quarta-feira, abril 27, 2005

Namorando

Meu mais profundo pesar acabou. Eu passei um bom tempo me lamentando da solidão, fazendo poemas em homenagem à tristeza, chutando lata na rua, cantando canções de desamor. Enfim tenho uma namorada.

Não, este não é um post do tipo querido diário, mesmo porque, uma vez que sei de de vez em quando meu blog é lido por amigos fiéis, perdi o direito de escrever as coisas chatas da minha vida comum e por outro lado os mesmos amigos leitores provavelmente já sabem o que aconteceu.

O interessante é a maneira como essa circunstância afetou minha percepção daqs coisas. Em primeiro lugar, afetou minha percepção dos casaizinhos. Eu sempre odiei casaizinhos. Gente que anda sorrindo, de mão dada, suspirando e olhando um para a cara do outro, para mim, pode ser qualquer coisa menos normal. Hoje me vejo parado feito um poste olhando por dez minutos para a cara da minha supra mencionada namorada enquanto ela come um hamburguer e toma guaraná. Embora não tenha mudado de opinião a respeito da minha própria atitude, não só ela parece inevitável como também natural.

Em segundo lugar, a vida de solteiro. A vida de solteiro era meu castelo, meu forte livre da ingerência de qualquer coisa que fosse diversa da minha vontade em seu estado mais puro, a liberdade individual de ficar com quem fosse e fazer o que fosse tão logo viesse a oportunidade (o que normalmente se traduzia em encher a cara e torcer para não ter do que me arrepender no dia seguinte). Jamais pensei que me fosse encontrar na posição de precisar resistir a um impulso por qualquer razão que não meu senso de boas maneiras; agora, aparentemente, desenvolvi uma consciência. Para aqueles de vocês que ainda não descobriram, consciência é aquela coisa pentelha que obriga o indivíduo a fazer o que é certo, sem relativismo (pois o relativismo é somente uma forma de auto engano) sob pena de te deixar com um baita sentimento de culpa.

O terceiro ponto é que vejo me tornar um daqueles cretinos que começa a "fazer" casaizinhos em todo o lugar, montando na cabeça quem combina com quem e discutindo as conclusões com minha cara metade. É fato notório que os animais da espécie casalzinho, tão logo se apercebam de sua condição como tais, começam a tentar reproduzir nos outros os efeitos de sua condição, engrossar suas fileiras e perpetuar todas as idiossincrasias que aos poucos se desenvolvem, especificam e se apoderam dos enamorados. Então fico eu pensando em como melhor juntar aquele amiogo e aquela amiga, nutrindo a idéia de que estou prestando algum serviço aos dois. Não me ocorre nesses momentos que dois maiores de idade responsáveis e dotados de intelecto, polegares opositores e faculdade de comunicação possam prescindir de minha ajuda para encontrar alguém que melhor lhes sirva.

Sem prejuízo de posteriores retificações que só me serão permitidas conforme aumente minha experiência no assunto, decidi ser no melhor interesse de minha sanidade e quiçá no da sanidade de outros fazer um exame crítico de minha condição particular em seu caráter geral para fins de registro.

Num apólogo final, convém lembrar que sou um romântico posando de cético. Por pior que possa vir a ser, um relacionamento é algo não só salutar como necesário para a maioria das pessoas. Há quem diga que é o melhor jeito de passar o resto da vida. Pensando em retrospecto, é certamente melhor do que estar sozinho, e embora eu venha aqui zombar do meu próprio contentamento, estou contente assim mesmo. As razões que me levam a experimentar esse delicioso torpor mental serão expostas em breve, mesmo porque, se minha namorada ler isso, o que é bem provável, pode vir a querer satisfações a respeito.