sábado, janeiro 05, 2013

Digressão metafísica sobre How I Met Your Mother

Um dos meus guilty pleasures favoritos nas horas de ócio é assistir a série How I Met Your Mother na CBS. É umas das duas iniciativas bem sucedidas de melhorar a idéia central de Friends, a outra sendo Coupling (as novas gerações que acham que Friends é uma porcaria tem toda rzão, apenas lembrem-se que era um dos melhores programas disponíveis na época - we didn't know any better). Um grupo de amigos, suas desastradas aventuras romântico-sexuais e seus relacionamentos intestinos - o que me pareceria até um pouco fantasioso se eu não tivesse visto grupelhos assim na vida real - e, como não poderia deixar de ser a série se passa em Nova Yorque. Aliás, para que não reste dúvida sobre as semelhanças entre as séries, alguma pessoa com o mesmo insight que eu e muito mais habilidades com o editor de vídeo criou esta abertura alternativa para How I Met Your Mother e postou no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=GWLh65OTqHY

Seja lá como for, a série é muito engraçada, embora nada acrescente de substancial ao intelecto do espectador, como todo bom seriado de evasão deve ser (ao contrário, por exemplo, dos melhores episódios de Frasier, que me deixam pensativo depois do riso). Recomendo especial atenção para a atuação sempre espetacular de Neil Patrick Harris, cujo personagem, Barney Stinson, rouba quase todas as cenas nas quais aparece. O fato de Harris ser um homossexual assumido cujo personagem é um mulherengo conquistador (termos do tempo de meu avô que emprego porque os equivalentes modernos são chulos demais e parecem ridículos quando saem da minha boca) me faz sempre lembrar - guardadas as devidas proporções - de Rock Hudson, especialmente porque o galã dos anos sessenta também era um ótimo ator cômico, para meu gosto.

Não foi por causa de Neil Patrick Harris ou Friends que me lembrei de How I Met Your Mother hoje. O que me pôs a pensar no seriado foi um trecho do livro "A Origem da Linguagem" do filósofo Eugen Rosenstock-Huessy. Transcrevo: "Um amigo dos meus tempos de estudante em Heidelberg usava a expressão 'de algum modo' (irgendwie) para designar todos os mistérios da vida. Concluímos que usava essa expressão em lugar do nome de Deus, e assim era de fato. Onde as gerações anteriores haviam falado na vontade ou ajuda de Deus, ele satisfazia-se com o incerto e o vago." O trecho me remeteu imediatamente à constatação de que todos os personagens no seriado incorrem numa das práticas modernas que mais me irrita: a personalização do universo. Desse modo, a todo tempo em How I Met Your Mother ouvimos coisas do tipo (paráfrases minhas): "O universo está querendo me dizer alguma coisa", "Deixe o universo decidir", e assim por diante. Como se o universo fosse uma inteligência dotada de vontade, desígnio e capacidade de ação, e, pior, uma inteligência investida de um interesse pelos problemas sentimentais de um grupo de amigos novaiorquinos!

Chega a ser engraçado, e um pouco triste, ver a que chegou a cultura popular contemporânea, termômetro da weltanschauung das massas e, muitas vezes, da elite também. Fico a me na época perguntar, junto com o comediante Billy Gardell (no excelente espetáculo solo Halftime), quando foi que se tornou démodé ou de mau gosto acreditar em Deus e chamá-Lo pelo nome? Parece que rapidamente o mundo passou a dizer com Carl Sagan que o Cosmos é tudo o que é, foi e será; e a frase, tanto mais crida quanto menos compreendidas e meditadas são suas implicações, acaba servindo de substituto - fajuto - para a necessidade existencial do ser humano de viver conforme uma metafísica minimamente coerente. Troca-se Deus, aquele que já é nosso velho conhecido, pois se deu a conhecer repetidas vezes ao longo da história, pelo espacialmente incomensurável, inimaginável e impessoal, enfim, pelo "incerto e vago".

Porém, a adesão nominal à fé "científica" no cosmos, no universo, não desata o nó da alma que, volta e meia, insiste em se fazer sentir. O credo moderno de que Deus é odioso, desinteressante ou inexistente não é capaz de dar conta da nossa necessidade, por virtude da forma como fomos criados, de relacionar-nos com um Deus pessoal. Nem o mero teísmo verborrágico, nem o ateísmo mais histérico são capazes de abafar o silêncio denso, opressivo, quase táctil, que a ausência de Deus perante a consciência é capaz de causar. Daí a tentativa tragicômica de personalizar o universo, tentativa de tornar a realidade em torno menos aleatória, menos hostil. Sob o fundo de risadas enlatadas do seriado de televisão, escuta-se o gemido surdo do nome que não se ousa dizer. Gozado como certas ausências acabam tornando o ausente presente como nunca.

Estou cada vez mais convencido de que se nessa geração politicamente correta, cientificista, hedonista e perdida, falar de Deus é inconveniente, por vezes arriscado, talvez até perigoso, não falar de Deus é suicídio.

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