fora, acompanhada de alguém que jamais será tão bom para ela quanto eu seria, enquanto eu aqui permaneço só. Imagino também que ela sabe disso tão bem quanto eu, simplesmente não quer ter de esperar pra sempre; eu mesmo não gostaria de estar atrelado a tal sina.
Gostaria de fazer para mim um nome que fosse associado a um homem bom, justo e sábio, amante da boa arte, da boa cozinha, da honestidade e das mais ternas manifestações de afeto pelos amigos. Gostaria de ter a casa sempre pronta para receber alguns bons amigos, e que minha casa fosse sempre convidativa para sentar e contar histórias de tempos mais fáceis, mais risonhos.
Gostaria de andar com firmeza nos caminhos de Deus, ser irrepreensível e ser um exemplo para meus filhos e familiares, indo à casa de oração e participando da ceia e da irmandade dos cristãos, da maneira que foi passada por minha avó. Infelizmente me afastei dessa senda muito tempo atrás.
Sou indigno? Não. Simplesmente acordei para o fato de que não estou satisfeito com o que sou e tenho algum receio justificado com relação ao que possa me tornar. Meu desiderato é um pouco megalômano, no entanto. Quem poderia almejar ser um homem pleno e autêntico num tempo com semelhantes absurdos, tendo sido criado em meio a uma cultura de baixeza? Quem sou eu para lutar contra a condição de doença espiritual que mal é percebida pelos outros homens? Que tenho eu para merecer a felicidade da qual a grande maioria é privada?
Não obstante, é inerente à condição humana desejar coisas boas para si. Não é nada mais que o puramente natural num ser humano médio. Ora, nada disso é indigno. Que pretenda o verme rastejar para fora de seu buraco cômodo para ver a luz mesmo sob pena de ser queimado por ela é uma idéia até bastante poética. Sonhemos então. Que o futuro reserve, para mim, para quem mais tenha a sensatez de desejá-lo, dias muito melhores.
sábado, outubro 23, 2004
Tempo parado
Alguns dias demoram mais a passar do que outros, esse tanto é verdade, Mas seria possível que haja dias em que o tempo pára completamente? Já olhei repetidas vezes no relógio, inconformado. Andei pela casa, procurei outros relógios, de parede, de bolso, de corda digitais, de pulso... Exausto sento na poltrona da sala e me pergunto o que terá acontecido. O tempo não é mais, estou preso.
Certamente é um dia ruim para que isso aconteça. Não há mais ninguém comigo, tenho estado sozinho por alguns dias agora e, na verdade, até sinto que gostaria de ter uma mulher ao meu lado para perguntar o que aconteceu. Nada mais tolo para se pensar em um momento tão insólito. Vereifico o relógio novamente. Nada. Nenhuma alteração. Devo estar ficando louco. Acho que ando lendo muito Júlio Cortázar, isso tem que afetar a cabeça da gente de alguma maneira. Não adianta, no entanto, por a culpa no Cortázar. Tenho que dar um jeito de entender o que se passa com o tempo. Conforme as horas deveriam estar correndo, parece que o sol não quer descer. Fica entronizado em seu assento celeste ameaçando fritar meus miolos com sua habitual impiedade, caso decida sair e confrontá-lo.
Tenho medo de chamar por alguém, estou ficando preocupado. Me deito no sofá da sala e ligo a televisão. O âncora do jornal anuncia a hora, é a mesma hora dos relógios, a mesma hora que não passa, mas ele não parece notar. Não só os relógios pararam, o dia parou, será que isso não daria uma boa história para o jornal?
Ligo para a companhia telefônica em busca de explicação. Até agora eles sempre foram minha autoridade em horário. O serviço diz que a hora é exatamente aquela que insisto em verificar. Sento-me mais uma vez perplexo.
Eu tinha comigo a noção de que poderia planejar alguma coisa, que teria a vida toda pela frente, essa era a maior desculpa para tudo aquilo que não fiz ainda. Não se pode pegar um ser como o homem e tirá-lo da sua perpétua caminhada para o futuro. Não haverá mais concepção, velhice, morte no mundo? Acabaram a história, a filosofia, e eu sou surpreendido por esse momento sentado em minha cadeira tomando chá?
A constatação não agrada nem um pouco, mas o fato é que acabou. Sem o tempo não há esperança, não há vida sem esperança. Sinto que a morte vem se aproximando do meu sofá. Torço para que ela não esteja querendo jogar xadrez, peri as últimas doze partidas que disputei. Fico abobado ao perceber que estou aprisionado nesse presente. Mais do que tudo estou insatisfeito. Preciso de um presente diferente, algo de que pudesse ter algum orgulho, quem sabe. Ao menos um presente em que não estivesse de pijamas. Decido tirar o pijama e tomar uma atitude. Talvez pudesse sair para uma caminhada mas o sol continua no alto de sua trajetória, forte como nunca, não vale a pena sair. Poderia ler um livro, mas francamente achei de muito mal gosto quando, ao olhar a estante, o primeiro volume com o qual me deparo é o segundo livro da série "Em Busca do Tempo Perdido". Ironias assim não se perdoa. Muito menos piadas com Proust, que não é um autor engraçado.
Volto para a poltrona. Confesso que estou ficando irritado. E solitário. Aguardo pelo retorno do tempo.
Certamente é um dia ruim para que isso aconteça. Não há mais ninguém comigo, tenho estado sozinho por alguns dias agora e, na verdade, até sinto que gostaria de ter uma mulher ao meu lado para perguntar o que aconteceu. Nada mais tolo para se pensar em um momento tão insólito. Vereifico o relógio novamente. Nada. Nenhuma alteração. Devo estar ficando louco. Acho que ando lendo muito Júlio Cortázar, isso tem que afetar a cabeça da gente de alguma maneira. Não adianta, no entanto, por a culpa no Cortázar. Tenho que dar um jeito de entender o que se passa com o tempo. Conforme as horas deveriam estar correndo, parece que o sol não quer descer. Fica entronizado em seu assento celeste ameaçando fritar meus miolos com sua habitual impiedade, caso decida sair e confrontá-lo.
Tenho medo de chamar por alguém, estou ficando preocupado. Me deito no sofá da sala e ligo a televisão. O âncora do jornal anuncia a hora, é a mesma hora dos relógios, a mesma hora que não passa, mas ele não parece notar. Não só os relógios pararam, o dia parou, será que isso não daria uma boa história para o jornal?
Ligo para a companhia telefônica em busca de explicação. Até agora eles sempre foram minha autoridade em horário. O serviço diz que a hora é exatamente aquela que insisto em verificar. Sento-me mais uma vez perplexo.
Eu tinha comigo a noção de que poderia planejar alguma coisa, que teria a vida toda pela frente, essa era a maior desculpa para tudo aquilo que não fiz ainda. Não se pode pegar um ser como o homem e tirá-lo da sua perpétua caminhada para o futuro. Não haverá mais concepção, velhice, morte no mundo? Acabaram a história, a filosofia, e eu sou surpreendido por esse momento sentado em minha cadeira tomando chá?
A constatação não agrada nem um pouco, mas o fato é que acabou. Sem o tempo não há esperança, não há vida sem esperança. Sinto que a morte vem se aproximando do meu sofá. Torço para que ela não esteja querendo jogar xadrez, peri as últimas doze partidas que disputei. Fico abobado ao perceber que estou aprisionado nesse presente. Mais do que tudo estou insatisfeito. Preciso de um presente diferente, algo de que pudesse ter algum orgulho, quem sabe. Ao menos um presente em que não estivesse de pijamas. Decido tirar o pijama e tomar uma atitude. Talvez pudesse sair para uma caminhada mas o sol continua no alto de sua trajetória, forte como nunca, não vale a pena sair. Poderia ler um livro, mas francamente achei de muito mal gosto quando, ao olhar a estante, o primeiro volume com o qual me deparo é o segundo livro da série "Em Busca do Tempo Perdido". Ironias assim não se perdoa. Muito menos piadas com Proust, que não é um autor engraçado.
Volto para a poltrona. Confesso que estou ficando irritado. E solitário. Aguardo pelo retorno do tempo.
English Verse....
Um pouco de poesia. Sou fã do bom e velho verso inglês...
Madrigal
Davison's Poetical Rhapsody
MY Love in her attire doth show her wit,
It doth so well become her;
For every season she hath dressings fit,
For Winter, Spring, and Summer.
No beauty she doth miss
When all her robes are on:
But Beauty's self she is
When all her robes are gone.
Madrigal
Davison's Poetical Rhapsody
MY Love in her attire doth show her wit,
It doth so well become her;
For every season she hath dressings fit,
For Winter, Spring, and Summer.
No beauty she doth miss
When all her robes are on:
But Beauty's self she is
When all her robes are gone.
sexta-feira, outubro 22, 2004
Inconformismo literário.
Todos os dias somos forçados a ler uma inimaginável quantidade de bobagens simplesmente porque não queremos parecer rudes. Já li "The DaVinci Code" por que todos os meus amigos insistiam que o livro era muito bom, que fazia uma crítica incrível à ortodoxia cristã, que era intrigante... Grande bobagem. Nunca vi um livro mais cheio de besteiras e teoria da conspiração fundada simplesmente em fino ar. Nada de mais, afinal a obra é de ficção. O problema é o status ao qual essa fantasiosa aventura de intelectualidade rasa é elevada pelo público: de verdade revelada, de evidência contra a igreja. Trmenda idiotice. O único que lucrou com essa reação de estupidez coletiva foi o autor do livro.
Agora, toda vez que apareço num barzinho para conversar com alguma mulher atraente e caio na besteira de dizer que gosto de ler ela me pergunta se li Harry Potter. Em se tratndo de mulher bonita eu faço o esforço de engolir a vontade de dizer que aquele livrinho idiota não tem nada de valioso a menos que você precise calçar um pé de mesa. Ora, sorrio e digo que ainda não tive tempo de ler. A verdade? Não consegui me submeter a tão aviltante atividade por mais do que algumas páginas. O que me assusta é que já surpreendi amigos muito inteligentes indulgindo na leitura dessa historinha cujo sucesso só se explica pela absoluta preguiça mental do grande público que, a ler algo que preste prefere fingir que existe algo de valioso num livro infantil completamente ignorável por qualquer um que não assiste Bob Esponja todas as manhãs.
Mas prosseguimos nossa indignada caminhada. Paulo Coelho virou imortal embora seja um dos piores escritores que essa terra já produziu e Luiz Fernando Veríssimo, um dos melhores comediantes brasileiros, a pesar da forma que escolheu para fazer comédia - a crônica - é muito mais lido que Érico Veríssimo, seu pai, escritor de grande calibre que merece ser muito mais estudado do que é e só não recebe a atenção acadêmica que merece porque não era comunista!
Podemos vir a falar ainda dos romances psicografados mas não agora. Já estou de mau humor e não quero continuar a me irritar dessa maneira antes do almoço. Deixamos para outra oportunidade.
Fica então uma recomendação sincera. O que é agradável como leitura não é necessáriamente bom. Não tenhamos preguiça de usar o cérebro, é para isso que ele existe. Abandonemos essa ilusão antes que morra toda a boa literatura por falta de quem a leia.
Agora, toda vez que apareço num barzinho para conversar com alguma mulher atraente e caio na besteira de dizer que gosto de ler ela me pergunta se li Harry Potter. Em se tratndo de mulher bonita eu faço o esforço de engolir a vontade de dizer que aquele livrinho idiota não tem nada de valioso a menos que você precise calçar um pé de mesa. Ora, sorrio e digo que ainda não tive tempo de ler. A verdade? Não consegui me submeter a tão aviltante atividade por mais do que algumas páginas. O que me assusta é que já surpreendi amigos muito inteligentes indulgindo na leitura dessa historinha cujo sucesso só se explica pela absoluta preguiça mental do grande público que, a ler algo que preste prefere fingir que existe algo de valioso num livro infantil completamente ignorável por qualquer um que não assiste Bob Esponja todas as manhãs.
Mas prosseguimos nossa indignada caminhada. Paulo Coelho virou imortal embora seja um dos piores escritores que essa terra já produziu e Luiz Fernando Veríssimo, um dos melhores comediantes brasileiros, a pesar da forma que escolheu para fazer comédia - a crônica - é muito mais lido que Érico Veríssimo, seu pai, escritor de grande calibre que merece ser muito mais estudado do que é e só não recebe a atenção acadêmica que merece porque não era comunista!
Podemos vir a falar ainda dos romances psicografados mas não agora. Já estou de mau humor e não quero continuar a me irritar dessa maneira antes do almoço. Deixamos para outra oportunidade.
Fica então uma recomendação sincera. O que é agradável como leitura não é necessáriamente bom. Não tenhamos preguiça de usar o cérebro, é para isso que ele existe. Abandonemos essa ilusão antes que morra toda a boa literatura por falta de quem a leia.
Escrito antigo..
Eventualmente surgirão aqui algumas folhas que escrevi faz algum tempo. Tentarei manter as folhas com a data original a menos que eu não tenha anotado nada quando escrevi. De todo modo serão ao menos um mês anteriores à criação deste blog. Este é o primeiro deles...
A sensação do fim inevitável oprime o coração até que lágrimas sejam vertidas pelos olhos, mostrando aos nossos próprios sentidos que estamos fadados a sofrer. É necessário que soframos, precisamos amar e sofrer, buscar e assim viver histórias que valham a pena ser contadas. Só quem amou sabe a medida da dor que colhe quando afinal se percebe solitário.
O inevitável fim de todo amor é fenecer, a menos que pudéssemos viver para sempre. O amor que perdura é o que foi concebido nas cabeças e corações dos poetas, mas esses, os que realmente importam, foram os que mais viram o amor morrer, e morreram cada dia um pouco junto com ele, e sofreram como ninguém saberia sofrer, e beberam sua dor e a escreveram. Assim, os poetas avisaram o mundo todo o quanto dói amar, avisaram que amar é morrer, mas o fizeram de tal forma que jamais ninguém poderia achar que o sofrer fosse tão lindo.
Se eu fosse um poeta iria gritar pela rua: Não amem, não chorem de amor, se dêem à solidão, que é companheira fiel, a única na vida do homem. Não amem porque o amor nos vai perder a todos, num grande suspiro, num grande abraço sem fim e num singelo beijo de despedida.
Não há porque amar, mas não há por que querer ser só, há de se querer e se sentir e se chorar até o fim do dia. Já não há escolha, estamos fadados a sermos sós, chorarmos sós e bebermos juntos, todos, como uma grande irmandade de estranhos, que conhecem bem as dores que dividem tão bem como o fundo do copo que vêem. Brindam às mulheres que os esqueceram e as que quiseram esquecer, que bem podem ser a mesma mulher. Mas que importa? Existe algo mais profundo e mais sutil do que o amor, mais perene que o amor, mais notável e constante nos corações que já sangraram suas mágoas sem socorro. Existe a tristeza.
É melhor ouvir um coração angustiado do que um apaixonado, pois, parafraseando o sábio, o primeiro mostra o fim de todas as coisas, o segundo mostra apenas o princípio que nada revela de previdente, mas sim de inconseqüente e cheio de esperanças, como somos todos quando amamos. Quem está sozinho sabe do que falo, mas esse escrito se destina a quem está amando, e se vier eu mesmo a amar, e me sentir amado, invencível, confiante, é bom que leia sobre os dias ruins em que restei sem amor, cuidado ou companhia, para saber que a queda vem e será grande, e não me embriagar de amor demais, mas mastigar o frio pão do remorso, antes de perder a própria razão e sofrer mais do que puder suportar.
Tiago Ramos
30.06.2003
A sensação do fim inevitável oprime o coração até que lágrimas sejam vertidas pelos olhos, mostrando aos nossos próprios sentidos que estamos fadados a sofrer. É necessário que soframos, precisamos amar e sofrer, buscar e assim viver histórias que valham a pena ser contadas. Só quem amou sabe a medida da dor que colhe quando afinal se percebe solitário.
O inevitável fim de todo amor é fenecer, a menos que pudéssemos viver para sempre. O amor que perdura é o que foi concebido nas cabeças e corações dos poetas, mas esses, os que realmente importam, foram os que mais viram o amor morrer, e morreram cada dia um pouco junto com ele, e sofreram como ninguém saberia sofrer, e beberam sua dor e a escreveram. Assim, os poetas avisaram o mundo todo o quanto dói amar, avisaram que amar é morrer, mas o fizeram de tal forma que jamais ninguém poderia achar que o sofrer fosse tão lindo.
Se eu fosse um poeta iria gritar pela rua: Não amem, não chorem de amor, se dêem à solidão, que é companheira fiel, a única na vida do homem. Não amem porque o amor nos vai perder a todos, num grande suspiro, num grande abraço sem fim e num singelo beijo de despedida.
Não há porque amar, mas não há por que querer ser só, há de se querer e se sentir e se chorar até o fim do dia. Já não há escolha, estamos fadados a sermos sós, chorarmos sós e bebermos juntos, todos, como uma grande irmandade de estranhos, que conhecem bem as dores que dividem tão bem como o fundo do copo que vêem. Brindam às mulheres que os esqueceram e as que quiseram esquecer, que bem podem ser a mesma mulher. Mas que importa? Existe algo mais profundo e mais sutil do que o amor, mais perene que o amor, mais notável e constante nos corações que já sangraram suas mágoas sem socorro. Existe a tristeza.
É melhor ouvir um coração angustiado do que um apaixonado, pois, parafraseando o sábio, o primeiro mostra o fim de todas as coisas, o segundo mostra apenas o princípio que nada revela de previdente, mas sim de inconseqüente e cheio de esperanças, como somos todos quando amamos. Quem está sozinho sabe do que falo, mas esse escrito se destina a quem está amando, e se vier eu mesmo a amar, e me sentir amado, invencível, confiante, é bom que leia sobre os dias ruins em que restei sem amor, cuidado ou companhia, para saber que a queda vem e será grande, e não me embriagar de amor demais, mas mastigar o frio pão do remorso, antes de perder a própria razão e sofrer mais do que puder suportar.
Tiago Ramos
30.06.2003
quinta-feira, outubro 21, 2004
Retorno inevitável.
É certo que voltei a escrever meio cedo. Talvez devesse ter esperado pela manhã para continuar minhas notas, mas não tenho nada melhor pra fazer até segunda-feira. Fico assim nas mãos de minha própria inutilidade, sendo forçado a escrever aqui para tentar escapar dela. Como isso pode ser interessante eu não sei. Esse post foi redigido com o intuito de ser ignorado, o que não deixa de ser interessante, filosoficamente falando.
Por algumas vezes cheguei a refletir em conversas de bar sobre a dor-de-corno. A traição é uma coisa antiga e ao longo dos milênios os homens escrevem e cantam a esse respeito. Nesse caso cabe até o clichê: "Desde os antigos gregos até os dias de hoje..." (Diga-se de passagem que essa fórmula de redação me dá verdadeiro nojo. Ainda mais quando penso que já cheguei a usá-la em algumas ocasiões). O caso é que dessa vez é verdade. Toda a literatura ocidental como a conhecemos surgiu do fato de que em algum momento um sujeito oriental que vivia numa ilha dos Balcãs pegou um barco, foi para uma ilha grega visitar um outro sujeito e roubou a mulher deste último. O grego juntou seus amigos e foi buscar sua satisfação. Está aí, em poucas linhas, a Guerra de Tróia, a maior história de marido traído da literatura, e talvez o maior poema épico da literatura como a conhecemos.
A dor da traição ocidental européia certamente viajou também para a América. Não posso deixar de pensar que as mulheres da "brava gente lusitana" que cruzou o mar, ao invés de ficarem a chorar seus amores perdidos para o grande abismo, provávelmente foram tratar de se entender com os que ficaram nas tépidas noites alentejanas...
Mulheres volúveis muito provávelmente motivaram a maior parte da arte produzida até agora. Choramos por elas, chamamos por elas, escrevemos cartas, livros, poemas, batemos o carro, pintamos retratos, esculpimos, perdemos o sono, por elas quebramos as leis e somos lançados irmão contra irmão, simplesmente porque é impossível não se apaixonar, ao menos uma vez na vida por uma vagabunda.
Uma mulher que leia isto ficará ofendida. Não é meu propósito causar tal reação. O problema é de ordem diversa. Faço constatações curiosas, não juízos rancorosos. Existe algo de fascinante na mulher dissoluta que difícilmente escapa aos olhos do homem comum. Seu interesse é um impulso que ele precisa controlar a fim de não romper a fina malha da ordem social circundante, mas convenhamos, os homens normalmente mandam o tecido da malha social para o inferno ao ver uma mulher, especialmente após a primeira garrafa de cerveja.
Contra essa destruidora figura feminina, a civilização patriarcal empreendeu um esforço filosófico e literário surpreendente. A moral judaico-cristã, cujas leis estão inscritas na Bíblia, mostra claramente como o homem deve se comportar diante da mulher devassa, com cautela e prudência, afastando-se dela. Por outro lado, o livro sagrado constrói a figura da mulher virtuosa, que sai da casa do pai para a casa do marido e lá acaba seus dias miseráveis.
Os grandes sistemas filosóficos todos tiveram seu capítulo orientado à explicação dos meandros da ação humana, suas teorias sobre a moral. A patrística agostiniana, a moral kantiana, os incontáveis tratados a respeito da vontade, toda a legislação civil sobre família desde a idade média até os anos sessenta, milhares de horas e de trabalho intelectual foram gastos na tentativa de teoricamente tornar o mundo seguro para que o homem médio pudesse encontrar uma mulher e tomá-la para si sem medo de a estar dividindo com o padeiro, o leiteiro, o açogueiro, com os amigos do bar, os vizinhos solteirões, os vizinhos casados...
Ora, tais esforços, se me perguntarem, direi que resultaram vãos. Chegamos ao ponto em que queimamos mulheres na fogueira, destruímos os cultos pagãos, as estátuas da deusa mãe, as sacerdotisas, repreendemos as mulheres, reprovamos suas intenções jamais confessadas como sendo malignas por natureza, mas não mudamos a única coisa que verdadeiramente nos flagela como gênero: nossa disposição em continuar procurando as tais mulheres devassas. Qualquer sujeito racional dirá que nunca aconteceu com ele, mas todos acabam sendo encontrados pelos amigos em algum boteco sujo por causa de uma mulher. É simplesmente impossível mudar uma mulher sórdida.
Essa sina infeliz que nos persegue tem todo seu corpo perverso mas não podemos negar que durante o pouco tempo que dura é muito bom acharmos que estamos sendo amados e que somos os únicos que elas tem. Somos felizes por um momento. Um momento breve, mas está lá. A questão é: compensa?
Tamanho fascínio nos afasta justamente das mulheres que teriam sido boas para nós. Isso não pode ser imputado contra nós por essas mulheres sólidas no caráter que normalmente aparecem após o desastre para recolher os cacos de nosso orgulho e tentar torná-los uma coisa inteira e preferencialmente coesa de novo. Essas guardiãs da virtude feminina, que é justamente a expressão de seu instinto maternal, que procuramos quando voltamos humilhados e feridos de alguma experiência emocionalmente (ou físicamente, dirão aqueles que já precisaram tomar aquelas enormes injeções no braço por conta de uma aventura sexual malfadada) traumática, podem reerguer o homem, e é aí que cabe a ele não cometer a insanidade de voltar ao erro. Mas será que isso é garantidamente possível?
Se alguém tiver resposta para essa pergunta, entre em contato. Estou precisando de uma ajuda, porque obviamente, como a grande maioria dos homens, eu não tenho a menor idéia do que estou fazendo quando me aproximo de uma mulher.
Por algumas vezes cheguei a refletir em conversas de bar sobre a dor-de-corno. A traição é uma coisa antiga e ao longo dos milênios os homens escrevem e cantam a esse respeito. Nesse caso cabe até o clichê: "Desde os antigos gregos até os dias de hoje..." (Diga-se de passagem que essa fórmula de redação me dá verdadeiro nojo. Ainda mais quando penso que já cheguei a usá-la em algumas ocasiões). O caso é que dessa vez é verdade. Toda a literatura ocidental como a conhecemos surgiu do fato de que em algum momento um sujeito oriental que vivia numa ilha dos Balcãs pegou um barco, foi para uma ilha grega visitar um outro sujeito e roubou a mulher deste último. O grego juntou seus amigos e foi buscar sua satisfação. Está aí, em poucas linhas, a Guerra de Tróia, a maior história de marido traído da literatura, e talvez o maior poema épico da literatura como a conhecemos.
A dor da traição ocidental européia certamente viajou também para a América. Não posso deixar de pensar que as mulheres da "brava gente lusitana" que cruzou o mar, ao invés de ficarem a chorar seus amores perdidos para o grande abismo, provávelmente foram tratar de se entender com os que ficaram nas tépidas noites alentejanas...
Mulheres volúveis muito provávelmente motivaram a maior parte da arte produzida até agora. Choramos por elas, chamamos por elas, escrevemos cartas, livros, poemas, batemos o carro, pintamos retratos, esculpimos, perdemos o sono, por elas quebramos as leis e somos lançados irmão contra irmão, simplesmente porque é impossível não se apaixonar, ao menos uma vez na vida por uma vagabunda.
Uma mulher que leia isto ficará ofendida. Não é meu propósito causar tal reação. O problema é de ordem diversa. Faço constatações curiosas, não juízos rancorosos. Existe algo de fascinante na mulher dissoluta que difícilmente escapa aos olhos do homem comum. Seu interesse é um impulso que ele precisa controlar a fim de não romper a fina malha da ordem social circundante, mas convenhamos, os homens normalmente mandam o tecido da malha social para o inferno ao ver uma mulher, especialmente após a primeira garrafa de cerveja.
Contra essa destruidora figura feminina, a civilização patriarcal empreendeu um esforço filosófico e literário surpreendente. A moral judaico-cristã, cujas leis estão inscritas na Bíblia, mostra claramente como o homem deve se comportar diante da mulher devassa, com cautela e prudência, afastando-se dela. Por outro lado, o livro sagrado constrói a figura da mulher virtuosa, que sai da casa do pai para a casa do marido e lá acaba seus dias miseráveis.
Os grandes sistemas filosóficos todos tiveram seu capítulo orientado à explicação dos meandros da ação humana, suas teorias sobre a moral. A patrística agostiniana, a moral kantiana, os incontáveis tratados a respeito da vontade, toda a legislação civil sobre família desde a idade média até os anos sessenta, milhares de horas e de trabalho intelectual foram gastos na tentativa de teoricamente tornar o mundo seguro para que o homem médio pudesse encontrar uma mulher e tomá-la para si sem medo de a estar dividindo com o padeiro, o leiteiro, o açogueiro, com os amigos do bar, os vizinhos solteirões, os vizinhos casados...
Ora, tais esforços, se me perguntarem, direi que resultaram vãos. Chegamos ao ponto em que queimamos mulheres na fogueira, destruímos os cultos pagãos, as estátuas da deusa mãe, as sacerdotisas, repreendemos as mulheres, reprovamos suas intenções jamais confessadas como sendo malignas por natureza, mas não mudamos a única coisa que verdadeiramente nos flagela como gênero: nossa disposição em continuar procurando as tais mulheres devassas. Qualquer sujeito racional dirá que nunca aconteceu com ele, mas todos acabam sendo encontrados pelos amigos em algum boteco sujo por causa de uma mulher. É simplesmente impossível mudar uma mulher sórdida.
Essa sina infeliz que nos persegue tem todo seu corpo perverso mas não podemos negar que durante o pouco tempo que dura é muito bom acharmos que estamos sendo amados e que somos os únicos que elas tem. Somos felizes por um momento. Um momento breve, mas está lá. A questão é: compensa?
Tamanho fascínio nos afasta justamente das mulheres que teriam sido boas para nós. Isso não pode ser imputado contra nós por essas mulheres sólidas no caráter que normalmente aparecem após o desastre para recolher os cacos de nosso orgulho e tentar torná-los uma coisa inteira e preferencialmente coesa de novo. Essas guardiãs da virtude feminina, que é justamente a expressão de seu instinto maternal, que procuramos quando voltamos humilhados e feridos de alguma experiência emocionalmente (ou físicamente, dirão aqueles que já precisaram tomar aquelas enormes injeções no braço por conta de uma aventura sexual malfadada) traumática, podem reerguer o homem, e é aí que cabe a ele não cometer a insanidade de voltar ao erro. Mas será que isso é garantidamente possível?
Se alguém tiver resposta para essa pergunta, entre em contato. Estou precisando de uma ajuda, porque obviamente, como a grande maioria dos homens, eu não tenho a menor idéia do que estou fazendo quando me aproximo de uma mulher.
Primeiro post...
Princípio. Momento incômodo, no qual somos confrontados com a necessidade de escrever e, pela coragem de ter começado, recebemos a ingrata surpresa da mediocridade. Não seja por isso, seremos medíocres mas escreveremos. Essa é uma época interessante da minha vida. Não porque sou jovem mas porque começo a despertar para meus verdadeiros interesses: a filosofia e a música. Ora, o que tenha isso a ver com estas notas que começarão a ser publicadas aqui, se existe, não descobri, mas prossigamos. Desperto para meus interesses e descubro toda essa matéria amorfa que se debate dentro de mim, seja genuina criatividade, seja uma grande bobagem, é imperativo que eu a tire do sistema. Daí a idéia de fazer essas notas. Daí a idéia de torná-las públicas. Então vamos lá. A primeira está feita. O resto deverá seguir em breve.
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