quarta-feira, janeiro 30, 2013

A Vida Perdida

Esta postagem, publicada prematuramente, foi agora resgatada de seus erros mais grosseiros. Não estão fora de cogitação correções futuras.



Não sei se está tão certo assim o adágio que diz que uma imagem vale por mil palavras. Estava pensando em minha viagem de Dallas a Davis e em tudo o que vi. Queria ter escrito a respeito da experiência, foi das mais excitantes que tive, dos lugares por onde passei, dos cenários que contemplei pelo caminho, e, no entanto, acabei sendo vencido pela preguiça, pelo cansaço e deixei passar a chance de narrar tudo enquanto ainda tinha a experiência fresca na memória. Guardo ainda várias fotografias (agora que todo telefone celular tem câmeras a fotografia torna-se uma quase obrigação, mesmo que em prejuízo da experiência ou imagem fotografada em si) que não se comparam a nada daquilo que presenciei.

Fico abismado ao pensar em quantos momentos genuinamente interessantes ficaram para trás, quantas conversas estimulantes, dias curiosos, insights valiosos, não só na viagem, mas ao longo da vida, se perderam por falta de uma maior rigidez da vontade, a qual prefere se entreter com a próxima distração na internet ou na televisão ao invés de trabalhar para elaborar em palavras, com tanto engenho quanto possível, a vida vivida. E não basta apenas fotografar, filmar e postar o que passou no Facebook, este pobre substituto de tantas dimensões da vida humana.

(Um aparte. O Facebook como substituto de dimensões inteiras da vida humana e algo que terá consequências desastrosas no futuro. Substituímos nossa memória pelo compartilhamento de fotografias, o contato humano e o diálogo pela curiosidade rasteira de saber o que amigos e conhecidos fizeram na noite anterior. A elaboração de uma narrativa acerca dos eventos de nossa vida, ou de pessoas que conhecemos ou lugares que visitamos é substituída por comentários brevíssimos e mal escritos sobre nossos estados internos mais fugazes e muitas vezes mais baixos. Será que é possível a grandeza em um mundo assim? Será que sobreviveremos nossa tecnologia e nossa afluência?)

Parece que a nobre e longa faculdade da memória está sendo pouco a pouco substituída pelo fluxo de momentos imediatos sem conexão uns com os outros. Nossa capacidade de narrar eventos e histórias reais, tira diante de nós a vida real e a substitui por uma vida imaginada, em que a personalidade partida, atomizada cria uma série de ficções para juntar, num ato desesperado os cacos desconexos da memória. Não surpreende, por tanto, que poucas pessoas tenham onde se apoiar para fazer planos para o futuro (as repercussões distantes deste problema espiritual chegam até os círculos infernais da previdência social e dos jovens de quarenta anos que não sabem o que querem ser quando crescer).

A foto que ilustra este post foi tirada na viagem que A. e eu fizemos a Carmel-by-the-Sea. É uma foto bonita (modéstia à parte), mas não consegue narrar a longa caminhada que fizemos pelas ruas da cidadezinha, primeiro sozinhos, depois no agregando a umas poucas pessoas, às quais, lentamente, mais companheiros insuspeitos se juntavam. Não mostra nossa chegada até o ponto de entrada da praia, escondida por uma colina alta ao lado de uma grande duna. Não deixa ver a sensação de maravilha e espanto que nos invadiu quando fomos descendo a duna pouco a pouco e a majestade do mar que se quebrava nos penhascos ao redor se desvelava diante de nosCarmel-by-the-SeaCarmel-by-the-Seasos olhos. Não mostra o movimento lento do sol nascente, pouco a pouco dourando as ondas, e a espuma, não revela o riso alegre das crianças, cães, homens e mulheres que foram se ajuntando no mesmo lugar e compartilharam, com dezenas de desconhecidos, o mesmo espetáculo.

Parece bobagem, mas estou melancólico pensando em tudo que já não sou capaz de evocar, explicar e reviver. Temo que meu protesto pela recuperação da memória e da narrativa, que atam as duas pontas do fio de cada vida, sejam apenas gemidos roucos chamando em vão uma forma de vida já quase extinta.

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P.S. Acabo de aprender mais duas coisas a meu respeito: quando estou deprimido sou grosseiro, quando estou melancólico sou pedante. É melhor me conformar, jamais serei um Milton...

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