sexta-feira, novembro 10, 2006

Politicagens

É bastante natural que passada a empolgação das eleições sigamos nossas vidas mais ou menos como de antes. Sem mudanças qualitativas na vida política brasileira, permanecendo Lula enrolado ciumentamente em sua faixa presidencial, é importante entender por que haverá mudanças sim, mas de natureza diferente.

As mudanças que se poderá esperar no segundo mandato que, na prática, já começou são quantitativas. Os graves crimes que se vem cometendo, os abusos contra a imprensa, o empobrecimento da maioria dos setores sociais do país, as negociações nefandas (nefandas é termo que emprego no sentido mais preciso: coisas que não podem sequer ser ditas, o que, diante da mordaça que se pretende impor à imprensa, não deixa de ser irônico) com outros "líderes" da américa latina, e a arrogância de quem foi confirmado em toda a sua esplendorosa corrupção, podridão, seu ridículo, por aclamação popular, democraticamente, por um povo que vê em sua situação algo a aspirar.

Santo Agostinho pergunta, "quando um povo for de costumes moderados e dignos, guardião diligente da utilidade pública, a ponto de cada um preferir o bem comum ao seu interesse particular, não seria justo para dito povo poder promulgar uma lei que lhe permitisse nomear para si magistrados encarregados de administrar seus negócios, isto é, os negócios públicos?"

O Doutor da Igreja continua: "Contudo, no caso de esse mesmo povo ir caindo aos poucos, depravando-se, e caso ponha o seu interesse particular acima do interesse público, e vier a vender o seu sufrágio livre, por dinheiro? Além do mais, corrompidos por aqueles que que ambicionam as honras, confiar o governo a homens malvados e criminosos, não seria justo - caso ainda se encontrasse um só homem de bem, revestido de influência excepcional - que esse homem tirasse do povo a faculdade de poder distribuir as honras, para depositar a decisão nas mãos de alguns poucos cidadãos honestos ou mesmo de um só que fosse?"

Agostinho conclui que, conforme sejam as circunstâncias, as leis temporais podem ser mudadas sem que com isso se cometa injustiça. A democracia não é mais justa que a ditadura, se os grupos "democráticos" se valem de recursos ilícitos para dobrar a vontade do povo de modo que lhes entreguem voluntariamente o poder, contrariando o interesse da nação, de nada vale dizer-se democrático. Se a imprensa está controlada de tal forma a defender um único movimento político, como acontece com a esquerda brasileira, se os pobres se vendem por uma bolsa família enquanto os ricos se vendem por lucros de juros altos, como os banqueiros, ou em troca de um mensalão, como nossos deputados, a democracia, nesse caso, não é em nada melhor do que a ditadura.

A solução autoritária seria a "salvação" do povo. Não creio. Se a doença está no povo mesmo, se são os brasileiros que vendem sua devoção em troca de lisonjas, se vivemos imersos em uma grande alucinação e mandamos nas urnas a mansagem de que a equerda pode cometer qualquer crime e receberá aplausos em retorno, atraímos sobre nós a sorte que recebemos - a saber: a miséria, o desemprego, o cinismo presidencial - e a indignação que muitos fingem e exibem diante de todos não corresponde a um sentimento real de arrependimento por ter apoiado este governo, de nada vale esperar a solução Deus ex machina, os bons aqui não tem tido qualquer chance.

Nosso povo é o povo do Coriolanus de Shakespeare, com as exceções que conhecemos. Um povo que é levado por belos discursos, que só se sente bem quando está descontente mas não age a fim de sanar os males, sua indignação é superficial e vazia, sua vontade é corrupta. Ou, citando Lawrence da Arábia (o filme): "A little people, a silly people, greedy, barbarous and cruel."


powered by performancing firefox