sábado, março 26, 2005

Perguntas estúpidas

Então eis que estou aqui de novo, desta feita assistindo South Park, quando o professor das crianças, Mr. Garryson, solta a brilhante frase: "Não existem perguntas estúpidas, só pessoas estúpidas”, ao responder ao que era, obviamente, uma pergunta estúpida.

Estava pensando sobre a maneira como as escolas nos preparam para assistir às aulas. Somos encorajados a fazer qualquer tipo de pergunta, a não sair da sala com dúvidas, a perguntar seja lá o que for, e isso me deixava intrigado. O que é que leva as pessoas a abusarem tão descaradamente dessa prerrogativa do aluno moderno e soltar a todo o tempo as mais variadas perguntas imbecis?

Eu posso falar com segurança somente sobre mim, e devo dizer que faço poucas perguntas. Se o assunto não me interessa, é muito provável que eu não faça pergunta nenhuma e durma perfeitamente tranqüilo sabendo que ficaram pontos obscuros na exposição (inclusive na aula mesmo, se ninguém me perturbar), se não entender alguma coisa que interessa posso perguntar ou ir estudar (e normalmente prefiro estudar por conta), mas existem pessoas que insistem em ficar perguntando ad infinitum, e tem lá suas motivações. Existem aqueles que perguntam por ter uma dúvida legítima, os que perguntam para aparecer, aquelas que perguntam para ser simpáticas, aquelas que perguntam para pegar o professor em erro e aquelas que perguntam porque são endemicamente burras. Entre os que não perguntam nada existem os que não entenderam porcaria nenhuma, os que entenderam tudo e os que estão pouco se lixando para o assunto exposto.

Por tanto, se você está pouco se lixando para o assunto exposto aqui, recomendo que pare de ler e vá tirar uma soneca. É o que eu faria. Quanto ao resto do público, segue a exposição.

É evidente que quem tem uma dúvida legítima tem mais é que perguntar. Se você é suficientemente inteligente e faz uma pergunta, são grandes as chances de que vá fazer uma pergunta inteligente e suscitar algum tipo de comentário ou esclarecimento de proveito geral. O grande problema é que uma enorme parcela da população mundial se considera inteligente mas a maioria destes não o é. Ainda pior, vá lá dizer a uma pessoa que ela não é inteligente para ver a reação do dito cujo. Além de ser uma baita indelicadeza da sua parte (muito embora você possa ter razão), nunca se sabe que tipo de situação vai vir da revelação, normalmente não é boa. É como tentar dizer para alguém que ele ou ela não é bonito ou bonita. É espinhoso chegar ao assunto e o diabo é que às vezes é necessário (quem já teve que dar um fora numa feia, coisa que as mulheres normalmente fazem com naturalidade e nós homens não, sabe bem que a única coisa que não dizemos é que ela é feia por medo de aumentar a desgraça). Mas voltando à trilha, abandonada em prol dessa pequena digressão, vamos observar que pessoas se encontram internamente autorizadas a fazer perguntas estúpidas por se acharem inteligentes quando não o são, e não há praticamente nada que se possa fazer a respeito: ficamos à mercê de diversas perguntas idiotas.

Assim, de uma feita cobrimos os inteligentes e os burros. Vamos agora tratar dos cretinos e dos mal intencionados. Os cretinos, esses desqualificados mentais que pretendem disfarçar sua incapacidade ou conseguir algum tipo de aprovação da figura do “mestre” (por obra de alguma carência emocional ou por força de uma personalidade rasteira) gostam de ficar fazendo perguntas idiotas para que pareça que estão interessados ou que estão acompanhando o raciocínio. Parece-me que tamanha é a insistência para que os estudantes perguntem que os professores começaram a realmente acreditar que qualquer pergunta vale e a valorizar essas dúvidas imbecis que não passam de capachismo colegial. Responder perguntas cuja resposta é óbvia demais incentiva o “puxassaquismo” dos alunos ou então, no mínimo, faz com que os alunos intelectualmente prejudicados acabem por perder preciosas oportunidades de exercitar ao menos um pouco as cabecinhas.

Os mal intencionados são pessoas com uma agenda definida. Eles normalmente tem dois tipos de pretensão: a de saber mais do que o professor ou a de querer ensinar alguma coisa aos colegas. Costumam ser uns tipinhos profundamente chatos, detentores de alguma espécie de verdade da qual precisam convencer uma audiência de ocasião e costumam fazer perguntas de vinte minutos que nem ao menos terminam como perguntas. Eu não tenho nada contra a erudição alheia, mas convenhamos: há um tempo e um lugar; além do mais, me recuso a crer que existam tantos eruditos na faixa dos dezesseis aos vinte e cinco anos. Não é algo factível. Aqueles mais interessados em política são os mais emblemáticos casos de mal intencionados: estou bem próximo da realidade ao afirmar que toda a sala de aula de colégio, cursinho e faculdade de humanas tem um infeliz que para a aula para “presentear” os colegas com uma perspectiva marxista de qualquer assunto que esteja em pauta, seja a Revolução Francesa ou a história da embalagem do creme dental. Fora aqueles imbecis que ficam com o livro na mão esperando para apontar algum erro do professor; esqueceram de avisá-los que os problemas com figuras de autoridade são melhor resolvidos no consultório do psicólogo.

Não sei o que leva um sujeito a perder a mais remota noção de amor ao próximo e realmente acreditar que tem algo a ganhar tentando esfregar na cara de um professor os erros que comete ou desafiando a paciência dos colegas com longas exposições de opiniões alheias por falta de idéias próprias ou de identidade própria, o que dá quase no mesmo. Até o ponto em que isso envolve o professor e o aluno em questão não poderia ser mais indiferente, mas pare para pensar quantas horas de nossas vidas não foram desperdiçadas por causa de sujeitos que de nada vale ter sequer conhecido. Quantas horas preciosas que poderiam ter sido passadas jogando truco, bebendo cerveja, aprendendo a fazer mágicas com uma moeda, fumando um cigarro e tomando um cafezinho, lendo contos curtos de autores contemporâneos ou qualquer outra coisa certamente melhor do que ficar numa cadeira ouvindo uma pergunta cretina e a resposta normalmente demorada correspondente. Aproveite a vida. Ela normalmente acontece do outro lado da porta da sala de aula e qualquer coisa que amplie desnecessariamente o tempo perdido pode e deve ser encarada como ofensa pessoal a todos os outros envolvidos.

O filho pródigo à casa retorna

Eu posso dizer com toda a sinceridade (com uma explicação à moda de Schopenhauer) que não escrevi aqui por um bom tempo pura e simplesmente porque não quis. Sempre me pareceu um grande pecado que muitas pessoas, várias delas bem mais mais inteligentes do que eu, ficaram apaixonadas pelo som da própria voz ao longo do tempo. Isso leva alguém a executar monólogos intermináveis nos quais fazem desfilar sua erudição e sua argúcia dircursiva como quem brande uma espada com a qual corta as trevas da ignorância do pobre ouvinte ocasional ou do transeunte inocente (que não pediram para serem retirados de sua abençoada ignorância). Eu, que não me preocupo em iluminar a ignorância de ninguém e passo a maior parte do tempo refletindo filosoficamente sobre as implicações da interação entre o mundo que me cerca e o meu umbigo, não fiz questão de continuar a escrever quando a atividade não me parecia trazer proveito algum.

Parei de escrever recentemente porque não podia mais suportar as minhas próprias palavras. Estava enjoado do som de minha voz, da disposição das minhas palavras na folha de papel (sim, amigos da geração da internet, eu sou um orgulhoso portador e usuário de folhas de papel e uma caneta tinteiro à qual quero muito bem e, tenho certeza, ela a mim) e decidi que é melhor ficar quieto do que falar apenas por força do hábito (por mais que o hábito tenha surgido de uma necessidade profunda, como já tive oportunidade de observar anteriormente).

Agora que já disse porque parei de escrever, acho que devo explicar porque voltei. O fato é que eu estava um bocado entretido em lamentar minha existência vazia e solitária e agora fico a falar como quem viu passarinho verde. Ora, vi passarinho verde e deixemos o assunto por aí. Importa saber que me animei a vencer a preguiça e toda aquela energia negativa do pessimismo que parecia dar ainda mais força à gravidade que me mantinha cativo e confinado nos limites do sofá e, se não acho ainda que a vida vale tanto a pena, já não acho mais que vale a pena reclamar dela até a exaustão. É o que acontece quando se descobre formas mais agradáveis de ocupar o tempo.

Não é que fosse sem atrativos a boa e velha miséria mas não podia mais ficar incapacitado esperando a vida me dar um chute. Espero poder manter o sentido mais agudo de realidade que o pessimismo sempre me emprestou, por outro lado posso enxergar um pouco melhor o mundo quando não estou preocupado com a tristeza e as lamúrias que aterrorizam até mesmo os melhores de nós escritores diletantes. "E eu que era triste, descrente desse mundo..." Bem, o mundo pode esperar, agora vou dar o troco, a começar pelo próximo escrito. Desejem-me sorte.

P.S. Haverá dias em que minha disposição será mais romântica por força de alguma circunstância encantadora da vida (até mesmo o grande pessimista tem algum momento de alívio em sua caminhada), o que não deixa de ser assustador. Será que terei ainda em mim o necessário para voltar três anos no tempo? Não perca os próximos episódios...