sábado, julho 09, 2011

O Português do pastor Marcílio

Já se vão alguns anos desde a última vez que ouvi a pregação do pastor Marcílio Gomes Teixeira. Quando finalmente fui trazido de volta, de maneira lenta e gradual, ao seio da noiva, ele já não estava mais à frente da Igrja Batista Central de Campinas. Tive a alegria de encontrá-lo, bem como sua esposa, a Dona Helena, alguns anos depois, durante um culto comemorativo de 50 anos da IBCC. Foi uma ocasião muito singular para mim, uma vez que o casal teve um papel muito importante em minha vida cristã. Foram ativos nos momentos fundamentais de minha formação, e quero muito bem aos dois pelo que me legaram.

Mas este não é o tema do post. O tema não é o pastor Marcílio, nem o seu papel na minha formação cristã. O tema é o Português do pastor.

Hoje tive a vontade, meio do nada, de escutar um sermão em Português. Me bateu uma saudade de escutar um pregador que tivesse algo a ver com a minha cultura, e recentemente só tenho escutado pastor americano (por razões óbvias) além do ex-comediante e agora evangelista ultra ortodoxo na teologia Todd Friel e estava francamente enjoado. Por acaso, no site da IBCC, que não revela o nome do pregador na sua Central de Mensagens, fiz o download de uma mensagem que calhou de ser pregada pelo pastor Marcílio.

Depois de tantos anos, foi um verdadeiro alento para meus ouvidos escutar alguém falando Português de forma tão natural, tão espontânea e tão correta! Preciso escutar mais uma vez para ter certeza, mas tive a impressão de que ele não comete um único erro gramatical, em nenhuma ocasião escorrega na pronúncia, declama o texto da mensagem como se estivesse batendo um papo e tomando o café da tarde na varanda.

Numa era de teleprompter, de improvisos desastrados, uma época em que até nos jornais a última flor do lácio é abusada e maltratada por um verdadeiro exército de profissionais que não passam de usurpadores dos cargos de professores, escritores e jornalistas, uma época em que blogueiros como eu publicam artigos sem corrigir por pura preguiça (sim, quem passa por este espaço sabe o quanto fujo da tarefa de corrigir meus textos - preciso é de um editor que seja super competente e aceite como pagamento apenas sorrisos e tapinhas nas costas), é uma delícia escutar um pregador que tenha um domínio tão perfeito da língua pátria. Muito disso é mérito do pastor Marcílio, por buscar ser um homem educado, parte se explica pelo fato de o pastor ser de outra geração, aquela cuja educação ainda não havia sido sacrificada no altar das ambições socialistas.

Toda esta experiência me remeteu diretamente à infância. Lembro que nunca fiz questão de participar do louvor na igreja, o qual curiosamente era o momento no qual as crianças podiam ficar, mas sempre gostava de ficar para a mensagem. Escutava extático a pregação e me empenhava em compreendê-la. Desta forma, aprender a usar palavras novas, expressões, tudo isso no Português falado, era muito natural para mim. Tive sorte. A maioria das pessoas aprendeu o Português chinfrim com sotaque carioca que a Rede Globo espalha para 70% da população brasileira feito gonorréia.

Um dos poucos lugares dos quais o Português falado pode ser proferido com total correção gramátical, sem parecer estranho, é o púlpito. Infelizmente alguns pregadores se esquecem disso, talvez no afã de atingir mais pessoas. Acho que convém lembrar, especialmente diante da enxurrada de novas traduções cada vez mais simples e mastigadas da Bília que invadem o mercado editorial brasileiro, que em breve o evangelho não vai mais ser reconhecível no Brasil simplesmente porque faltam palavras para anunciá-lo! As besteiras linguísticas e a ignorância generalizada cujos exemplos abundam nos jornais, revistas e na TV, certamente acabam desaguando nas praias da teologia. O resultado desse processo corre a galope na Terra de Vera Cruz, como bem demonstra o sucesso estrondoso das formas mais baixas de teologia (entenda-se aí pricipal mas não exclusivamente a Igreja Universal do Reino de Deus).

O país precisa de pessoas mais educadas no ministério pastoral. Lemrbo-me de um comentário de Frank B. Sandborn (em Voegelin, The Form of the American Mind p.132, nota 20) sobre Johnathan Edwards, em que ele dizia Edwards, se quisesse, teria ficado par a par com David Hume no campo da Filosofia, mas preferiu dedicar sua vida à carreira de ministro do evangelho. O que produziu o Brasil que se compare? O último grande pregador brasileiro que falava e escrevia em um Português castiço, o Pe. Vieira, nem brasileiro era.

Fica então registrado meu apreço e minha gratidão ao pastor Marcílio.

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