domingo, dezembro 26, 2004

Qualquer sentimento é válido?

Se não podemos deixar de sentir o que sentimos isso quer dizer que necessariamente temos ali algo legítimo?

Não tenho, a pesar da tentação que é dar um palpite de leigo sobre algo que não conheço, a pretensão de tratar de qualquer aspecto psicológico, da coisa toda das emoções. Minha formação mal me habilita a ser estagiário de Direito, quanto mais psicólogo. O problema é de natreza bem mais simples.

Um sentimento ou um estado de ânimo deve se reportar a uma causa, creio eu. Se podemos dizer que o sentimento é inevitável, que dizer de suas causas? Quando somos compelidos a sentir, será que podemos evitar as situações que nos levem a tal disposição?

Na maioria das vezes somos levados a evitar o desconforto de modo quase que instintivo, então porque devemos, em relação a esse particular aspecto da vida, o sentimental, nos entregarmos à tirania de algo que, nascido dentro de nós, nos foge ao controle? Deveríamos ser mais cuidadosos? Seria algo autêntico, por outro lado, considerar um sentimento banhado em cuidado e precaução?

Não espero conseguir resposta para esse dilema. Desde que o mundo é mundo pessoas muito melhores do que eu tentaram alcançar respostas para esse problema sem sucesso. O mais interessante é ter chegado a fazer a pergunta, sem o que seria mais uma vítima dos desígnios da minha vontade cega, surda e burra.

Seguindo em frente após o aparte (pessimista como de costume), submeter o que sinto ao que penso é uma postura difícil, primeiro porque exige que eu pense, depois porque exige que sinta menos. Isso se torna especialmente difícil quando a mente que tenta estas operações é tão fértil a ponto de imaginar situações traumáticas e reagir internamente como se estivesse a vivê-las de forma intensa. Pensar e sentir não são opostos irreconciliáveis, simplesmente são aspectos do mesmo homem, mas suas exigências quanto à capacidade humana são tão grnades que é certamente improvável que deixem de obscurecer-se mutuamente quando tentamos executar ambos os atos simultânea e intensamente.

Quando penso, quando realizo o ato de conhecer ou o ato de refletir, estou colocando em segundo plano o ato de sentir. Se posso por esse modo controlar desse modo o que sinto e até quando é algo que não saberia responder. Todavia, o interessante seria perguntar por que se dar ao trabalho.

Evidente que somente um sentimento está de fato a ser tratado aqui, o amor. Se não disse antes foi para quen não fosse de pronto sofrer as conseqüências de se falar sobre o amor, todas aquelas pré concepções. Creio que a essa altura seja seguro dar nome aos bois. Amor entendido aqui como amor romântico em suas formas e falsificações como a paixão e o ciúme. Essas são partes importantes do quebra cabeça que é o relacionamento entre um homem e uma mulher (não sou politicamente correto e nem cara de pau suficiente para fingir que entendo ou considero qualquer outro relacionamento amoroso fora deste esquema), afinal são grande parte do que ocupa o tempo dos casais.

Eu acho que lia T.H. White quando me deparei com alguma coisa que Merlin falava para o jovem Wart a respeito do ato de conhecer. Algo como a importância de conhecer por ser algo que você sempre pode fazer, que jamais lhe será tirado e que lhe ajudará a passar pelos problemas, pela dor, de modo a evitar o sofrimento.

Eu costumava achar que era preciso sofrer. Hoje não posso dizer isso. O sofrimento ensina ao homem o quanto é importante a alegria, porém mais grandioso é desfrutá-la sem jamais tê-la perdido. A angústia é insistir no vício de sofrer de livre e espontânea vontade. Amar pode ser sofrer, mas hoje gostaria de ampliar o rol de possibilidades que o amor traz em si para acrescentar que também existe um prazer e uma plenitude. É sentir-se completo, ainda que não dure.

Antes que perguntem, não estou amando. Tenho medo e não pretendo tomar uma atitude brava ainda, mas é bom saber que a opção existe. Quando houver dor, nada vai restar a fazer senão chorar, quando houver alegria devo rir. Quando me sentir sombrio serei temível, quando estiver triste serei calado. Para tudo haverá tempo, espero poder me livrar do fatalismo de pensar que estou fadado a morrer só e em agonia.

É válido sentir amor? Sim, sempre que for sincero. Acho que no fim das contas, pensar sobre o amor é mais fácil. Mas aí amar fica mais difícil.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Machado

Dado que acabo de publicar algo um pouco estúpido na forma, embora sincero e sentido no conteúdo, tentarei me redimir com uns poucos versos de Antonio Machado, que via a descobrir de maneira improvável lendo Kissinger, e pelo qual vim a me interessar por conta de um artigo de Olavo de Carvalho. Engraçado, até então, de poesia em espanhol eu só havia lido um pouco de Camões...

"En el corazón tenía
la espina de una pasión;
logré arrancármela un día:
ya no siento el corazón."

Antonio Machado

Evidente que o trecho não vai aqui à toa. Para mim está cheio de sentido, mas como não faço diário aqui, esse é o máximo que vou dizer.

Mambo Jambo

O tempo presente, grávido de uma clareza científica de credibilidade questionável, regido por leis de eficiência e progresso (e ao que parece muito longe de se ver livre das aspirações positivistas do longo século dezenove), flerta também com o místico e o esotérico de forma bastante aberta. Todavia, filtra-se essa experiência sobrenatural por meio de um utilitarismo na busca pelas artes a que se recorre para saber o futuro, autoconhecer-se, encontrar paz interior, canalizar o guia espiritual, o que seja. Tudo se dá em prol de um hedonismo contemporâneo, de um difuso e praticamente indefinível “viver bem” que é resultado de nossa aparente falta de valores e limites e tão mutável quanto a moda.

Todo aparato-esotérico, misterioso, tornou-se objeto de apreciação mercadológica, o que coloca tais práticas bem longe do que se propuseram a ser quando surgiram. Isso para não comentar do que se criou recentemente: emaranhados confusos de aforismos difusos de filosofias diversas e religiões distintas (quando não conflitantes). E há também muito dinheiro nisso tudo. As pessoas que trataram de investigar antigos mistérios e esoterismos a sério parecem ser uma minoria silenciosa diante das máquinas de fazer dinheiro que se constroem calcadas pura e simplesmente num palavrório vazio e na estreiteza de visão do seu público consumidor.

“Eu acredito num poder maior, uma coisa assim indefinível, muito grande, que está em tudo, misteriosa...” São mais e mais pessoas falando algo do gênero e se tratando através de luzes coloridas, fazendo dietas estranhas, falando palavras inventadas que seriam alguma pérola de sabedoria perdida e por aí vai. Aparentemente a falta de valores não extinguiu a necessidade de um anestésico mental que substituísse a absolvição da igreja, sem as necessárias etapas da culpa e do arrependimento. Afinal as novas teorias místicas, filosóficas (num sentido bem chulo do termo) ou religiosas são perfeitamente adaptáveis a qualquer tipo de orientação pessoal de conduta, basta que a pessoa escolha o que melhor lhe serve.

Não me parece que seja algo incompreensível que algumas pessoas entrem em cultos ou seitas para perder seus próprios nomes, na verdade a psicologia explica, mas numa análise mais geral, basta olhar para a maneira como as pessoas são crédulas em relação a um sem número de coisas, desde duendes até os atuais paradigmas científicos. Quais são os critérios de aceitabilidade de idéias por parte da grande maioria das pessoas além da influência da propaganda e dos preconceitos herdados e adquiridos? Mas o problema é justamente saber como fazer para não se deixar influir, mesmo que seja um pouco, por essas manifestações cabais de cretinice em seus mais variados graus. Esse problema tem solução simples de ser nomeada e difícil de ser implementada: seria necessário fazer com que pensassem, coisa que a maioria se recusa a fazer.

O racionalismo nos legou um mundo desligado de Deus, mas não acabou com a necessidade humana de Deus. No vácuo deixado pela religião (e falo aqui da religião ocidental, judaico-cristã, por tratar de um fenômeno ocidental) em fuga dos ataques da ideologia laicizante que parece reinar entre a maior parte da “intelectualidade” inspirada por Marx, Nietszche, Schopenhauer ou sabe-se lá quem, foram se elaborando tantas bobagens mais ou menos salutares, mais ou menos perigosas, que é tarefa, se não impossível, dificílima enumera-las.

Tudo isso me faz pensar se não deveria ter um daqueles selos no carro dizendo “Eu atropelo Duendes!” Seria pouco sensato falar de modo tão genérico se eu não tivesse uma posição formada a respeito do assunto, o fato é que tenho: uma postura religiosa fundada em um critério de tradição, o que é melhor do que podem os meus alvos neste texto dizer, apoiado por algumas incipientes pitadas da pouca filosofia que pude amealhar em tão pouco tempo de leitura (e de vida), mas que seguramente relegam à religião um lugar digno de sua importância na integralidade do que é a vida humana.

Assim sendo, fico obviamente indignado ao ver o que se tem seguido nos dias de hoje (observando do alto dessa tradição religioso-filosófica ocidental que me é tão cara por sua característica tão mais humana e ao mesmo tempo mais divina) sem no entanto poder fazer muito a respeito. Se não consigo convencer alguém a ler um livro decente, a aprender a articular melhor o raciocínio, a conversar sobre alguma coisa problemática não prática, certamente não vou convencer a pessoa a entrar de cabeça num debate religioso minimamente sério a ponto de fazer clara a óbvia justeza de meu ponto de vista. Volto a colocar como motivo o problema endêmico da preguiça mental.

Não sou nenhum idiota para deixar de notar o ranço de arrogância na forma como me expresso aqui, mas há de se convir que, de tempos em tempos, nos sentimos aborrecidos com o estado das coisas em um ou outro campo da vida humana e, por tanto, suficientemente autorizados, não a prescrever comportamentos, mas a criticar certas posturas que me parecem sintomas de nossa decadência enquanto sociedade. Como já disse uma vez um filósofo, não me lembro o nome, numa conversa informal faz alguns anos, “É preciso catequizar esse povo...” Ele não deixa de ter razão, pensando na idéia geral que repousa por trás da frase.

sábado, dezembro 11, 2004

Poesia e Prosa.

A melhor prosa é aquela que se pretende poesia. Ela flui da pena como que por milagre, sem o menor receio de não ser clara, embora seja, de não ser útil, embora seja, de não ser nada, enquanto trata de tudo que nos concerne enquanto humanos, pois como ela temos necessidade de poesia.

Essa prosa canta o amor como quem ama, sem floreios inúteis mas com a pretensão de se fazer bela para receber o amor. A prosa que ama não é nunca só por ter quem leia suas linhas em adoração extática e, sem poder agüentar dentro de si tanto sentimento, suspira.

A prosa que quer ser poesia é como o homem que senta em seu banco ao cair da tarde, acende um cigarro, olha para o mar e, ao ver a mulher que bem sabe que vai amar para o resto de sua vida, deseja ser o mar para abraçá-la. Esse suspiro entre a calma e o desejo é fundamental. É o exato momento em que a poesia nasce. Mas assim como o homem não é mar, logo a poesia percebe que será meramente prosa, com essa doce memória do que poderia ter sido. Enquanto o homem será a partir dali a sombra do que poderia ter sido se tivesse de fato amado a mulher logo após o suspiro.

A prosa que se pretende poesia, pretende ter sido poesia, mas não pretende mudar. O desejo de algo que não se foi, a única escolha que não se fez, é o que acomete a melhor prosa. Do mesmo modo acomete o homem, que sabe de sua natureza tola, delicada diante do mundo quando, na verdade, queria ser dele senhor. E o homem, como a prosa que faz, sente o desejo de poesia.

A beleza e o poder são as coisas mais impressionantes que podemos perceber. Não há quem não os sinta. Por essa razão a poesia nos é tão cara. Ela sintetiza o que nos toca, bela e fugaz, poderosa ao mesmo tempo que frágil, cálida e álgida conforme nossos próprios corações e mentes.

Proseio porque a poesia que possuo não tem palavras para se expressar. E eu, pobre de mim, não posso emprestar-lhe as minhas. O meu desejo de poesia é uma constante necessidade metafísica do belo. Como ela me escapa, busco ter, de beleza em minha vida, uma mulher. Como ela me escapa, sinto então novamente um desejo de poesia.

E eu mesmo permaneço prosa. Uma longa crônica de meus feitos pífios, das pegadas que deixo na areia do tempo. Sou como o homem que acende um cigarro, senta no banco e olha o tempo escorrer por entre os dedos, e a vida escorrer por entre os dedos, sem nem tentar fechar a mão. A vida passa, e por fim suprimos o desejo. Temos em nossa morte uma primeira e última poesia triste.

quinta-feira, dezembro 09, 2004

Uma Semana

Mal posso crer que já faz uma semana. Estou sem escrever desde semana passada, neste mesmo dia chuvoso e cinzento, se bem me recordo. Isso simplesmente poderia fornecer a alguém elementos para refutar minha tese sobre porque escrevo, que está publicada um pouco antes, mas não se trata disso. Eu tenho passado muito tempo estudando para provas e escrevendo um trabalho de Filosofia do Direito que será oportunamente publicado num outro blog que por enquanto permanecerá somente para testes já que o que vai para lá vai sem revisão.

De todo modo, a pesar de não ter dito mais nada sobre nada durante uma semana voltei, como um marido infiel retorna ao lar depois de uma noite insone jogando cartas e convivendo com prostitutas da pior espécie. Que fique claro que esta analogia não se trata de uma confissão, jamais convivi com prostitutas da pior espécie, ao menos não profissionais.

O mais interessante é que esse volteio verbal acaba servindo, como muitas vezes antes já aconteceu, para encobrir minha total falta de assunto. O fato é que estou relativamente feliz e um pouco ocupado e nada interessante me ocorre, ou ao menos nada tão interessante me ocorre nesses momentos quanto quando estou me sentindo um miserável. Mas ainda vou aprender a escrever sobre coisas mais leves como algodão doce e papel de seda.

(Se bem que há quem consiga aliar as coisas. Belle and Sebastian, por exemplo faz sempre aquelas músicas bonitinhas mas boa parte delas tem um não-sei-o-que de depressivo. Não é grande surpresa então que eu tenha quase todos os CD's da banda).

Se não posso reclamar das mulheres, dos livros, do novo sucesso do Latino ou do preço do dólar do que diabos eu posso falar? Dos dias de glória? Só tenho vinte e um anos, sobre Cowboy bebop, o melhor deseno animado já produzido? Aí pareceria que tenho doze anos (oque não passa tão longe de uma verdade mais profunda...). Deveria eu então elaborar um comentário sobvre mais uma obra prima do Jazz? Isso envolve um tempo que não me disponho a gastar agora.

Existem certas coisas que não entendo. Uma delas é a fantástica capacidade dos homens de encontrarem sempre algum motivo para reclamar. Eu estou aqui sentado faz uma meia hora reclamando (com maior ou menor intensidade, o que não me compete julgar, mas reclamando) da absoluta falta do que reclamar. O que é que me deixa tão inquieto no exato momento em que tudo está sob controle e nada de terrível aconteceu. Quero dizer aqui que nem ao menos era minha intenção chegar a uma conclusão como essa mas acho que Schopenhauer sabeia do que estava falando sobre a vontade jamais se satisfazer. Eu preciso de combustível para reclamar neste espaço sobre alguma coisa, caso contrário vou ter que começar a citar poesia alheia novamente (o que não seria mal se eu estivesse lendo poesia ultimamente e achasse algo para citar).

Tudo bem, não estou com a menor intenção de sair desse vazio de problemas que é tão confortável e quentinho, mas o diabo é que eu até que estava me divertindo enquanto esta infeliz. Ainda bem que com essas festividades de Ano Novo chegando eu vou poder voltar a me sentir mal por ainda estar solteiro e arranjar motivo para beber e desancar as mulheres que não me quiseram e também aquelas que quiseram mas não devriam ter querido (muito embora pareça crueldade é muito difícil rejeitar uma mulher, existem repercussões terríveis até para os mais valorosos de nós).

Voltarei a escrever quando estiver com um tema melhor em mente. Até então vou dar um jeito de arranjar um texto antigo de quando eu era mais triste. É o jeito. Mas não vejo problema algum em haver escrito isso aqui. Valeu o exercício.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Pessimismo, como se fosse alguma novidade...

Estou aqui em uma nova noite insone refletindo sobre a vacuidade dos meus últimos dias. Nada parece me satizfazer. Quando consigo o que quero, subtamente o que queria se desfaz, perde seu valor. Houve um tempo em que nutri a ilusão de que satisfazer algumas aspirações modestas bastaria, mas a coisa está ficando apertada. Nada compensa quando no fim das contas você está sozinho à noite escutando nada além dos próprios pensamentos.

Meus pensamentos, como se já não fosse claro, tem uma disposição diversa da minha costumeira fachada de alegria constante. O senso de realização pueril que tanto me animava já não está surtindo o efeito de antes. Minha irresponsabilidade, minha vontade de aproveitar esses dias de garoto novo, nada disso satisfaz. Como não sou dado a vícios acabo sempre nessa situação de não saber mais o que querer, o que procurar.

Meu consolo é que de vez em quando ainda posso rever os amigos. Eles dão um senso de que não estou só no mundo. Menos pelo apoio formal que dão e mais pelo fato de que parecem mais ou menos perdidos do que eu. Fora os loucos, esses não estão perdidos, estão simplesmente além de qualquer possibilidade de análise, excluídos de qulaquer observação racional.

Os cães ladram e a caravana passa... Eu queria lembrar quem foi que escreveu isso. Parece que não há nada mais pertinente para definir o que sinto agora. O mundo segue o curso que sempre seguiu e eu estou aqui procurando sentido onde não há. Nada faz menos sentido do que aquilo que é grande demais pra compreender. Como o mundo. Minha cabeça não poderia estar mais sobrecarregada do que agora.

Era mais fácil qunado eu passava os dias sonhando acordado. Eu sabia bem que queria o que não ia ter e pronto. Quanto mais as coisas se tornam possíveis, quano mais real o mundo, menos eu me encaixo nele. Me sinto um adolescente de novo. Talvez eu nunca tenha deixado de ser um.

Minhas missões, minhas determinações, hoje à noite parecem estar todas vencidas. Eu as derrotei agora antes que me frusrtasse. Nada tão triste ou tão irremediável, provávelmente vei melhorar pela manhã, mas sempre considero importante, quando estou feliz, lembrar de quando não estava. É algo que te dá uma perspectiva interessante sobre as coisas. Pouca gente pensa assim hoje, essa minha geração vive meramente em busca do prazer imediato. Na verdade eu também sou um pouco assim, mas a diferença é que percebo, nesses raros momentos de lucidez, o quanto tal existência é espúria. Eu me recuso a parar de pensar, me sinto culpado por me meter a fazer o que pura e simplesmente quero. Fui criado para fazer o que devo. É mais ou menos como a diferença entre viver e aproveitar a vida, são coisas diferentes, viver é mais penoso. Ainda não inventaram atividade tão autêntica, pessoal, única quanto viver. Por isso vivo, penso, e, por pior que possa parecer, ainda sonho. Quero poder olhar de longe para a multidão, sabendo que no fundo, ainda que por razões que só eu conheça, não fui um medíocre conviva que veio para a festa mas que, no meio da festividade, parei e me perguntei exatamente qual era a ocasião celebrada. Meu medo é que a festa acabe e a resposta não me ocorra.

Só para constar, a metáfora da vida como festa está batida, eu sei, mas não me ocorreu nada criativo, hoje não é dia de querer fazer nada brilhante. Diante do que sinto, seria um despropósito.

P.S. Após publicar o post descobri que a frase: Os cães ladram e a caravana passa" ou, como vim a ver na tradução para o inglês:"Dogs bark, but the caravan goes on", é um provérbio turco aparentemente antigo. O deserto é um lugar bonito, muito embora não haja nada lá. Como dizia o herói do filme, "It is clean", esse tanto basta. Essa coisa das caravanas sempre me lembra Lawrence da Arábia, romântico que sou, pensando em tempos mais evocativos do que a realidade, mesmo naquele tempo, jamais foi. Bem, era o que me cumpria acrescentar.